segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Coreia do Sul e Türkiye reforçam cooperação em blindados, drones e tecnologias de defesa

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Às vésperas de sua visita de Estado à Türkiye, o presidente sul-coreano Lee Jae-myeung destacou a intenção de elevar a cooperação bilateral em defesa a um novo patamar, reforçando uma parceria que combina tradição histórica, confiança estratégica e interesses convergentes na área de tecnologias militares.

Lee ressaltou que a relação entre Seul e Ancara não é apenas diplomática, mas profundamente enraizada em laços históricos. “A Coreia e a Türkiye são países irmãos, unidos por laços de sangue, que lutaram lado a lado para defender a liberdade e a democracia”, afirmou. Ele recordou que mais de 20 mil soldados turcos foram enviados à Península Coreana, ainda em 1950, antes mesmo do estabelecimento formal de relações diplomáticas entre os dois países. Esse sacrifício, segundo o presidente, criou uma base sólida para uma cooperação duradoura e de caráter estratégico.

Integração industrial e tecnológica como motor da parceria

Lee enfatizou que a complementaridade das estruturas industriais da Coreia do Sul e da Türkiye cria um terreno fértil para parcerias robustas. De um lado, Seul tem liderança global em tecnologias avançadas e manufatura de precisão; do outro, Ancara consolida uma indústria de defesa emergente, com forte capacidade produtiva e presença crescente em mercados internacionais.

“A combinação da competitividade tecnológica sul-coreana com a sólida base de produção e as amplas conexões de mercado da Türkiye permite construir cadeias de suprimentos integradas”, afirmou o presidente.

No campo da defesa, essa convergência já se traduz em projetos concretos que envolvem produção conjunta, transferência de tecnologia e intercâmbio de capacitação. Entre os exemplos mais expressivos está o programa do tanque de batalha principal Altay, um projeto emblemático para a Türkiye, que incorpora motor e sistemas desenvolvidos pela Coreia do Sul.

Resultados tangíveis e novas frentes de cooperação

Lee destacou que o lançamento do primeiro Altay produzido em série, equipado com motor sul-coreano, demonstra não apenas maturidade tecnológica, mas também alto grau de confiança entre os governos e suas respectivas indústrias de defesa.

Ele também apontou o potencial crescente para expandir essa cooperação para novos domínios. A Türkiye consolidou-se como referência mundial em sistemas aéreos não tripulados, enquanto a Coreia do Sul mantém vantagens competitivas em tanques, artilharia e plataformas navais. Para Lee, esses pontos fortes complementares abrem espaço para iniciativas conjuntas de grande impacto.

“Nossos pontos fortes se alinham perfeitamente. Isso cria um potencial significativo para ampliarmos a cooperação, combinando as vantagens de ambos os países”, afirmou.


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Após demonstração, acordo do J-10C estagna e reacende disputa estratégica entre China e EUA no Egito

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A paralisação das negociações entre o Egito e a China para a possível aquisição do caça J-10C voltou a ocupar o noticiário internacional, especialmente após questionamentos da mídia chinesa sobre a súbita desaceleração da cooperação, poucos meses depois de uma demonstração pública que parecia prenunciar um acordo iminente.

Em 2024, sete caças J-10C e um cargueiro pesado Y-20 participaram do primeiro exercício aéreo conjunto entre Cairo e Pequim, uma operação que marcou simbolicamente o fortalecimento dos laços bilaterais. Sobrevoando as pirâmides de Gizé com fumaça multicolorida, o esquadrão chinês ofereceu ao mundo uma imagem cuidadosamente planejada de parceria estratégica e entendimento político. Para analistas e observadores internacionais, aquele gesto era o prenúncio de que o Egito estava prestes a dar um passo decisivo rumo à modernização de sua aviação de combate, tendo a China como fornecedora central.

À época, reportagens indicavam que o voo não era apenas um ato de cortesia diplomática, mas também um sinal claro de avanço nas negociações comerciais. O J-10C reunia características atraentes para a Força Aérea Egípcia, cuja frota de F-16 envelhecida e limitada operacionalmente não acompanha as demandas atuais de combate além do alcance visual (BVR). Paralelamente, o custo de expansão da frota de Rafales tornou-se inviável, ultrapassando os 250 milhões de dólares por aeronave.

Nesse cenário, o J-10C despontava como solução técnica e economicamente equilibrada. Equipado com radar AESA, míssil PL-15E de longo alcance e custo operacional inferior a 12 mil dólares por hora de voo, o caça chinês oferecia um pacote de desempenho compatível com as necessidades egípcias e com forte vantagem financeira. Pequim ainda se mostrou disposta a negociar um mecanismo de pagamento flexível, incluindo a possibilidade de compensação por receitas do Canal de Suez, um diferencial expressivo em tempos de restrições orçamentárias, mas a expectativa durou pouco.

Pressão americana muda o rumo do processo

Assim que Washington identificou o movimento egípcio em direção ao J-10C, os Estados Unidos mobilizaram sua estratégia tradicional, combinando advertências diplomáticas e incentivos militares. Fontes apontam que a ameaça de sanções via CAATSA entrou rapidamente na mesa, acompanhada da sinalização de possível corte da ajuda militar e econômica, um instrumento de pressão historicamente eficaz sobre o Cairo.

Em paralelo, os EUA apresentaram um pacote de armas de 4,67 bilhões de dólares, incluindo 200 mísseis AIM-120D, quatro baterias NASAMS-3 e um amplo programa de modernização da frota egípcia de F-16. A oferta vinha acompanhada de um argumento adicional: a total compatibilidade com a infraestrutura já existente no país, em contraste com os custos e ajustes necessários para incorporar um sistema chinês totalmente novo.

Para a mídia chinesa, o episódio expôs não apenas a influência americana sobre o Egito, mas também a preocupação de Washington com o avanço industrial chinês no setor de defesa. Pequim já demonstrou sua competitividade com exportações de alto impacto e resultados sólidos em conflitos regionais, e vê no crescente interesse global por suas plataformas aéreas um componente central de sua ascensão estratégica.

Mesmo sem o J-10C, relação sino-egípcia segue ativa

Apesar da interrupção nas tratativas envolvendo o J-10C, a cooperação entre Egito e China não foi paralisada. O Cairo recebeu sistemas de defesa aérea HQ-9B e incorporou o drone WJ-700, este último com capacidade de montagem local, indicando que a convergência militar entre os dois países se mantém viva e flexível.

Ao mesmo tempo, fontes sugerem que o Egito ainda não descartou completamente o J-10C. A contínua degradação da prontidão de combate dos F-16 e o alto custo de alternativas ocidentais fazem com que a aeronave chinesa permaneça no radar, mesmo que de forma discreta.

Uma disputa que está longe de terminar

O impasse sobre o J-10C se insere em uma equação complexa, na qual se misturam necessidades de modernização, pressões externas e cálculos estratégicos que ultrapassam o campo militar. O jogo de influência entre China e Estados Unidos segue intenso, e o Egito, buscando equilibrar autonomia e sobrevivência institucional, tenta evitar movimentos que possam comprometer sua posição geopolítica ou sua capacidade operacional imediata.

O que se observa, portanto, não é o fim de uma negociação, mas um novo capítulo na disputa por espaço no mercado global de defesa, e por extensão, por influência no Oriente Médio. A competição permanece aberta, e o desfecho pode depender menos das capacidades técnicas das aeronaves e mais da habilidade do Cairo em navegar entre pressões e oportunidades.


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Canadá reavalia programa F-35 e abre espaço para discussão sobre possível adoção do Gripen E/F

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O debate sobre o futuro da aviação de combate do Canadá voltou ao centro da agenda nacional após uma série de manifestações de ex-oficiais da Força Aérea, que defendem a manutenção integral do programa F-35A e alertam para os riscos de uma possível mudança de rota. A discussão foi reacendida em meio ao estreitamento das relações diplomáticas entre Ottawa e Estocolmo, intensificado pela recente visita do chefe de estado sueco.

O governo canadense, que havia selecionado oficialmente o F-35A como substituto dos veteranos Boeing F/A-18 Hornet da Real Força Aérea Canadense (RCAF), comprometeu-se originalmente com a aquisição de 88 aeronaves. Recursos já foram destinados à produção inicial de 16 aeronaves na fábrica da Lockheed Martin em Fort Worth no Texas. No entanto, a continuidade do programa ficou sob escrutínio após o primeiro-ministro Mark Carney determinar uma revisão completa do programa.

O pano de fundo político agrega complexidade: o esfriamento das relações entre Canadá e o atual governo norte-americano abriu espaço para discussões sobre alternativas industriais e estratégicas, e é neste contexto que o Gripen E/F da sueca Saab ressurge como potencial opção.

Ex-oficiais pressionam por manutenção da aquisição do F-35

Segundo a Radio-Canada, um grupo de ex-oficiais e ex-funcionários do setor de defesa enviou uma carta ao primeiro-ministro e a outros decisores em Ottawa. O documento, embora não tenha sido divulgado, teria sido assinado por figuras de peso, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Tom Lawson.

Embora Lawson não confirme publicamente sua assinatura, ele reforçou à imprensa que considera o F-35 uma plataforma “substancialmente superior” ao Gripen, ressaltando que manter duas frotas diferentes com cadeias logísticas e infraestruturas distintas, seria “praticamente inútil” em um cenário de conflito.

A posição dos ex-oficiais é clara: mudar de rota agora significaria aumentar custos, complicar operações conjuntas e diminuir a interoperabilidade com aliados centrais, especialmente dentro da OTAN.

A ofensiva diplomática sueca e a promessa industrial

A visita de autoridades suecas ao Canadá, incluindo o Ministro da Defesa Pal Jonson e a vice-primeira-ministra Ebba Busch, elevou o debate sobre possíveis cooperações industriais. Durante o encontro, a Saab reforçou seu argumento central: a oferta de montar uma linha de montagem do Gripen em território canadense, proposta vista como uma oportunidade para impulsionar a economia local.

A ministra da Indústria, Melanie Joly, afirmou que o atual acordo do F-35 não entregou o volume de empregos e benefícios industriais esperados pelo governo. Segundo ela, Ottawa está “muito interessada no que pode ser feito” com a opção sueca, embora ressalte que é necessário compreender melhor o escopo das vantagens.

Especialistas no país destacam que a modernização da frota não será analisada apenas sob o prisma militar. O professor Philippe Lagassé, referência em política de defesa, afirma que os benefícios industriais terão papel determinante na definição da estratégia canadense, especialmente diante da busca por maior autonomia econômica e fortalecimento de parcerias bilaterais.

A equação estratégica: desempenho, alianças e soberania

Enquanto o F-35 representa o patamar mais avançado da aviação de combate ocidental, com capacidade furtiva, sensores integrados e elevado nível de interoperabilidade, o Gripen E/F é visto como uma alternativa de menor custo operacional e maior retorno industrial, especialmente quando envolve transferência tecnológica e produção local.

Para o Canadá, a escolha transcende o fator técnico. Trata-se de definir prioridades estratégicas: reforçar a integração plena com os EUA por meio do F-35 ou buscar uma opção que aumente a soberania industrial e diversifique suas alianças, ainda que isso implique operar uma plataforma menos avançada do ponto de vista tecnológico.

Análise

O debate canadense representa um dilema que muitos países enfrentam: equilibrar soberania industrial com capacidade militar de ponta. Embora o Gripen E/F ofereça vantagens claras em custo operacional e potencial de desenvolvimento conjunto, o F-35 permanece como o vetor dominante nas estruturas de defesa ocidentais, especialmente no eixo Estados Unidos–OTAN.

A decisão final do Canadá não será apenas sobre qual caça voa mais longe ou vê primeiro, mas sobre que tipo de país Ottawa quer ser nas próximas décadas. A discussão revela uma tendência crescente: nações buscam reduzir dependências externas, fortalecer sua base industrial de defesa e ampliar o leque de parcerias estratégicas, mesmo que isso desafie escolhas previamente consolidadas.

Nesse cenário, o movimento canadense não deve ser interpretado como ruptura, mas como ajuste fino de prioridades. O mundo caminha para um ambiente mais multipolar, no qual capacidade militar, autonomia tecnológica e política industrial se tornam indissociáveis, e o Canadá, assim como tantas outras nações, está apenas reposicionando suas peças nesse novo tabuleiro.


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domingo, 23 de novembro de 2025

Ataque israelense mata principal comandante militar do Hezbollah

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Israel realizou neste domingo (23) um ataque aéreo em Haret Hreik, subúrbio ao sul de Beirute e reduto histórico do Hezbollah, matando Ali Tabtabai, chefe de gabinete interino da organização. A ação marca a mais significativa incursão aérea israelense na capital libanesa em meses e ocorre apesar do cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos há um ano.

O exército israelense confirmou a operação e descreveu Tabtabai como um dos mais importantes quadros militares do Hezbollah, responsável por coordenar a maior parte das unidades de combate do grupo e por conduzir esforços de recomposição de capacidades após a guerra de 2023–2024. Washington havia imposto sanções ao comandante em 2016 e oferecia recompensa de até US$ 5 milhões por informações que levassem à sua captura.

O Hezbollah reconheceu a morte, classificando Tabtabai como “grande comandante jihadista” que teria permanecido ativo “até o último momento de sua vida”. A liderança, entretanto, não antecipou que tipo de resposta militar o movimento pode adotar. Mahmoud Qmati, dirigente do partido-milícia, afirmou no local do ataque que Israel “cruzou uma linha vermelha”, sinalizando que a decisão sobre represálias será tomada pelo alto comando.

O Ministério da Saúde do Líbano informou que o ataque deixou cinco mortos e 28 feridos. O míssil atingiu um edifício residencial de vários andares, lançando destroços sobre veículos na rua principal. Moradores correram para fora de suas casas temendo novos bombardeios, segundo testemunhas no local.

A ação ocorre em um momento de elevada sensibilidade política. O presidente libanês, Joseph Aoun, pediu que a comunidade internacional intervenha para conter as incursões israelenses, que se intensificaram nas últimas semanas apesar do acordo de 2024. A escalada também antecede a chegada do Papa Leão XIII ao país, sua primeira viagem internacional, um evento que muitos libaneses esperavam simbolizar um possível alívio após anos de instabilidade.

O cessar-fogo estabelecido em novembro de 2024 tinha como objetivo encerrar um ciclo de um ano de confrontos, iniciado quando o Hezbollah lançou foguetes contra posições israelenses um dia após o ataque de 7 de outubro de 2023, cometido pelo Hamas. Desde então, Israel tem mantido ataques recorrentes em território libanês, alegando ter como alvo depósitos de armas, centros de comando e unidades em reconstrução do Hezbollah. O grupo, por sua vez, sustenta que não disparou contra Israel desde a assinatura do acordo.

As tensões diplomáticas também ganharam novo tom. Questionada sobre uma possível notificação prévia a Washington antes do bombardeio, a porta-voz do governo israelense, Shosh Bedrosian, afirmou apenas que “Israel toma decisões de forma independente”. Durante a guerra anterior, Israel eliminou grande parte da cúpula militar do Hezbollah, incluindo o então líder Hassan Nasrallah, uma operação que redesenhou profundamente a dinâmica interna do grupo.

Líbano e Israel seguem trocando acusações mútuas de violação do cessar-fogo. Beirute afirma que ataques contínuos e a ocupação de cinco posições no sul do país representam violações graves do acordo. Israel, por sua vez, acusa o Hezbollah de tentar se reagrupar e pressiona o governo libanês a desarmar o movimento, exigência antiga que se tornou ainda mais central após a última guerra.

Com a morte de Tabtabai, a estabilidade frágil construída desde o cessar-fogo volta a ser colocada à prova. Analistas avaliam que a reação do Hezbollah nos próximos dias definirá se o episódio será absorvido politicamente ou se poderá desencadear uma nova rodada de confrontos regionais.


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com Reuters

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Sistemas Autônomos no Atlântico Sul: Viabilidade e Oportunidade Estratégica para Transformar o NAM Atlântico no Vetor Porta-Drones da Marinha do Brasil

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O cenário naval global evolui em velocidade acelerada. Plataformas autônomas deixaram de ser experimentais e consolidaram-se como multiplicadores de força essenciais. As principais marinhas do mundo convergem para o mesmo entendimento: o futuro do combate naval, da vigilância marítima e da projeção expedicionária será fortemente determinado pela capacidade de integrar vetores não tripulados em larga escala.

Essa transição não é apenas tecnológica, é doutrinária. Envolve novas formas de pensar presença, dissuasão e superioridade marítima. Países que lideram essa transformação percebem que meios autônomos ampliam capacidades estratégicas com custos controlados e riscos humanos drasticamente reduzidos.

A Türkiye é hoje exemplo emblemático dessa ruptura. O TCG Anadolu, originalmente concebido como navio de assalto anfíbio, tornou-se plataforma pioneira ao integrar sistemas não tripulados UAVs e UCAVs, entre eles o Kızılelma, cuja demonstração de superioridade aérea simulada contra um F-16 redefiniu o papel da aviação embarcada autônoma. Portugal avança com o navio multifuncional João II, totalmente preparado para operar UUVs, USVs e UAVs. A Coreia do Sul abandona a ideia de um porta-aviões tradicional para abraçar o conceito de porta-drones. A China testa embarcações com catapultas eletromagnéticas dedicadas a UCAVs.

A convergência é inequívoca: a próxima geração de navios combinará meios tripulados e autônomos, em alguns casos, será inteiramente dedicada aos autônomos.

Oportunidade para o Brasil: o que o mundo está fazendo já está alinhado com nossas necessidades

O Brasil possui uma das maiores Zonas Econômicas Exclusivas do planeta, uma área de interesse marítimo superior a 5,7 milhões de km², vulnerável a pesca predatória em escala industrial, crimes transnacionais, exploração irregular de recursos e crescente interesse geopolítico de atores extrarregionais.

Para cobrir, monitorar e proteger essa imensidão, a Marinha do Brasil necessita de meios de longo alcance, grande autonomia, baixo custo de operação e rápida projeção. Nesse contexto sistemas não tripulados, como UAVs, UCAVs, USVs e UUVs não são “complementos”, são necessidades estruturantes.

E, dentro dessa realidade, surge o ponto fundamental: O NAM Atlântico é a plataforma ideal para que o Brasil ingresse de forma imediata e viável na era das operações navais autônomas.

Por que o NAM Atlântico? Uma análise de viabilidade completa

A discussão sobre transformar o NAM Atlântico em um vetor capaz de operar sistemas não tripulados não é uma ideia futurista ou teórica. Trata-se de avaliar, com pragmatismo o que já existe, o que é possível adaptar e quais retornos essa evolução pode trazer para a Marinha do Brasil. O Atlântico foi concebido como um navio de grande flexibilidade operacional, projetado para acomodar helicópteros de diferentes portes, tropas e módulos diversos. Essa versatilidade o coloca em posição privilegiada para absorver, com baixo custo e alto impacto, a doutrina emergente de operações navais autônomas.

Ao observar as adaptações realizadas em navios de outras marinhas, como feito pela Türkiye, Portugal e pela Coreia do Sul, torna-se evidente que a transição para um navio multimissão, voltado ao emprego intensivo de sistemas não tripulados, depende mais de integração do que de reconstrução. O NAM Atlântico atende exatamente a esse perfil: já é uma plataforma robusta, madura, com volume interno suficiente e capacidade de convés adequada para se tornar um multiplicador de força no Atlântico Sul. A seguir, uma análise detalhada que explica por que essa transformação é não apenas possível, mas viável e vantajosa.

- Estrutura existente favorável: O Atlântico conta com um convoo generoso, um hangar amplo e compartimentos internos que permitem arranjos modulares. Essas características reduzem drasticamente os custos de adaptação e eliminam a necessidade de intervenções estruturais profundas. As modificações necessárias são essencialmente incrementais:

  • Instalação de módulos dedicados para manutenção de UAVs e UCAVs
  • Criação de pontos reforçados de lançamento e recuperação
  • Integração de enlaces de dados seguros (SATCOM, LOS e BLOS)
  • Áreas controladas para armazenamento e preparação de USVs compactos e UUVs
  • Atualização incremental do sistema de comando e controle para operar vetores simultâneos

Importante destacar: todas essas adaptações podem ser implementadas sem comprometer os papéis originais do navio, como operações anfíbias, missões humanitárias e apoio logístico. A capacidade porta-drones não substitui suas funções, ela as amplia.

- Baixo custo operacional e alta disponibilidade:  Enquanto helicópteros embarcados possuem custos por hora de voo elevados e exigem manutenção intensiva, os drones oferecem vantagens operacionais e financeiras significativas:

• menor consumo de combustível
• manutenção simplificada e rápida
• menor desgaste estrutural ao longo do tempo
• reposição mais barata em caso de perdas ou danos

Essa equação permite ampliar a presença da Marinha no Atlântico Sul sem ampliar proporcionalmente os custos, garantindo maior vigilância e permanência com orçamento controlado.

- Permanência e alcance superiores:  UAVs podem permanecer no ar por mais de 20 horas, mantendo vigilância contínua sobre áreas críticas. UCAVs armados podem alcançar distâncias muito além do raio de ação dos helicópteros, realizando interdição, apoio aéreo e reconhecimento em profundidade. 

Paralelamente:

• USVs oferecem patrulha autônoma por longos períodos e podem operar em áreas de risco sem exposição humana

• UUVs executam tarefas de guerra antissubmarino, inspeção do leito marinho e coleta de inteligência com eficiência e discrição

Somados, esses sistemas criam um ganho de capacidade difícil de replicar apenas com meios tripulados.

- Modularidade e flexibilidade, doutrina adaptável: O NAM Atlântico poderia ser configurado conforme a missão, adotando composições modulares:

• Pacote de vigilância com UAVs de grande autonomia
• Pacote de interdição com UCAVs armados
• Pacote ASW com UUVs especializados
• Pacote de guerra de minas e patrulha avançada com USVs

Essa modularidade cria um navio capaz de se transformar conforme o contexto estratégico, sem perder sua função central.

- Maturidade industrial e possibilidade de parcerias estratégicas: O Brasil já possui empresas aptas a produzir e integrar UAVs, bem como crescente capacidade para desenvolver USVs e UUVs sob demanda, conforme visto durante o ARAMUSS-2025”, evento pioneiro de tecnologia marítima não tripulada é realizado em Salvador no início deste mês de novembro. Essa maturidade técnica permite avançar em um projeto de adaptação com elevado conteúdo nacional.

Parcerias externas podem acelerar esse processo:

• Com a Türkiye, aproveitando a experiência única na integração de UCAVs embarcados, além de sua indústria de drones avançados e sistemas não tripulados.

• Com Coreia do Sul e Espanha, especialistas em sistemas modulares e navios multipropósito

• Com empresas nacionais para desenvolver soluções específicas para o ambiente amazônico e marítimo brasileiro. Essa agenda impulsiona a Base Industrial de Defesa e amplia a soberania tecnológica do país.

Ganhos imediatos para a Marinha do Brasil

A transformação do NAM Atlântico em um vetor multimissão capaz de operar sistemas não tripulados (UAVs, UCAVs, USVs e UUVs) produziria efeitos diretos e mensuráveis sobre a capacidade naval brasileira. Entre os principais ganhos estratégicos e operacionais, destacam-se:

Elevação significativa da consciência situacional, com sensores distribuídos cobrindo áreas marítimas muito superiores às alcançáveis apenas por meios tripulados;

Presença persistente a custos reduzidos, permitindo manter vigilância contínua em pontos críticos da Amazônia Azul com menor desgaste de pessoal e plataformas;

Projeção de poder ampliada, ao integrar sistemas não tripulados de ataque, esclarecimento e guerra eletrônica que estendem o raio de ação do navio-mãe;

Fortalecimento da capacidade expedicionária, inclusive em operações de paz, apoio humanitário, operações anfíbias e resposta a crises;

Dissuasão mais robusta, sobretudo frente a ameaças assimétricas, ilícitos transnacionais e atores não estatais tecnologicamente capazes;

Desenvolvimento de doutrina própria, alinhada às melhores práticas internacionais, mas adaptada às necessidades marítimas do Brasil e à singularidade de seu teatro de operações;

Estímulo direto à Base Industrial de Defesa, que poderia participar tanto da adaptação do navio quanto do desenvolvimento e integração de sistemas autônomos nacionais;

Aderência ao novo paradigma global, em que navios-mãe com enxames de sistemas não tripulados se tornam centrais na competitividade naval das próximas décadas.

Uma decisão que define uma geração

A adaptação do NAM Atlântico para operar sistemas autônomos não representa um projeto futurista ou experimental, trata-se de uma solução madura, viável e comparativamente econômica, capaz de produzir impacto estratégico imediato.

Com investimentos bem direcionados em convés, controle de missão, integração C4ISR e módulos dedicados a sistemas não tripulados (UAVs, UCAVs, USVs e UUVs), o navio pode assumir função equivalente aos drone carriers em desenvolvimento e adotados por forças navais de referência, como a Royal Navy, a US Navy, a China e a própria Türkiye.

Ao optar pela integração de meios autônomos ao seu principal navio capitânia, a Marinha do Brasil se posiciona para assumir protagonismo real no Atlântico Sul, ampliar drasticamente seu alcance operacional, reduzindo custos de presença e projeção, além de iniciar um ciclo tecnológico capaz de reposicionar o País no ranking global de poder marítimo.

O NAM Atlântico pode e tem condições de tornar-se o marco inaugural de uma nova era para o Poder Naval brasileiro: uma era em que meios tripulados e autônomos operam em plena sinergia, expandindo a capacidade dissuasória, projetando soberania sobre a Amazônia Azul e garantindo ao Brasil uma relevância marítima compatível com seu tamanho e vocação estratégica.

por Angelo Nicolaci


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EUA ampliam aquisição do MH-47G Block II "Night Stalker" e estendem produção até 2030

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O Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos (USSOCOM) deu mais um passo para reforçar sua capacidade de infiltração, extração e operações de longo alcance ao solicitar à Boeing um novo lote de helicópteros MH-47G Block II, com um contrato avaliado em US$ 877 milhões. O pedido garante a continuidade da linha de produção até o final de 2030, mantendo o programa como pilar central das aeronaves de asas rotativas dedicadas às forças especiais norte-americanas.

Segundo informações divulgadas, a nova encomenda busca atender às demandas operacionais do comando, que exige plataformas de alta confiabilidade, elevada capacidade de carga e desempenho superior em ambientes hostis, especialmente em operações noturnas e missões de infiltração profunda.

Evolução do programa e modernização contínua

O desenvolvimento do MH-47G Block II é resultado de um processo gradual de atualizações. A fase atual remonta ao contrato de fornecimento assinado em julho de 2018, quando foi estabelecido um acordo de valor indefinido que totalizou US$ 26,9 milhões apenas para a produção inicial. Um contrato subsequente, estimado em US$ 194 milhões, definiu as primeiras entregas, concluídas em setembro de 2020 com a chegada do primeiro MH-47G Block II ao Comando de Forças Especiais.

A projeção internacional do modelo também se fortaleceu. Em 2021, o Departamento de Estado autorizou a venda de 14 unidades do Chinook Block II ao Reino Unido, em um negócio avaliado em US$ 578 milhões. Internamente, o Exército norte-americano adicionou dois CH-47F Block II à sua frota em outubro de 2022. No mesmo ritmo de expansão, o Comando de Operações Especiais da Força Aérea assinou, em dezembro de 2023, um contrato de US$ 271 milhões para seis novos MH-47G Block II.

A ampliação das encomendas continuou em março de 2025, quando a USASOAC formalizou um acordo adicional de US$ 240 milhões para a produção de mais cinco aeronaves, com entregas previstas para iniciar em 2027. Com isso, o total de helicópteros MH-47G Block II contratados chega a 51 unidades, com toda a frota programada para estar em operação no início da próxima década.

Capacidades e perfil operacional

Reconhecido como "Night Stalker", o MH-47G Block II é projetado especificamente para atender às exigências das unidades de operações especiais. Equipado com dois motores turboeixo Honeywell T55-GA-714A, cada um capaz de produzir 3.529 kW, o helicóptero oferece desempenho robusto em condições extremas, característica essencial para missões em alta altitude, clima adverso ou operações prolongadas.

Para reduzir a assinatura térmica durante missões noturnas e voos a baixa altitude, o modelo incorpora supressores de exaustão IES-47, recurso que aumenta significativamente sua capacidade de sobrevivência em ambientes contestados. Sua velocidade varia entre 259 e 315 km/h, dependendo da configuração de missão.

O cockpit digital é equipado com cinco telas multifuncionais compatíveis com óculos de visão noturna e duas telas dedicadas ao controle de sistemas. Toda a suíte aviônica é conectada por meio do Sistema de Arquitetura de Aviônica Comum (CAAS), que permite maior integração, redundância e consciência situacional para a tripulação.

Um vetor estratégico para missões críticas

Com o novo contrato, os Estados Unidos reforçam a continuidade de um dos mais importantes programas de asas rotativas para operações especiais. O MH-47G Block II não apenas expande a capacidade operacional das unidades de elite norte-americanas, como garante o fluxo industrial e tecnológico necessário para manter a superioridade em cenários de combate complexos, onde flexibilidade, discrição e confiabilidade são essenciais.

A extensão da produção até 2030 demonstra que, apesar do avanço de tecnologias autônomas e plataformas emergentes, helicópteros pesados dedicados às operações especiais seguem desempenhando um papel fundamental no espectro de operações modernas, sobretudo quando combinam robustez mecânica, aviônica avançada e capacidade de adaptação para múltiplos perfis de missão.


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Abate simulado de F-16 pelo KIZILELMA consolida liderança tecnológica da Türkiye

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A Türkiye deu um passo importante na consolidação de sua posição entre os protagonistas da nova geração de sistemas de combate aéreo com o mais recente teste do Bayraktar KIZILELMA, seu veículo aéreo de combate não tripulado de alta performance. Realizando um voo a partir de Çorlu, Tekirdağ, o KIZILELMA operou em formação com caças F-16 para validar a integração do radar AESA MURAD, desenvolvido integralmente pela indústria turca, e do míssil ar-ar de longo alcance GÖKDOĞAN, igualmente desenvolvido na Türkiye.

Durante o ensaio, foi realizado um ataque simulado contra um F-16 em ambiente virtual. O sistema identificou, classificou e engajou o alvo com precisão, demonstrando que sensores, algoritmos de controle, fusão de dados e armamento estão operando com estabilidade e maturidade. Este nível de integração é um indicador claro do avanço turco em áreas estratégicas da guerra aérea contemporânea e reforça a crescente competência da Türkiye em consolidar tecnologias sensíveis dentro de sua própria cadeia industrial.

A plataforma foi projetada para atuar em cenários de alta complexidade, executando desde missões ar-ar até ataque de precisão, supressão de defesas inimigas e operações colaborativas com aeronaves tripuladas. Seu sistema de missão permite operar em rede, integrando informações em tempo real e reduzindo drasticamente o tempo entre detecção, decisão e engajamento. Trata-se de um conceito que se torna, cada vez mais, o eixo central da aviação de combate de próxima geração.

O desenvolvimento do KIZILELMA é sustentado por um ecossistema robusto criado pela Türkiye, evidenciado pelo sucesso internacional de plataformas como os drones TB2, TB3 e Akıncı. Esses programas consolidaram experiência industrial, ampliaram a base tecnológica do país e criaram uma cultura de inovação que deu confiança ao avanço para projetos mais complexos e ousados. O resultado é uma indústria capaz de entregar soluções de alto desempenho de forma ágil, competitiva e baseada em autonomia tecnológica.

No campo industrial, o projeto abre novas frentes de cooperação internacional. A Baykar mantém iniciativas com empresas como a Leonardo, criando possibilidades para versões voltadas ao mercado global e potencial integração em programas multinacionais. Essa flexibilidade evidencia a capacidade da Türkiye de operar não apenas como fabricante, mas como parceira estratégica em grandes projetos de defesa.

Opinião do GBN Defense 

Os avanços representados pelo KIZILELMA trazem lições valiosas para países que buscam autonomia tecnológica, como o Brasil. A Türkiye demonstra que continuidade, planejamento de longo prazo e priorização de uma base industrial sólida transformam ambições em resultados concretos. Ao manter investimentos consistentes, incentivar a inovação interna e proteger programas estratégicos de interrupções políticas, os turcos conquistaram protagonismo em nichos antes restritos a potências tradicionais.

Para o Brasil, isso abre uma janela de oportunidades. A Türkiye já se apresenta como um parceiro natural em áreas como aeronaves não tripuladas, inteligência artificial aplicada ao combate, sistemas de sensores, mísseis e integração de plataformas. Cooperações tecnológicas, projetos conjuntos e até desenvolvimento de sistemas complementares poderiam fortalecer ambas as bases industriais e ampliar a competitividade no mercado internacional.

Existe espaço real para sinergia: a Türkiye domina tecnologias que o Brasil ainda busca desenvolver ou consolidar, enquanto o Brasil possui expertise e tradição em programas aeronáuticos de grande porte, tendo a Embraer como referência mundial. Uma aproximação estratégica poderia gerar benefícios bilaterais, permitindo dividir riscos, compartilhar conhecimento e ampliar capacidades em sistemas de alto valor agregado.

O exemplo turco é claro: quando um país decide tratar defesa como política de Estado, investindo com foco, disciplina e visão, os resultados aparecem e impactam diretamente sua posição geopolítica. O Brasil tem capacidade, massa crítica e indústria para seguir caminho semelhante. Cabe transformar essa potencialidade em estratégia real, e parcerias com a Türkiye podem ser um importante catalisador nesse processo.


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sábado, 22 de novembro de 2025

OS 60 ANOS DO DESTACAMENTO BRASILEIRO DA FORÇA ARMADA INTERAMERICANA - FAIBRÁS

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No mês de abril de 1965, a grave crise político-social na República Dominicana, assolada por uma série de golpes, assassinatos e tentativas de revolução, resultou na deposição do presidente, na formação de uma junta militar e no estabelecimento de um governo paralelo, principiando uma guerra civil generalizada. Era o contexto da Guerra Fria e todo conflito local gerava profunda rivalidade ideológica e extremismos, atraindo, em todas as partes do globo, a atenção das potências dominantes, que, por sua vez, intervinham segundo os seus interesses econômicos e geopolíticos, em variados graus de intensidade e repercussões.

Tendo o chefe da junta militar da República Dominicana solicitado auxílio aos Estados Unidos da América para garantir a vida e a propriedade da população de seu país, ameaçada pela ação de guerrilhas comunistas patrocinadas por soviéticos, chineses e cubanos, a Organização dos Estados Americanos (OEA), criada há menos de duas décadas e destinada à defesa, integração e cooperação entre os países do continente, resolveu atuar de maneira direta e decisiva. Assim, com amparo no Tratado de Assistência Recíproca, firmado pelos países americanos na convenção do Rio de Janeiro, em 1947, foi criada, no dia 23 de maio de 1965, a Força Interamericana de Paz da OEA (FIP/OEA). Composta por tropas de diversos países do continente e sob um comando único, tinha por finalidade de atuar na República Dominicana e restaurar sua normalidade democrática, proporcionando um ambiente seguro e estável de paz e plena defesa dos direitos humanos.

Para alcançar este estado final desejado, a FIP foi organizada com um Estado-Maior, uma Força Norte-Americana e uma Brigada Latino-Americana, esta última composta majoritariamente por tropas brasileiras, contando, além disso, com pequenos efetivos de Honduras, do Paraguai, da Nicarágua e da Costa Rica. Tanto o comando geral da FIP, quanto o comando das forças latino-americanas, ficaram a cargo de dois generais e de um coronel brasileiros, todos veteranos da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Com larga experiência profissional, estes oficiais do Exército haviam sido testados exitosamente nos combates em solo italiano, liderando os pracinhas brasileiros em diferentes situações, ombro a ombro com os Aliados na Segunda Guerra Mundial, lutando e vencendo o inimigo nazifascista no Teatro de Operações do Mediterrâneo, em prol da liberdade e da democracia.

Nesse contexto, se sucederam no comando da FIP os Generais de Exército Hugo Panasco Alvim e Álvaro Alves da Silva Braga. No ano em que se comemoram oito décadas das vitórias brasileiras no Velho Continente, é relevante destacar que, dentro da estrutura da FEB, estes dois generais atuaram, respectivamente, como o Comandante do I Grupo do 1º Regimento de Artilharia Pesada Curta, atual 11º Grupo de Artilharia de Campanha (Grupo Montese), e como o Chefe da 3ª Seção (Operações) do Estado-Maior da Infantaria Divisionária. Antes da FIP, o General Panasco Alvim já havia comandado a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), estabelecimentos de ensino bastante tradicionais, de importância estratégica para a Instituição e com projeção a nível nacional e internacional. Após a FIP, ressalta-se, igualmente, que o General Braga foi Ministro do Superior Tribunal Militar.

O núcleo da tropa brasileira, batizado formalmente de Destacamento Brasileiro da Força Armada Interamericana (Decreto nº 56.308, de 21 de maio de 1965), ficou imortalizado pela sigla FAIBRÁS e teve como unidade base o I Batalhão do Regimento Escola de Infantaria (REI), atual 57° Batalhão de Infantaria Motorizado Escola. Seu efetivo, integrado também por um grupamento de fuzileiros navais, representou um total de 1.200 militares, substituídos a cada seis meses de operações, em três rotações de tropa.

O grande nome da FAIBRÁS foi, certamente, o então Coronel Carlos de Meira Mattos, Comandante desse Destacamento e, cumulativamente, da Brigada Latino-Americana. Na FEB, vale lembrar que o então Capitão Meira Mattos foi oficial de Estado-Maior da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária e, depois, Comandante da 2ª Companhia do 1º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria, tomando parte do quarto ataque ao Monte Castelo, cuja conquista talvez reflita a mais emblemática vitória dos brasileiros na Itália. Após a FAIBRÁS, o General de Divisão Meira Mattos deu continuidade à sua já notável carreira, comandando a AMAN e exercendo os cargos de Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e de Vice-Diretor do Colégio Interamericano de Defesa. Consagrado historiador militar e geopolítico, publicou diversos e importantes livros e artigos, que se tornaram leitura obrigatória para os estudiosos do tema e interessados no assunto. Atuou de forma marcante como membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, inspirando gerações de renomados alunos civis e militares, brasileiros e estrangeiros. Atualmente, empresta seu prestigiado nome à estrutura acadêmica de excelência existente na ECEME, o Instituto Meira Mattos (IMM).

Em setembro de 1965, passados somente quatro meses do emprego da FIP em território dominicano, foi empossado um novo governo de transição e aceito um armistício entre os grupos em conflito. Em junho de 1966, foram realizadas as eleições gerais no país e, após um total de dezesseis meses de atuação, a FIP deixou a República Dominicana, em setembro de 1966. A FAIBRÁS foi formalmente extinta logo na sequência, no Rio de Janeiro, dia 30 do mesmo mês, em uma marcante e simbólica cerimônia no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. Cabe salientar que a FIP foi a única missão de paz com tropas operada pela OEA até os dias de hoje. Entre 1965 e 1966, divididos em três contingentes, o Brasil enviou quase quatro mil soldados das três Forças Armadas ao país amigo, o que incluiu dezenas de militares especialistas em logística e em diversas áreas da administração.

O efetivo brasileiro, portanto, representou uma considerável parte do total da tropa empregada na República Dominicana. Como marca de sacrifício, a FAIBRÁS deixou um saldo de quatro mortos, oito feridos com gravidade, além de vários veteranos com marcas irreversíveis físicas e emocionais, testemunhas presentes de uma guerra jamais esquecida. Faz-se oportuno lembrar que, congregando esses homens na manutenção da memória e na solidariedade mútua, existe atualmente a Associação dos Veteranos da FAIBRÁS, cujo presidente é o Sr. Jorge Alves da Conceição.

Hoje, 60 anos depois, é com um misto de justiça, honra, orgulho e satisfação que cada cidadão brasileiro, de pele verde-oliva ou não, deve render elevado preito de respeito e gratidão aos soldados brasileiros que combateram na República Dominicana, com comprometimento, efetividade e abnegação, superando dificuldades, derrotando o oponente em terras caribenhas e enaltecendo o nome do Exército, das Forças Armadas e do Brasil.


AUTORES:

GENERAL DE BRIGADA ANDRÉ LUIZ DE SOUZA DIAS - Formado em 1996, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), é oriundo da Arma Infantaria. Atualmente, comanda a 6° Brigada de Infantaria Blindada, com sede em Santa Maria-RS. Nessa mesma Brigada, foi o Comandante da Companhia de Comando, em 2010-11, e do 29º Batalhão de Infantaria Blindado, no biênio 2019-20. Além do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro, realizou o Curso de Estado-Maior das Forças Armadas da Espanha e o de Altos Estudos Nacionais da Bolívia. Possui os Mestrados Acadêmicos em Operações Militares e em Ciências Militares, ambos no Brasil, em Política de Defesa e Segurança Internacional, na Espanha, e em Segurança, Defesa e Desenvolvimento, na Bolívia. É membro da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (ANVFEB) e do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).

DANIEL MATA ROQUE - Cineasta e Historiador. Doutor em Ciências, em estágio pós-doutoral na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa e professor do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias do Exército Brasileiro. Diretor da Pátria Filmes e do Festival Militum. Associado Titular do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - Seção Rio de Janeiro, exercendo cargos de diretoria nas duas instituições. Desde o ano de 2018 ocupa a 2ª Vice-Presidência da Direção Central da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira. É membro do Corpo de Pesquisadores Associados do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército.


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13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi - Uma Reflexão Sobre Guerra, Poder e Consequências

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Algumas histórias não pedem apenas para ser contadas, elas exigem ser compreendidas, e o filme "13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi" é uma dessas narrativas. Não por causa do espetáculo visual, nem pela ação, mas porque ele revela algo que muitas vezes passa despercebido, o momento exato em que a política externa encontra a realidade crua do mundo e falha.

A obra do diretor Michael Bay, surpreendentemente contida, honesta e visceral, pega o espectador e o coloca no terreno onde decisões distantes se tornam tragédias imediatas. Ali no cenário de 11 de setembro de 2012, no coração de uma Líbia já tomada por disputas internas, milícias rivais e um Estado em colapso após a derrubada de Kadhafi, seis homens enfrentam o que nenhum plano estratégico conseguiu prever, a completa ausência de ordem.

O ataque não começa com explosões, começa antes, com algo muito mais comum em zonas cinzentas: movimento demais onde não deveria haver. Grupos armados surgindo e desaparecendo nas esquinas, veículos desacelerando perto do complexo diplomático, celulares filmando a entrada, olhares que duram um pouco mais do que o normal.

No filme, isso aparece de forma quase sutil, homens observando o posto, rondando, testando reações. É o tipo de comportamento que operadores experientes reconhecem de imediato: coleta de informações, sondagem, preparação. O tipo de alerta que raramente chega até quem toma decisões longe dali.

Pouco depois das 21h40 de 11 de setembro de 2012, no complexo diplomático dos EUA em Benghazi, um grupo armado começa a surgir entre vielas mal iluminadas e avança contra as instalações.

Em minutos, a situação deixa de ser tensão e vira colapso, enquanto o posto diplomático é rapidamente invadido por uma milícia hostil que ninguém em Washington queria admitir como ameaçadora, transformando o local um verdadeiro campo de batalha. Lá dentro, poucos homens tentam ganhar tempo, mas o caos avança mais rápido do que qualquer pedido de ajuda.

A pouco mais de um quilômetro dali, na Estação da CIA, o Anexo, um prédio sem placa e oficialmente inexistente, uma equipe da GRS (Global Response Staff) recebe as primeiras informações fragmentadas sobre o ataque. Eles não eram uma força de assalto e não estavam ali para combater uma insurgência. Eram apenas seis operadores encarregados de proteger os oficiais de inteligência que atuavam na Líbia a partir do Anexo. 

Eram eles: Tyrone “Rone” WoodsKris “Tanto” ParontoMark “Oz” GeistJohn “Tig” TiegenDave “Boon” Benton e Jack Silva. Mais tarde naquela noite, Glen “Bub” Doherty, vindo de Tripoli em um voo improvisado com uma pequena equipe se juntaria a eles.

Quando o rádio chia com pedido de apoio feito pelo complexo diplomático, eles não hesitaram, se equiparam e se apresentaram para responder a ameaça. A hesitação, porém, veio de outro lugar, da própria Estação, onde superiores tentam ganhar tempo, avaliar, esperar “autorização”.


A espera que custou vidas e ainda hoje provoca revolta em quem estudou o caso. Mas para homens como Rone, Tig, Tanto, Oz, Jack e Boon, não havia cálculo burocrático. A única lógica possível era a do instinto e da responsabilidade. Quando resolvem desobedecer as ordens e deixam o Anexo em direção ao complexo diplomático, fazem isso sabendo que já chegariam tarde demais, mas ainda assim seguiram em socorro.

Mais tarde, quando recuam para o Anexo e se preparam para defender um prédio que nunca foi projetado para resistir a um cerco, Benghazi parece pender sobre eles. E é nesse ponto, no topo do prédio, entre tiros vindos de um abatedouro de ovelhas e edifícios que eles nunca tiveram tempo de mapear, que Rone, ex-SEAL, veterano, alguém que já viu outras noites caóticas como aquela, verbaliza o que poucos conseguem dizer naquele tipo de escuridão, repetindo uma frase que não nasceu ali, uma frase que Boon havia lido para ele mais cedo, ainda durante o dia, num daqueles raros momentos de tranquilidade que existem antes de tudo desabar. E ali, diante do caos absoluto, Rone a transforma quase em constatação, quase em despedida: “Todos os deuses, todos os céus e todos os infernos estão dentro de você.”


Não é uma frase para enfeitar diálogo, era uma reflexão, a guerra não estava apenas nos portões do Anexo, ela estava dentro de cada um deles, enquanto seguravam suas posições, cobriam avanços, socorriam colegas feridos e tentavam organizar uma defesa improvisada contra um inimigo que não dava trégua, apenas direção de tiro.

Ali, diante da omissão política e da ausência de qualquer resposta institucional coerente, o que se impõe não é a estratégia, nem a doutrina, nem o discurso diplomático. O que sobra é o indivíduo e o preço que ele paga quando precisa fazer o que ninguém mais fará.

O Fim de Kadhafi e o Início do Vazio: Uma História que Começa Antes do Filme

Para compreender Benghazi, é preciso escapar da ilusão confortável de que aquele ataque foi um evento isolado. Ele não surgiu no vácuo, não foi surpresa e, definitivamente, não foi inevitável.

Se existe algo incontornável na análise de conflitos é que toda explosão tem um pavio, e o pavio de 11 de setembro de 2012 começou a ser aceso em 2011, quando Muammar Kadhafi caiu e com ele caiu o frágil equilíbrio de forças que mantinha a Líbia unida por coerção, conveniência e medo.

A intervenção da OTAN partiu de uma premissa que se repete ciclicamente em crises internacionais: a crença de que é possível desarticular um regime autoritário cirurgicamente, com precisão técnica, impacto político mínimo e benefícios imediatos.

A narrativa pública falava em proteger civis, a prática no terreno evoluiu para o que sempre foi: uma operação de mudança de regime sem planejamento para o pós-regime, como ocorreu no Iraque.

E esse é o ponto que separa análises superficiais de análises sérias, não basta remover um ditador, é preciso entender a função estrutural que ele exercia dentro daquele ecossistema político. A leitura ocidental do conflito foi construída sobre quatro ilusões estratégicas:

  • Que a queda de Kadhafi seria rápida.

  • Que a recomposição política seria espontânea.

  • Que atores tribais e milícias se submeteriam voluntariamente à ideia de “Estado moderno”.

  • Que o vácuo de poder permaneceria estável até a chegada de um governo legítimo.

Só que a Líbia não é um país homogêneo, é um mosaico de tribos, senhores da guerra, redes de lealdade pessoal e estruturas de poder paralelas, muitas vezes mais antigas e mais resilientes que qualquer instituição formal.

Kadhafi, com sua mistura de autoritarismo, pragmatismo brutal e alianças informais, era o único vértice capaz de manter esse sistema funcionando minimamente. Ao removê-lo sem construir substitutos legítimos ou mecanismos de contenção, o Ocidente desencadeou exatamente aquilo que especialistas em segurança conhecem como colapso do centro de gravidade político. Quando ele caiu, não caiu apenas um ditador, caiu o amortecedor entre milícias rivais, caiu a contenção sobre jihadistas libertados de prisões, caiu a autoridade sobre arsenais gigantescos que foram rapidamente saqueados, caiu a linha entre Estado e caos.

O resultado não foi democracia, foi anarquia funcionalizada. E o vácuo geoestratégico que se abre diante de um país com fronteiras porosas, armas em abundância e milícias com agendas próprias não é mero detalhe, é um convite aberto para a expansão de grupos extremistas, redes criminosas e facções paramilitares.

Esse é o terreno em que o ataque de Benghazi germina, esse é o cenário que o filme “13 Horas” só consegue sugerir nos diálogos rápidos, mas que precisa ser explicitado para que se entenda a real falha: não foi uma falha tática na noite do ataque, foi uma falha estratégica no ano anterior.

A narrativa honesta sobre Benghazi começa aqui, neste ponto ignorado por discursos políticos e por análises apressadas, a Líbia de 2012 não era mais um Estado. Era um campo de forças sem centro. e todo campo sem centro colapsa para o conflito. E foi nesse ambiente, nesse caos, que operadores do GRS tiveram que atuar, tentando manter um mínimo de ordem em um lugar onde ordem era apenas um conceito abstrato.

A Líbia Fragmentada: O Laboratório do Caos Moderno

Após 2011, a Líbia deixou de ser um Estado funcional e tornou-se um ecossistema de forças concorrentes, um laboratório vivo do que acontece quando o centro político de um país implode sem que nada seja colocado no lugar.

O colapso do regime abriu espaço para uma multiplicidade de atores armados que, em poucos meses, preencheram o vácuo com suas próprias regras, leis e fronteiras.

O país fragmentou-se em camadas:

  • milícias tribais ressurgidas, retomando antigas disputas e territórios;

  • grupos jihadistas que agora tinham acesso a arsenais inteiros deixados para trás pelo regime;

  • redes criminosas transnacionais, controlando rotas de tráfico, escravidão moderna e contrabando;

  • intervenção indireta de potências estrangeiras, cada uma patrocinando sua milícia preferida;

  • facções locais que antes viviam escondidas e agora governavam cidades inteiras, sem prestar contas a ninguém.

A ausência do Estado não gerou apenas desordem: gerou um Estado paralelo, com economia própria, polícia própria e regras determinadas pela força das armas.

Os arsenais de Kadhafi, que incluíam desde rifles e MANPADS até armamentos pesados, foram saqueados e pulverizados por toda a região. Essas armas alimentaram insurgências no Mali, grupos terroristas no Chade e no Níger, células no Sinai, e abasteceram o mercado clandestino do Mediterrâneo.


Em menos de dois anos, a Líbia transformou-se na maior zona de distribuição de armamento ilegal do Norte da África, um ponto de pressão geoestratégica que nenhuma potência conseguiu controlar.

É nesse ambiente que o embaixador Chris Stevens chega a Benghazi. Ele não desembarca como diplomata tradicional, negociando tratados e fazendo discursos. Ele chega como emissário dos EUA em um território onde não existe soberania reconhecida, não existe governo central funcional e onde cada rua responde a um grupo diferente.

Em Benghazi, sua presença não passa despercebida nem por um segundo, com cada deslocamento sendo observado por milícias, conversas repercutindo em redes informais de informação, onde cada gesto era interpretado sob a lógica do novo poder local, onde alianças e traições convivem lado a lado.

Stevens era um idealista, um diplomata que acreditava na força do diálogo e na reconstrução pela diplomacia, mas Benghazi em 2012 era exatamente o oposto: um ambiente moldado pela força, não por acordos, pela sobrevivência, não por intenções, pelo cálculo das milícias, não pelas promessas de transição democrática.

Ele entrou em um tabuleiro onde ninguém controlava todas as peças, e onde alguns jogadores nem sequer admitiam que um tabuleiro existia.

O Cerco: Quando a Política se Descola da Realidade

A crise retratada em "13 Horas" não é apenas um episódio tático intenso, é o retrato íntimo de um sistema que falhou antes mesmo do primeiro disparo. A história em Benghazi é essencialmente a prova de que nenhuma muralha aguenta quando a estratégia é concebida sobre ilusões.

A luta dos operadores do GRS, confinados entre o caos externo e a negligência interna, revela uma contradição profunda: enquanto eles agiam movidos por experiência, instinto e fraternidade, a estrutura que os enviou para lá agia movida por teoria, pressa e uma fé ingênua na própria narrativa. Essa disparidade é o núcleo da tragédia.

O que aconteceu naquela noite não foi o colapso de protocolos militares, foi o colapso de decisões diplomáticas e políticas desconectadas do terreno.

Em Benghazi, a pequena equipe de contratados do GRS, Rone, Woods, Tanto, Boon, Tig, Jack e Oz, tornou-se, inesperadamente, a última linha entre o embaixador Christopher Stevens e o caos tribal que se erguiu após a queda do regime. Não havia reforços, não havia redundância, não havia autoridade disposta a assumir o risco de agir.

Havia apenas:

  • uma burocracia temerosa de repercussões,

  • um labirinto de ordens contraditórias,

  • um silêncio incapacitante nos momentos decisivos,

  • e operadores que, ao contrário de seus superiores, não podiam se permitir hesitar.

Essa tensão entre o que é decidido na mesa e o que é executado no campo é o verdadeiro conflito do filme, e o mais perigoso de todos.

O Fracasso Invisível

A batalha no complexo e no anexo da CIA foi a expressão final de um fracasso que já estava em curso muito antes do ataque. Foi a evidência prática de uma filosofia política adotada durante a Primavera Árabe: a ideia de que desestabilizar regimes autoritários resultaria automaticamente em democracias saudáveis. Acreditou-se que:

  • remover o ditador era vencer;

  • que o vácuo seria preenchido por moderados;

  • que a presença mínima dos EUA seria suficiente para “garantir estabilidade”;

  • que inteligência local fragmentada poderia substituir planejamento estratégico.

O resultado foi exatamente o oposto. O que tomou forma em Benghazi não foi a esperança democrática, mas o vácuo, um espaço onde milícias, tribos, ex-combatentes e oportunistas disputavam poder de forma imprevisível. E foi dentro desse vazio que Stevens, um diplomata experiente e idealista, foi engolido.

Quando Ideias Matam Mais que Balas

Michael Bay mostra na tela as balas, o fogo, a adrenalina. Mas a geopolítica revela o que realmente matou Stevens e seus protetores: um projeto intelectual que não entendia o terreno real, que ignorou sinais, que tratou alertas como ruído, que confundiu desejo com realidade.

A morte deles não é apenas uma tragédia, é um marco histórico que demonstra o preço da dissonância entre teoria e prática. Foi a noite em que uma cidade inteira se incendiou, não porque combatentes inimigos fossem especialmente fortes, mas porque o sistema que deveria prever, prevenir e proteger estava paralisado por sua própria convicção.

O verdadeiro cerco não foi o dos insurgentes cercando o complexo, o verdadeiro cerco foi o das ideias equivocadas que cercaram os decisores em Washington. Enquanto operadores como Rone e Woods enfrentavam a realidade crua: fogo, escombros, comunicação precária, inimigos invisíveis e aliados ambíguos, seus superiores travavam uma batalha muito mais confortável: a de preservar uma narrativa política. Essa desconexão gerou um ambiente onde:

  • o risco era subestimado,

  • a ameaça era mal compreendida,

  • a presença militar era vista como “provocação”,

  • e a segurança dependia mais de sorte do que de planejamento.

No fim, a equipe GRS não batalhou apenas contra insurgentes, eles batalharam contra o tempo, contra a desinformação, contra ordens divergentes e, acima de tudo, contra o vazio estratégico que os colocou ali sem apoio adequado.

O Ainda Não Dito

O que 13 Horas mostra, e o que muitos preferem ignorar, é que guerras modernas não são perdidas em cidades remotas. Elas são perdidas nas mesas onde a realidade é filtrada, suavizada e adaptada aos discursos.

A noite de Benghazi é um alerta: não basta derrubar um ditador, erguer bandeiras e formular discursos, é preciso compreender o terreno, ouvir quem está na ponta, conhecer a lógica tribal, antecipar o vácuo, mapear o caos e respeitar a imprevisibilidade. Quem ignora isso constrói sua própria derrota, e quem paga por ela não são os estrategistas, são os operadores, os diplomatas, e às vezes até os inocentes que acreditaram na promessa de estabilidade.

Em Benghazi, Quem Sucumbiu Primeiro Não Foi o Complexo, Foi a Ilusão

Antes que o primeiro projétil fosse disparado, a queda já havia começado. A ilusão de que decisões políticas poderiam moldar o terreno sem compreendê-lo foi a verdadeira faísca. O incêndio literal e o moral foi apenas consequência.

No fim, o pavilhão queimou, Stevens morreu, homens como Rone e Woods deram suas vidas. E a crença de que “planejar a queda basta” provou-se mortal.

Aquela noite não deveria ter sido uma batalha, deveria ter sido apenas mais um dia. Mas a realidade não perdoa equívocos, especialmente os equívocos que começam no topo.

E Benghazi se tornou o lembrete eterno de que, quando a política se descola da realidade, o preço é pago no escuro, sob fogo inimigo, por homens que nunca tiveram o direito de recuar.

Intervenção sem Reconstrução: O Erro que o Ocidente Insiste em Repetir

Há um padrão, quase um ciclo histórico, que o Ocidente ainda não conseguiu quebrar. Um padrão em que a intervenção é meticulosamente planejada, mas a reconstrução é tratada como um detalhe secundário, opcional, negociável. O caso líbio é apenas mais um elo de uma corrente que já arrasta:

  • Iraque,

  • Afeganistão,

  • Somália,

  • Síria,

  • e tantos outros países onde a queda do regime foi celebrada como vitória, mas o “dia seguinte” nunca foi preparado.

É sempre o mesmo enredo: o Ocidente derruba com força e velocidade. Reconstruir, porém, exige paciência, compreensão local, continuidade, presença, investimento, e coragem política para sustentar compromissos longos. É justamente aí que as democracias ocidentais falham.

A tragédia de Benghazi expõe essa falha com clareza cirúrgica. Uma operação militar sem planejamento político é como remover um órgão vital acreditando que o corpo se ajustará sozinho. A cirurgia é rápida, o sangramento é lento, constante, e terminal.

E enquanto o paciente (a nação) agoniza, surgem os mesmos sintomas que já conhecemos à exaustão:

  • milícias ocupando o vazio de autoridade,

  • facções disputando legitimidade como quem disputa território,

  • armas substituindo instituições,

  • e cidadãos que veem a esperança ser consumida pela violência.

Cada intervenção sem pós-guerra gera seu próprio ciclo de fragmentação, e cada ciclo gera uma nova Benghazi.

O Papel do Homem Comum: Quem Realmente Paga o Preço

No meio desse tabuleiro global, há aqueles que nunca foram consultados, nunca foram informados, e ainda assim, são enviados para sustentar as falhas dos outros.

"13 Horas" mostra isso com uma honestidade devastadora. Entre sombras, tiros e incerteza, os operadores do GRS não defendem uma teoria diplomática, não defendem um projeto político, não defendem uma narrativa, eles defendem vidas de colegas, de diplomatas, de inocentes no entorno, porque percebem que ninguém mais o fará.

Ali, na escuridão de Benghazi, afloram as camadas mais profundas da condição humana:

  • responsabilidade sem ordem,

  • coragem sem respaldo,

  • sacrifício sem garantia de retorno.

É nesse contexto que a frase evocada por Rone, citando o que Boon lhe lera mais cedo, ganha densidade existencial:

“Todos os deuses, todos os demônios, todos os céus estão dentro de nós.”

A evocação não é apenas filosófica, é um reconhecimento brutal de que no limite, o que sustenta a linha de defesa não é um país, não é uma instituição, é o indivíduo, é o homem diante do caos.

Por que esta história importa ao leitor do GBN Defense

Porque segurança e defesa são mais do que blindagens, drones, aeronaves, navios, sensores e doutrinas. São, antes de tudo:

  • contexto,

  • estratégia,

  • prudência,

  • inteligência,

  • leitura fina do ambiente internacional,

  • e avaliação realista de consequências.

Benghazi é uma lição exemplar justamente porque escancara a fragilidade de intervenções mal calculadas, a ilusão da “transição espontânea”, os limites da projeção de poder sem sustentação, a importância de estruturas de inteligência profundamente conectadas ao terreno, e a gravidade dos vácuos deixados por decisões tomadas a milhares de quilômetros de quem enfrentará seus efeitos.

O leitor do GBN Defense merece análises que não se limitem ao campo de batalha, mas que compreendam o ecossistema completo da guerra e da política que a antecede.

O episódio de Benghazi não é um ponto isolado, é um marco de advertência. Um lembrete de que Estados não são portas: não basta empurrá-las para que se abram. Instituições são organismos complexos, e sua ruptura libera forças que antes estavam controladas, mesmo que por estruturas imperfeitas.

O filme 13 Horas mostra o embate, a Líbia mostra o colapso, o mundo mostra que esse erro se repete porque ainda não foi devidamente compreendido, assim permanece a reflexão mais incômoda e mais necessária: "Quando derrubamos um regime sem construir um Estado, libertamos demônios e deuses que nunca mais retornam às sombras. Eles permanecem e exigem ser enfrentados, em algum canto do mundo, por homens que nada tiveram a ver com a decisão original."

É dessa consciência madura, estratégica, fundamentada que nasce a verdadeira excelência no jornalismo de defesa. É isso que diferencia a sua leitura, é isso que diferencia a sua escrita, é isso que diferencia o GBN Defense.


por Angelo Nicolaci


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