sábado, 21 de fevereiro de 2015

Sindicatos calculam mais de 20 mil demissões em estaleiros

A maranhense Edilene Araújo foi cabeleireira antes de se tornar soldadora naval. Foram sete anos entre as poltronas e os espelhos de um salão na cidade de Rio Grande (RS), a 330 quilômetros de Porto Alegre, antes do curso de soldagem que a colocou nos quadros do estaleiro Rio Grande, em 2012. Desempregada há seis meses  - data que coincide com o momento em que a controladora do estaleiro em que trabalhava apareceu na lista de empresas investigadas pela Operação LavaJato -, ela não se arrepende da mudança na carreira. Como metalúrgica, ganhava melhor e não precisava lidar com "química" o dia inteiro.

"Continuo mandando currículo, mas é difícil", afirma. O sindicato local calcula que, como ela, outras 17 mil pessoas perderam o emprego no setor naval entre novembro e janeiro, só nas cidades de Rio Grande e São José do Norte – onde fica o estaleiro EBR, administrado pela Toyo Setal, também citada na operação da Polícia Federal.

Com demissões na Bahia, Pernambuco e Rio, o setor naval – que multiplicou o volume de trabalhadores de 2 mil para mais de 80 mil entre 2004 e 2012 – já conta mais de 20 mil baixas desde a denúncia do esquema de pagamento de propina na estatal, segundo contas de sindicatos de trabalhadores. Parte desses cortes é cíclico, já que a maioria dos contratos no setor é temporária.

O que preocupa os sindicatos é a perspectiva de redução significativa de novos projetos diante da desaceleração dos investimentos. No lugar de novas contratações, a expectativa das entidades que representam metalúrgicos e trabalhadores da construção civil é que os cortes continuem.

No curto prazo, o principal problema são os pagamentos em atraso da Sete Brasil com cinco estaleiros contratados para produzir 29 navios sonda: Rio Grande, em Rio Grande (RS); BrasFels, em Angra dos Reis (RJ); Jurong, em Aracruz (ES); Enseada Paraguaçu, em Maragojipe (BA), e Atlântico Sul (EAS), em Ipojuca (PE).

Em crise financeira, a Sete Brasil -  criada para gerenciar a construção das sondas que seriam alugadas à Petrobras e usadas para explorar o pré-sal, perfurando novos poços –depende de empréstimos previstos com o BNDES para resolver problemas de caixa. A assinatura dos contratos está travada desde que o primeiro diretor de operações da empresa de sondas, Pedro Barusco, afirmou ter recebido propina de empreiteiras quando era gerente de serviços da Petrobras.

A Sete Brasil informou ao Valor que está "o tempo todo em negociação com os estaleiros" e que "trabalha para concluir a contratação de linhas de crédito de longo prazo, em especial, com o BNDES (aprovado em 2013)". A empresa diz também que " segue atuando para a obtenção de novas linhas de financiamento de curto prazo".

No médio prazo, a lista de 23 grupos impedidos temporariamente de participar de licitações da estatal preocupa, já que muitas delas são também acionistas dos maiores estaleiros do país. Algumas empresas e especialistas ainda têm dúvidas sobre se o bloqueio vale também para as subsidiárias, entre elas os estaleiros.

A Petrobras, por sua vez, ainda não esclareceu o assunto, mas convocou apenas empresas estrangeiras a participar da concorrência aberta em janeiro para recontratar os serviços de construção dos módulos de compressão de gás inicialmente à cargo da Iesa Óleo e Gás.

O Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro (SindimetalRio) teme perder metade dos quase 7 mil funcionários do Enseada Inhaúma controlado por Odebrecht, OAS, UTC e pela japonesa Kawasaki depois  de setembro, quando deve ser concluída a montagem da plataforma P74.

"Como as outras três encomendas [P75,P76 e P77] foram transferidas para a China, depois disso não temos mais nenhum pedido", diz Alex Santos, presidente da entidade. Ele critica a "paralisia" dos investimentos no setor desde a deflagração da LavaJato e alerta para o impacto da inércia sobre os quase 30 mil empregos que os estaleiros mantêm só no Rio.

O homônimo baiano do estaleiro, que pertence ao mesmo consórcio, tinha pouco mais de 5 mil funcionários até o fim do ano passado cerca de 3,3 mil trabalhavam na construção da infraestrutura, com entrega prevista para dezembro de 2015, e o restante montava dois dos seis navios sonda encomendados pela Sete Brasil.

Segundo Bebeto Galvão, deputado federal pelo PSB e presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada do Estado da Bahia (Sintepav), a Sete Brasil tem atrasado pagamentos desde outubro, um total de US$ 210 milhões.

O consórcio Enseada confirma 3,5 mil cortes entre novembro e janeiro, sendo 1.081 no Enseada e 2.428 no Consórcio Construtor Bahia (CEP), responsável pela estrutura, que já estaria 80% concluída. Segundo o diretor de pessoas e organização, Ricardo Lyra, parte das demissões foi "preventiva" uma maneira de readequar o planejamento da obra ao "atual cenário do país, com impacto direto na indústria naval brasileira".

Para destravar os investimentos no setor, Galvão, do SintepavBA, defende a liberação para a Sete Brasil dos recursos do BNDES e de empréstimos-ponte negociados com a Caixa e com o Banco do Brasil.

Em Niterói (RJ), o estaleiro UTC demitiu até o começo de fevereiro 650 dos 800 funcionários. Os cortes teriam sido reflexo, segundo o sindicato de metalúrgicos local, da conclusão de dois módulos da plataforma P56, entregues no começo do mês. Os 150 empregos remanescentes, segundo Edson Rocha, dirigente da entidade, estariam em risco caso a empresa, que também figura na lista de grupos bloqueados de novas licitações da Petrobras, não consiga fechar novos contratos até março.

A UTC declarou apenas que "à medida que os trabalhos referentes à encomenda de quatro cascos são entregues e os contratos são encerrados, também o contrato de mão de obra chega ao fim".

O grupo Keppel Singmarine Brasil, dona do estaleiro Brasfels, em Angra dos Reis (RJ), colocou todos os 700 funcionários de seu estaleiro em Itajaí (SC) que não presta serviços diretamente para a Petrobras em férias coletivas até o fim do mês. Procurada, a empresa disse que não se manifestaria sobre o assunto. Para Oscar João da Cunha, presidente do sindicato de metalúrgicos local, a empresa de Cingapura estaria esperando os desdobramentos do escândalo na estatal para decidir o que vai fazer com os investimentos no Brasil.

Em Pernambuco, o estaleiro Atlântico Sul registra cerca de 300 demissões desde o início do ano e conta com pouco mais de 4 mil funcionários. A situação é pior na cadeia de fornecedores do setor metalúrgico. Em 2014, as indústrias de equipamentos ligadas ao setor naval fecharam 1.995 vagas, 36% do total de funcionários.

No Estado, a situação mais difícil, segundo Alexandre Valença, do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, é a das pequenas e médias empresas que forneciam para as chamadas "epcistas" companhias que prestam serviços de engenharia, suprimentos e construção para o consórcio do estaleiro.

Procurada, a Petrobras não respondeu às questões enviadas pela reportagem sobre o prazo de vigência da lista de empresas bloqueadas, sobre a possibilidade de flexibilização da política de conteúdo nacional e sobre os riscos de perda de empregos e investimentos no setor naval.
 

Fonte: Valor Econômico
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