domingo, 29 de outubro de 2017

Bernardini - Uma história de expertise e inovação brasileira

MB-3 Tamoyo
O GBN News retoma nossa série de matérias sobre a indústria de defesa brasileira dos idos anos 70-80, tida por muitos como a "Era de Ouro" do setor no Brasil. Dentre os nomes que ganharam grande espaço e reconhecimento por seus desenvolvimentos e capacidades, podemos citar a Bernardini, indústria que foi fundada no inicio do século XX, para ser mais preciso, no ano de 1912, tendo se instalado na cidade de São Paulo. Como o próprio nome sugere, a mesma foi fundada por imigrantes italianos.

Mas a Bernardini não surgiu com fins específicos de atender o mercado de defesa, sua história sendo marcada ao logo de décadas como fabricante de cofres, portas blindadas e móveis em aço, tendo ingressado no segmento militar apenas nos idos anos 60, quando a empresa resolve investir no setor automotivo e de defesa. Um dos primeiros produtos destinados á esse novo nicho de mercado foram as carrocerias fabricadas para equipar os caminhões dos Fuzileiros Navais e do Exército Brasileiro.

A Bernardini S.A se manteve como uma indústria que mantinha sua produção e foco dividido entre o mercado civil e o de defesa, mantendo sua produção de cofres e portas blindadas, produção a qual fora somada também a produção de carrocerias blindadas que visavam o mercado de transporte de valores, o qual vinha representando um promissor mercado.

Mas o ponto divisor de águas para empresa como indústria de defesa é marcado pelo contrato assinado em 1972, quando passou a participar junto ao Exército Brasileiro do programa de modernização das viaturas blindadas M3-A1 Stuart, processo a cargo da Biselli, outra importante indústria que será tema de futura matéria, vindo a partir deste momento a se dedicar importantes recursos ao segmento de defesa.

X1-A2
Neste programa do Exército Brasileiro, a Bernardini foi incumbida do desenvolvimento e produção da suspensão e torre blindada para o novo projeto. As especificações requeridas levaram a um processo tão complexo e profundo que resultou na criação de um novo tanque de guerra, denominado X1-A1, que após seu desenvolvimento deu origem ao X1-A2 Carcará, o primeiro carro de combate sobre lagartas construído no Brasil.

As décadas de 70 e 80 foram muito prósperas para indústria de defesa brasileira, caracterizando-se como um momento que proporcionou ás indústrias nacionais o aporte financeiro e suporte do governo e forças armadas, os quais, somados, garantiram a capacidade nacional de desenvolver inúmeros programas de defesa, embora muitos tenham se limitado apenas à fase de desenvolvimento.

XLF-40 preservado no Museu Conde de Linhares, RJ
Entre os anos de 1978 e 1980 o Exército Brasileiro, dando prosseguimento em seus programas de desenvolvimento, criou ainda dois projetos tendo como base o chassi sobre lagartas do X1-A1, dando origem a uma nova família de viaturas: o XLF-40, ou Carro Lançador Múltiplo de Foguetes, e o XLP-10, uma viatura Lançadora de Ponte.

O XLF-40 possuía uma rampa quatro sapatas hidráulicas de estabilização que era capaz de lançar três foguetes X-40 desenvolvidos pela Avibrás, os quais possuíam um alcance aproximado de 65 km, mas esta viatura veio a ter apenas um exemplar construído. O XLP-10 era dotado de uma ponte construída em alumínio estrutural com 10 metros de comprimento e capacidade para 20 toneladas, capaz de ser lançada em três minutos, contando com sistema hidráulico totalmente automático. Esta viatura chegou a ter, além do protótipo, mais quatro unidades construídas.

Em 1984 a Bernardini participaria do desenvolvimento de mais um tanque especializado, a versão anti-minas do Sherman M4, que também não superou a de protótipo. Tal projeto envolveu a substituição do motor original MWM por um motor Scania de 400 cv, a torre e seu canhão foram removidos, sendo equipado com dois roletes detonadores de minas de origem israelense.

Devido a bem sucedida modernização dos "Stuart", o Exército Brasileiro resolveu adotar as mesmas soluções à seus 250 carros de combate M-41 Walker Bulldog, os quais foram adquiridos de segunda mão no principio dos anos 60 nos EUA. Os M-41 apresentavam um consumo de combustível demasiadamente alto, chegando a percorrer apenas 3km/l, demandando a necessidade do Exército Brasileiro em substituir a motorização original, que contava com motor Continental refrigerado a ar com 500 cv e movido a gasolina. Outro fator considerado fora o alto custo dos componentes de reposição e a dificuldade em encontrá-los no mercado, dada a escassez de importantes sobressalentes.

Em 1980 os M-41 brasileiros começaram a passar pelo programa de modernização, tendo seu motor Continental a gasolina de 500cv, substituído por um Scania V8 turbinado com 400 cv movido a diesel, tal modificação teve um expressivo resultado na autonomia dos M-41, os quais a ampliaram dos originais 280 km para cerca de 600 km!

M-41C "Caxias"
O programa de modernização dos M-41 foi bem extenso, resultando na substituição de sua caixa de marchas, transmissão, lagartas, componentes da suspensão, rádio e sistemas de pontaria. Tendo recebido muitos componentes de fabricação nacional. O M-41 ainda recebeu reforço na blindagem frontal e na torre, tendo alguns recebido saias de aço para proteção do conjunto motriz. O armamento do M-41 também recebeu especial atenção, o qual foi padronizado com calibre 90 mm empregado nos Engesa EE-9 "Cascavel", abandonando o canhão original de 76 mm.

O programa de modernização resultou em um "novo" blindado, o qual recebeu a denominação de M41-C Caxias. Tal versão chegou a resultar na exportação de 150 (se possível, citar os países para onde foram exportados) destes veículos pela Bernardini, além de vários kits de conversão exportados para vários países.

Toda experiência e capacidades adquiridas pela Bernardini ao longo dos programas de modernizações em que participou, permitiram a empresa brasileira dar o passo mais ambicioso de sua história: projetar o primeiro carro de combate sobre lagarta de concepção nacional.
Essa iniciativa teve inicio a partir das necessidades do Exército Brasileiro de desenvolver o futuro substituto dos M-41C “Caxias”, o qual deveria possuir um conjunto de características que atendesse aos requerimentos do EB. A idéia básica era obter um novo carro de combate que aliasse tecnologia no “estado da arte”, desempenho, confiabilidade e padronização com a mínima dependência de componentes importados, tudo isso dentro de um cenário de recursos orçamentários limitados.

Tendo sido lançado em 1979, o novo programa do Exército Brasileiro com a Bernardini, levou cinco anos até que finalmente fosse apresentado o X-30, um blindado médio de 30 toneladas, o qual alcançou a cota de 98% de nacionalização, sendo uma conquista para indústria de defesa brasileira naquele período. O X-30 seria a base de um dos mais famosos programas de blindados brasileiros, resultando na criação do MB-3 Tamoyo, blindado que já foi objeto de uma matéria especial aqui no GBN News, inspirado no Leopard II da KMW, há época um dos mais avançados blindados no mundo.

O Tamoyo podia incorporar toda a tecnologia de ponta que estava disponível em seu tempo, tal como computador de tiro, pontaria a laser, proteção QBR (Quimica, Biológica e Radioativa), além de visores infravermelhos. O projeto do Tamoyo foi um grande marco na indústria de defesa brasileira, apresentando equilíbrio entre a tecnologia avançada, simplicidade construtiva e de operação.

Sua configuração “simples” e espartana era vista como seu “calcanhar de Aquiles” no mercado de exportação, o qual era cada vez mais exigente e o “Tamoyo” tinha limitações em atender a determinados requerimentos de potências operadores externos. Como forma de tentar atender ao mercado de exportação, a Bernardini lançou versões mais sofisticadas do “Tamoyo”, conhecidos como “Tamoyo II” e “Tamoyo III”. O leitor poderá conhecer clicando aqui no link da matéria MB-3 "Tamoyo" - Uma oportunidade desperdiçada.

Apenas cinco unidades do Tamoyo foram produzidas, sendo apontado como o melhor produto da Bernardini, o qual representou seu clímax no desenvolvimento de produtos de defesa. Porém, apesar de desenvolver um veículo que atendia ás necessidades do Exército Brasileiro, os tempos eram outros. Agora o setor de defesa amargava consecutivos cortes orçamentários, além de uma verdadeira enxurrada de ofertas de equipamentos estrangeiros de segunda mão excedentes á baixo custo no início da década de 90, sendo resultante da queda da União Soviética e o fim da “Guerra Fria”.
           
Os anos 90 representaram um grande revés para a indústria nacional de defesa e os programas militares Brasileiros, tendo recebido como golpe de misericórdia a retirada dos incentivos do governo federal para o desenvolvimento da indústria nacional de defesa na administração Collor.

Os dois últimos projetos militares desenvolvidos pela Bernardini foram viaturas leves de apoio, sendo lançado em 1985 uma versão militarizada do Toyota Bandeirante, denominada “Xingu”, além do AM-IV 4x4, um pequeno veículo blindado anti-distúrbio, montado sobre o chassi curto do Toyota Bandeirante, o qual teve cerca de 50 veículos fabricados, sendo sua grande maioria exportada.

Apesar da produção dessas viaturas terem garantido á Bernardini se manter “viva”, não foi o suficiente para manter as capacidades produtivas e seu parque industrial. Com a suspensão dos recursos destinados ao programa “MB-3 Tamoyo” pelo Exército Brasileiro, a Bernardini teve que interromper o desenvolvimento do “Tamoyo”, e com a falta de investimento ou um novo programa, a promissora indústria de defesa se viu diante do eminente fim de sua história.


Os anos 90 representaram um momento obscuro para indústria nacional, década que foi marcada pelo fim de importantes complexos industriais de defesa, como a ENGESA que em 1993 encerrava suas atividades. Uma mudança drástica na política nacional de defesa foi o golpe final na outrora próspera indústria do setor de defesa, onde a partir de 1996 o Brasil retomou a política de compras de oportunidade e voltava a realizar aquisição de sistemas e meios de defesa excedentes de outros países para equipar as Forças Armadas. A Bernardini como tantas outras grandes indústrias do conglomerado nacional de defesa, veio a se juntar ás estatísticas em 2001, quando a tradicional e quase centenária empresa encerrou definitivamente suas atividades, passando a fazer parte de uma triste página da história brasileira marcada pelo descaso e miopia do governo federal.


Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio e leste europeu, especialista em assuntos de defesa e segurança.


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