O Brasil, com sua vasta extensão territorial e posição estratégica, desempenha um papel essencial na segurança da América do Sul. Como maior economia e território do continente, o país possui uma responsabilidade central na manutenção da estabilidade regional. No entanto, além de desafios estruturais, a segurança brasileira enfrenta barreiras impostas pelas políticas de governo e pela influência de ideologias e partidarismos que frequentemente comprometem a eficiência e a imparcialidade das ações de Estado.
A América do Sul, marcada pela diversidade e por desafios comuns, enfrenta problemas como tráfico de drogas, contrabando de armas, migração irregular e a atuação de organizações criminosas transnacionais. Para o Brasil, esses desafios são agravados pela extensão de suas fronteiras terrestres, que somam mais de 16.800 km e são compartilhadas com 10 países, além de uma costa de aproximadamente 7.400 km.
Em tese, o Brasil tem todos os recursos para liderar iniciativas de segurança na região. No entanto, políticas governamentais marcadas por partidarismos e mudanças ideológicas frequentes criam instabilidades e dificultam o planejamento de longo prazo.
Desafios Estruturais e Políticos
A segurança nacional deveria ser tratada como uma política de Estado, alheia a mudanças de governo e ideologias. Contudo, a realidade brasileira mostra o oposto. Em diversas ocasiões, decisões estratégicas no campo da defesa foram influenciadas por preferências políticas, partidárias ou ideológicas, o que levou à descontinuidade de programas importantes, ou atrasos e suspensões sem uma justificativa lógica, como é o caso recente da aquisição dos sistemas de artilharia ATMOS.
Outro exemplo disso é o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), um projeto crucial para o combate ao crime transnacional. Apesar de seu impacto positivo, o SISFRON sofre com cortes orçamentários e falta de prioridade política em determinados períodos, prejudicando sua implementação plena. Esses cortes, muitas vezes, motivados por divergências ideológicas entre governos que se sucedem, colocando interesses partidários acima da segurança nacional.
SISFRON e a Realidade Orçamentária
O uso das forças de segurança para fins políticos é outro fator preocupante. Em vez de buscar soluções integradas para os desafios regionais, governos brasileiros frequentemente priorizaram ações de impacto midiático ou que favoreçam agendas alheias as reais necessidades, ignorando a importância de uma visão de longo prazo.
Esse cenário é agravado pela dificuldade em implementar políticas de cooperação regional quando o governo em vigor adota posturas ideológicas incompatíveis com outros países da América do Sul. Por exemplo, relações tensas com governos de diferentes espectros ideológicos dificultam colaborações em áreas como inteligência e controle de fronteiras.
O SISFRON continua sendo um dos projetos mais promissores para a proteção das fronteiras, combinando tecnologia de ponta com inteligência operacional. No entanto, apenas uma fração dos R$ 12 bilhões necessários para sua implementação foi investida, devido à falta de prioridade política e disputas internas sobre o direcionamento de recursos.
Essa situação reflete a ausência de uma política de Estado consistente, na qual a segurança seja tratada como prioridade nacional, independentemente das mudanças governamentais.
Operações de Segurança e Ideologias
Operações conjuntas, como a Operação Ágata, demonstram o potencial do Brasil em liderar iniciativas regionais. Porém, a falta de continuidade nas estratégias e a politização de ações de segurança frequentemente enfraquecem esses esforços.
A Operação Ágata, por exemplo, sofreu com oscilações de recursos e mudanças de foco a cada troca de governo, comprometendo sua eficácia no combate ao contrabando e ao tráfico de drogas.
Segurança Marítima e o Impacto da Política
O SisGAAz, responsável por monitorar e proteger a zona econômica exclusiva brasileira, é outro exemplo de como a falta de prioridade política pode prejudicar iniciativas estratégicas. Embora reconhecida como essencial para a segurança marítima, a implementação do SisGAAz avança lentamente, com cortes orçamentários e debates políticos sobre a alocação de recursos.
A exploração de petróleo no pré-sal e a proteção contra a pesca ilegal são questões cruciais para a soberania brasileira, mas frequentemente enfrentam entraves políticos que atrasam decisões importantes.
A Marinha e a Necessidade de Modernização
A Marinha do Brasil desempenha um papel central na proteção dos vastos recursos marítimos do Brasil, desde o monitoramento das águas jurisdicionais na chamada “Amazônia Azul” até a defesa de interesses estratégicos em um cenário global cada vez mais competitivo. Programas emblemáticos como o PROSUB (Programa de Desenvolvimento de Submarinos) e o PFCT (Programa Fragata Classe Tamandaré) são exemplos do potencial brasileiro para se consolidar como uma potência marítima. Contudo, a realização plena desse potencial está ameaçada pela visão míope do governo federal em relação à defesa.
Os constantes cortes no orçamento da Defesa têm gerado um impacto devastador na capacidade de planejamento e execução de projetos estratégicos de longo prazo. Essa política de desinvestimento compromete não apenas a prontidão operacional da Marinha, mas também coloca em risco a soberania nacional em um momento em que o Brasil enfrenta desafios crescentes na geopolítica regional e global.
A falta de investimentos contínuos e de previsibilidade orçamentária afeta diretamente a Base Industrial de Defesa (BID), um setor que não apenas gera milhares de empregos diretos e indiretos, mas também garante retorno significativo do investimento para a economia nacional. Projetos como o PROSUB, além de sua importância estratégica, têm impulsionado a transferência de tecnologia e a capacitação de profissionais altamente qualificados. A descontinuidade ou a redução de recursos ameaça paralisar cadeias produtivas inteiras, prejudicando não só a defesa, mas também o desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil.
Entre as necessidades mais urgentes está a renovação da Esquadra brasileira, cuja frota envelhecida não corresponde mais aos desafios operacionais contemporâneos. A substituição de navios obsoletos não é um processo que se realiza da noite para o dia; requer anos de planejamento, construção e integração, além de um investimento significativo e ininterrupto. Sem os recursos necessários, o Brasil corre o risco de perder sua capacidade de dissuasão marítima e de defesa de suas águas territoriais e interesses no mar.
Essa situação reflete uma compreensão limitada da importância da defesa nacional, vista muitas vezes apenas como um custo em vez de um investimento estratégico. O comprometimento com programas de modernização, como o PROSUB e o PFCT, não deve ser tratado como uma escolha ideológica, mas como uma prioridade nacional que transcende governos e ciclos políticos.
Garantir a continuidade de projetos estratégicos e o fortalecimento da Base Industrial de Defesa é essencial não apenas para a segurança do Brasil, mas também para sua credibilidade no cenário internacional. Sem uma mudança de postura e um compromisso real com a defesa, o país corre o risco de comprometer sua soberania, seus interesses econômicos e sua capacidade de responder aos desafios do futuro.
Missões de Paz e Credibilidade Internacional
O Brasil tem uma longa tradição de envolvimento em missões de paz sob os auspícios da ONU, consolidando sua reputação como um ator relevante na diplomacia internacional. Um dos exemplos mais notáveis dessa atuação foi a liderança da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), onde as Forças Armadas brasileiras desempenharam papel central na estabilização do país, ganhando respeito global pela eficiência e profissionalismo demonstrados.
Entre as forças brasileiras, o Corpo de Fuzileiros Navais se destaca de maneira singular. Ele é a única tropa no Brasil certificada no nível três da Escala de Prontidão das Nações Unidas (ONU), o mais alto padrão de prontidão militar estabelecido pela organização. Essa certificação reflete o rigoroso treinamento, o elevado nível de preparo técnico e logístico, e a capacidade de atuação em cenários complexos, garantindo que a tropa esteja apta a ser empregada imediatamente em missões internacionais de paz, caso acionada.
Apesar desse reconhecimento, há uma crescente demanda por tropas com a qualidade e experiência dos Fuzileiros Navais brasileiros em missões da ONU, mas o Brasil não tem aproveitado plenamente essa oportunidade de reforçar sua credibilidade internacional. Isso ocorre porque o Ministério das Relações Exteriores (MRE) tem sistematicamente negado os pedidos da ONU para o envio de tropas brasileiras. Essa postura tem sido associada, em parte, a motivações ideológicas que impactam as decisões estratégicas do país, refletindo uma hesitação em se comprometer com operações que exigem neutralidade e cooperação multilateral.
Essa situação não apenas limita a atuação do Brasil no cenário global como também compromete a manutenção da sua imagem como mediador confiável e parceiro engajado na promoção da paz internacional. A relutância em responder positivamente às solicitações da ONU pode ser interpretada como um afastamento do compromisso histórico do país com o multilateralismo, enfraquecendo seu protagonismo diplomático.
Restaurar a confiança na capacidade do Brasil de liderar e participar de missões de paz exige um esforço conjunto para alinhar as decisões políticas às demandas internacionais, reconhecendo o papel estratégico das Forças Armadas e, em especial, dos Fuzileiros Navais, como um recurso valioso para a segurança e estabilidade globais.
Consolidando o Papel do Brasil como Líder Regional
Para que o Brasil assuma plenamente seu lugar como líder regional, é essencial enfrentar os desafios impostos pelas políticas governamentais de curto prazo e pela influência de agendas ideológicas que frequentemente comprometem decisões estratégicas. A construção de uma posição de liderança está intrinsecamente ligada à capacidade do país de adotar uma abordagem pragmática e orientada por interesses nacionais. Isso exige medidas concretas e mudanças estruturais que garantam a continuidade e a efetividade das políticas de segurança e defesa.
A segurança nacional deve ser tratada como uma política de Estado, transcendente aos governos e ciclos eleitorais. A visão de curto prazo e a partidarização frequentemente resultam em decisões fragmentadas, prejudicando a continuidade de projetos essenciais. Para superar esse obstáculo, é necessário estabelecer marcos regulatórios e planejamentos de longo prazo que garantam a estabilidade e resiliência das políticas de defesa, independentemente das mudanças no cenário político. A segurança nacional não é um tema ideológico; é um pilar fundamental da soberania e do desenvolvimento nacional.
Programas como o SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) e o SisGAAz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul) são vitais para a proteção das vastas fronteiras terrestres e marítimas do Brasil. No entanto, a execução desses projetos tem sido prejudicada por cortes orçamentários motivados por disputas ideológicas e falta de prioridade governamental. Esses sistemas não apenas garantem a segurança nacional, mas também reforçam a credibilidade do Brasil como parceiro confiável no cenário internacional. O fortalecimento e a priorização desses programas precisam ser tratados como questões de urgência nacional, com alocação de recursos adequada e continuidade garantida.
A liderança regional do Brasil passa, inevitavelmente, pela integração com seus vizinhos sul-americanos. Contudo, essa cooperação deve ser guiada por interesses estratégicos de longo prazo, e não por afinidades políticas ou ideológicas momentâneas. A construção de alianças sólidas em áreas como segurança, economia e infraestrutura é fundamental para promover a estabilidade regional e fortalecer o papel do Brasil como mediador e líder. Uma abordagem pragmática e consistente é a chave para consolidar essa integração de forma sustentável.
A credibilidade do Brasil no cenário internacional depende também da transparência e eficiência de suas políticas de segurança e defesa. Projetos e ações que visam apenas gerar impacto político de curto prazo enfraquecem a confiança nas instituições e comprometem resultados de longo prazo. É necessário adotar métricas claras de desempenho, garantir a transparência na gestão de recursos e priorizar iniciativas que gerem benefícios concretos para a segurança e o desenvolvimento nacional.
A reflexão sobre esses pontos evidencia que a consolidação do papel do Brasil como líder regional não é uma tarefa simples ou imediata. Requer um esforço coordenado, a superação de barreiras políticas e ideológicas, e um compromisso com o fortalecimento das instituições e dos programas estratégicos. Apenas com uma abordagem pragmática e orientada para resultados o Brasil poderá garantir sua posição de destaque e atender às demandas de um cenário global cada vez mais complexo.
O Brasil tem um papel central na segurança regional, mas para cumprir esse papel de forma eficaz, é necessário superar os entraves impostos pela politização e ideologização das ações do Estado. A defesa e a segurança devem ser tratadas como prioridades nacionais, acima de interesses partidários e de curto prazo.
Com uma abordagem estratégica e integrada, o Brasil pode fortalecer sua posição como líder regional, garantindo não apenas sua própria estabilidade, mas também contribuindo para a segurança de toda a América do Sul, e projetando o Brasil como uma potência global.
por Angelo Nicolaci
GBN Defense - A informação começa aqui