quinta-feira, 30 de junho de 2016

Proximidade dos Jogos expõe crise de segurança no Rio

Caos financeiro, protesto de policiais e guerras entre facções criminosas escancaram os problemas da segurança pública na cidade e assustam quem se prepara para ir ao evento. COI e governo garantem que estão preparados.

A pouco mais de um mês do início das Jogos Olímpicos, a segurança no Rio de Janeiro chegou a um ponto crítico. A faixa estendida no protesto de policiais na última segunda-feira (28/06), no desembarque do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) com os dizeres "welcome to hell" (bem-vindo ao inferno), assustou os visitantes e deu uma ideia de como se sentem aqueles que trabalham diretamente com a segurança pública.
A violência na cidade parece aumentar a cada dia; policiais civis, militares e bombeiros estão com os salários atrasados; e não há dinheiro nem mesmo para o combustível dos carros e dos helicópteros das forças de segurança.
O Comitê Olímpico e o governo garantem que estão preparados para o evento esportivo e que não haverá problemas. Mas especialistas em segurança pública se dividem quanto a isso: alguns acham que, a despeito dos problemas, o evento será tranquilo; outros veem a situação com preocupação.
Os problemas são reais. Atualmente, na cidade, estão em curso nada menos que 15 guerras entre facções criminosas, interrompendo muitas vezes o comércio e os transportes públicos, sobretudo na periferia. Policiais são mortos praticamente todos os dias – caso do PM executado no último domingo a caminho do trabalho. Na noite anterior, uma médica que trabalhava na Baixada Fluminense também foi morta a tiros ao voltar para casa. Estatísticas oficiais divulgadas em maio confirmam um aumento no número de homicídios dolosos (com intenção de matar) em 15,4% neste ano em relação aos primeiros quatro meses de 2015.
Causas da crise
Parte do aumento da violência na cidade é atribuída ao desmantelamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e, outra parte, à grave crise financeira por que passa o governo estadual. A queda nos royalties do petróleo e a má administração dos recursos forçaram a redução da jornada de trabalho de muitos policiais (para evitar o pagamento de horas extras) e a redução do combustível da frota. O fracasso das UPPs devolveu muitas comunidades que estavam relativamente pacificadas às mãos de traficantes e milicianos.
Após o decreto de calamidade financeira das contas do governo estadual, o governo federal concedeu auxílio de 2,9 bilhões de reais ao estado do Rio de Janeiro. A medida provisória foi publicada nesta quinta-feira (30/06) no Diário Oficial da União.

Em comunicado oficial divulgado após o protesto dos policiais civis, o Comitê Olímpico procurou dissipar as preocupações e se mostrou otimista. Lembrando que a segurança é responsabilidade do governo, afirmou que o país tem muita experiência em grandes eventos (como a Copa do Mundo, o Carnaval e o Réveillon) e que haverá um grande reforço policial nas áreas em que estarão concentrados os atletas e os 500 mil turistas que a cidade espera receber para os jogos.
Além de reforço das Forças Armadas e das Forças Nacionais de Segurança para os jogos, o Ministério da Justiça e Cidadania anunciou que a Polícia Federal vai operar com 250 agentes de 55 países. O ministério anunciou também a criação de um Centro Integrado Antiterrorismo, que visa a combater eventuais ameaças de extremistas internacionais.
"Com a integração das forças de segurança pública, com apoio das Forças Armadas, nós entendemos que, a exemplo do que fizemos em eventos anteriores, podemos garantir que teremos um ambiente de absoluta tranquilidade", afirmou o secretário extraordinário de segurança para grandes eventos, Andrei Rodrigues.

Problema para a população, não para os turistas
O sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que os graves problemas de segurança serão sentidos, mas não durante as Olimpíadas.
"Não há dúvida de que o quadro atual é de falência total do estado, sobretudo no que diz respeito ao aparato de segurança, mas isso é preocupante para nós, que vivemos aqui, para depois dos Jogos", disse o sociólogo. "Durante o evento, o mais importante é o policiamento ostensivo, e isso haverá porque teremos policiamento de fora, de Brasília, o Exército e até um empréstimo do governo federal para o pagamento de horas extras aos nossos policiais."
Ainda assim, na opinião dele, é natural que os policiais façam protestos agora, num momento de grande visibilidade internacional para os problemas da cidade. Não por acaso, a manifestação no aeroporto ganhou manchetes em vários países.
Para a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, a cientista social Sílvia Ramos, é justificado mostrar que há uma crise:
"Espero que turistas e atletas fiquem cientes da situação da cidade, das UPPs falidas, dos tiroteios diários nas favelas, dos assassinatos diários, inclusive de policiais. É bom que eles saibam como o carioca, de maneira geral, vive, sobretudo os mais pobres."
Ela não acredita, no entanto, que esses problemas afetarão a segurança nos Jogos Olímpicos. "No Brasil, temos 60 mil assassinatos por ano. No entanto, em Copacabana, no ano passado, tivemos um homicídio. Ou seja, as taxas de violência das áreas mais ricas daqui são semelhantes às taxas de violência das áreas mais ricas do mundo", sustenta a especialista. "Além disso, a cidade vai estar super policiada, com um batalhão de seguranças privados, sobretudo nos locais onde os turistas e os atletas estarão. Claro que não tenho como prever, mas acho que não teremos problemas desse tipo. Os visitantes não vão entrar em contato com a violência."
"Alinhamento perfeito para um cataclisma"
O antropólogo Paulo Storani, do Instituto de Ciências Policiais da Universidade Cândido Mendes, é bem mais pessimista. Para ele, o estado vive um momento extremamente crítico, com o aumento dos índices de violência, as péssimas condições de trabalho dos policiais, a crise financeira do estado e o desmantelamento das UPPs.
"Há uma convergência de fatores. Eu acompanho segurança pública há 33 anos e nunca vi um cenário como esse; é um alinhamento perfeito para um cataclisma", diz "Comparo o momento que estamos vivendo hoje a um outro período muito violento no Rio, que foi na segunda metade dos anos 90; e eu acompanhei bem essa fase porque estava no Batalhão de Operações Especiais (Bope)."
Para Storani, o fracasso das UPPs e das políticas sociais que deveriam preceder a ocupação policial das comunidades criou uma nova geração de jovens vulneráveis, que veem no crime sua única opção. Segundo a análise do antropólogo e ex-policial, pode até ser que esse tipo de violência não tenha um impacto direto nos Jogos, mas ela acaba criando um ambiente propício para outra ainda mais aterradora, a do terrorismo internacional, dada a facilidade, por exemplo, de se comprar armas ou explosivos e a porosidade das fronteiras.
"Nossos governantes foram muito impetuosos ao candidatar a cidade e mobilizar esforços para fazê-la vencer, mas deixaram de tomar as medidas de segurança necessárias para um evento como esse", afirma o especialista. "Os visitantes vão conviver com a questão da violência cotidiana de uma forma amenizada, por conta dos grandes efetivos das forças armadas, das forças nacionais; mas o risco de um atentado terrorista é real. Muitas das delegações que virão são alvos desses grupos terroristas."
Para Storani, as medidas anunciadas na terça-feira não são suficientes e, se nada acontecer, será um verdadeiro milagre.
"O cenário é muito ruim", disse. "Se não acontecer nada, acho que os governantes deveriam mandar rezar uma missa todos os dias agradecendo a Deus por Ele ser brasileiro mesmo e ter impedido que algo ruim ocorresse."

Fonte: Deutsche Welle
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