quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A construção do Estado Islâmico como ameaça global

Porque uma coalizão de cerca de 60 países está determinada a destruir o grupo jihadista.

Em 17 de fevereiro, a Casa Branca abriu a Cúpula de Enfrentamento ao Extremismo Violento (Summit on Countering Violent Extremism, em inglês), com a presença de autoridades dos EUA, líderes estrangeiros, oficiais da ONU e outros participantes das sociedades civil e privada. O evento visava buscar formas de prevenir a radicalização de “extremistas violentos e seus aliados” e evitar que outros indivíduos ou grupos cometam “atos de violência”. Embora as discussões tenham envolvido diferentes atores terroristas, havia uma grande preocupação sobre o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS, na sigla em inglês), também conhecido como Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL).
O espectro global do encontro indica que o ISIS se tonou um problema internacional. Essa posição foi reforçada no evento em dois momentos pelo presidente dos EUA, Barack Obama. O Democrata afirmou que a luta contra o terrorismo é um “desafio para o mundo” e que o esforço global para deter o Estado Islâmico não iria “abrandar” a missão de “degradar e destruir” o grupo. Esse esforço global é uma coalizão de cerca de 60 países criada em 2014, envolvendo Alemanha, Egito, EUA, França, Itália, Jordânia, Líbano e Reino Unido. A ação inclui esforço militar, fornecimento de armas, equipamentos e treinamento de “aliados”, além de impedir o fluxo de combatentes estrangeiros para o Iraque e Síria.
O ISIS surgiu do braço iraquiano da al-Qaeda, embora não esteja mais associado ao mesmo. Nos últimos dois anos, o grupo jihadista ganhou território no nordeste do Iraque e da Síria ao capitalizar nos conflitos internos dos dois países, assumindo o controle de grande cidades e impondo uma interpretação extrema da Sharia (lei islâmica). Com isso, a brutalidade tem se tornado a maior arma de propaganda do grupo, com execuções de prisioneiros sendo filmadas e divulgadas online.
Neste sentido, o movimento organizado de países Ocidentais e do Oriente Médio contra o ISIS mostra uma percepção comum do grupo jihadista como uma ameaça à segurança internacional. Mas como um autoproclamado Estado sem fronteiras definidas pode provocar um sentimento global de insegurança? Seria o seu abuso sistemático dos direitos humanos o bastante para construir essa imagem? Ou seria a forma como o ISIS usa a brutalidade como propaganda?
A resposta passa pela forma como as ações do ISIS são percebidas por outros atores do sistema internacional. Sendo assim, é útil entender o processo de interação entre Estados e demais atores para compreender a construção da imagem do Estado Islâmico. Uma abordagem não ortodoxa do sistema internacional pode considerar Estados e outros atores – grupos terroristas, por exemplo – como profundamente sociais. Isso significa que eles desenvolvem suas percepções interagindo entre si e não por meio de pré-conceitos.
Ameaças são construídas, não naturais 
Conforme Alexander Wendt argumenta, “ameaças sociais são construídas, não são naturais”. Os atores internacionais interagem enviando sinais uns aos outros, como um anúncio de compra de armamentos, por exemplo. Sinais como este são interpretados de forma distinta por diferentes atores, de acordo com a relação que possuem e experiências passadas. Logo, para um Estado essa atitude pode ser considerada uma ameaça, enquanto para outro não se trata de um problema. Essa interpretação vai gerar uma resposta dos envolvidos na interação. Todo esse processo de mensagens é um “ato social” que cria significados inter-subjetivos para certos atores ou conceitos e os ajuda a decidir como comportar-se em relação uns aos outros. Logo, mesmo que violações de direitos humanos tendam a ser negligenciadas como um assunto interno dos países, a sua sistemática e grave repetição pode criar agitação social, conflitos e instabilidade política, que tendem a causar tensões além da nação afetada.
Neste caso, o ISIS já opera ilegítima e brutalmente dentro de dois países extremamente turbulentos. Desta forma, há um imenso potencial de propagação para outras regiões, em especial porque o auto-proclamado Estado não tem fronteiras ou território. Seus militantes podem simplesmente infiltrar em nações vizinhas ou criar bases em países soberanos, o que representa uma ameaça real ao conceito amplamente aceito de que Estados são unidades invioláveis do sistema internacional e a única autoridade dentro do seu território.
Por meio da interação de atores internacionais, é possível encontrar diversas mensagens subliminares, algumas das quais carregam valores conhecidos por todos, a exemplo do conceito de soberania, como Friedrich Kratochwil destaca. Neste contexto, é importante notar que ideais, crenças e valores são estruturas importantes para moldar o comportamento dos atores no sistema internacional, exercendo uma influência poderosa na ação política e social dos mesmos. É na base de identidade e ideologia que relações de amizade e inimizade se criam, destaca Christian Reus-Smith.
Logo, quando militantes do ISIS lançam homens acusados de homosexualidade do topo de prédios, perseguem indivíduos devido a sua identidade ou decapitam prisioneiros, há um entendimento pre-concebido de que atos tão brutais não são apenas inapropriados, mas altamente capazes de causar inquietação social. Neste sentido, graves violações de direitos humanos e o uso extremista da religião para justificar a violência, criam um choque de valores e concepções como liberdade, democracia, legitimidade e governança com atores que possuem, por exemplo, valores liberais democráticos e apreço por instituições. Esses atores irão se sentir ameaçados, associando ISIS a sentimentos de inimizade.
Esse conflito de valores é claramente identificado no discurso do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, emitido logo após a execução do piloto jordaniano Moaz al-Kasasbeh, capturado pelo ISIS. Em um comentário curto, o Democrata define o grupo jihadista como sem compaixão, interessado apenas em “para matar e destruir” e incapaz de valorizar a vida. Em sua fala no evento na Casa Branca, Kerry ainda disse que os “adversários” não possuem “um conjunto amplo de responsabilidades a cumprir” e “não têm os mesmos deveres institucionais que possuímos para garantir as necessidades de nossos cidadãos”.
Comunicação sem barreiras 
Como o ISIS, um Estado auto-proclamado e sem território definido, interage com atores fora de seus limites de forma a ser percebido como ameaça? Por meio da comunicação, e não necessariamente por fronteiras geográficas. O grupo jihadista tem produzido vídeos mais elaborados de suas execuções, incluindo decapitações e incineração de prisioneiros estrangeiros. O objetivo é usa-los como propaganda para atrair militantes ao “califado” e também para serem vistos como uma ameaça/mensagem de guerra por outros atores: a maioria dos prisioneiros estrangeiros decapitados eram nacionais de países da coalizão de combate ao ISIS. Isso pode ser entendido como um esforço para mostrar que nacionais destes países podem ser alvejados devido suas identidades em qualquer lugar do mundo por militantes.
Neste sentido, o poder da propaganda jihadista e o uso extremista do Islã são preocupantes, especialmente para a Europa. O grupo atraiu mais de 20 mil militantes estrangeiros, de acordo com o Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e Violência Política (ICSR, na sigla em inglês). Essa é a maior mobilização de lutadores estrangeiros em países de maioria islâmica desde 1945, ultrapassando o conflito do Afeganistão em 1980. Eles vieram de mais de 50 países, mas quase 20% eram residentes ou nacionais de Estados da Europa ocidental.
Ao justificar a barbárie com o islamismo, o ISIS tenta estabelecer sua legitimidade como um Estado religioso. Algo que países ocidentais se recusam a aceitar, conforme Obama defendeu na cúpula da Casa Branca. “Eles tentam se apresentar como líderes religiosos, guerreiros sagrados em defensa do Islã […] Eles propagam a noção de que os EUA — e o Ocidente — está em guerra com o Islã. […] Eles não são líderes religiosos, são terroristas. E não estamos em guerra com o Islã. Estamos em guerra contra as pessoas que perverteram o Islã”, disse.
Entretanto, criar a percepção de uma guerra entre o Ocidente e o Islã é uma ferramenta eficiente para radicalizar jovens e continuar atraindo militantes estrangeiros para o ISIS. Por isso, a coalizão internacional deve cooperar não apenas para deter geograficamente o grupo jihadista, mas também para neutralizar os efeitos de sua retórica extremista em jovens estrangeiros. A ameaça do ISIS deve ser enfrentada além das trincheiras militares, usando também vastos esforços de comunicação e (des)construção de imagem.
Fonte: Carta Capital
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