sexta-feira, 13 de setembro de 2019

O KC-390 no atual mercado de transporte militar

No último dia 04 de setembro, a Embraer entregou à FAB o segundo KC-390 de produção, sendo o primeiro a ser incorporado à valorosa Força Aérea Brasileira. Esta entrega coroa um programa que começou em 2007 como uma iniciativa privada da Embraer e que foi ‘abraçada’ em 2009 pela FAB, com o primeiro voo ocorrendo em 3 de fevereiro de 2015.

Não vou reinventar a roda e falar do histórico do KC-390, já que o Professor Luiz Reis escreveu um excelente artigo sobre o ‘monstro’ no Velho General. Recomendo fortemente sua leitura: Embraer KC-390, o novo tactical airlift da Força Aérea Brasileira.

Isto posto, estou mais que consciente que, no presente momento, não é possível uma comparação detalhada do KC-390 com outras aeronaves pelo simples fato que ele ainda não tem um histórico operacional ‘no mundo real’, então vou me limitar a uma comparação do tipo ‘super trunfo’, sabendo que, embora falha, é o que é possível no momento.




CONCORRENTES DIRETOS

Lockheed Martin C-130E/H/H-30 Hercules


Foto: Angelo Nicolaci - GBN Defense
A proposta do KC-390 é ser um concorrente direto ao C-130 Hercules, um grande sucesso de mercado e que dispensa apresentações por sua história bastante extensa. A única informação que vou utilizar aqui é que o primeiro voo do C-130 foi em 1954, ou seja, 61 anos antes do KC-390.

As versões mais numerosas do C-130 ao redor do mundo são o C-130E e o C-130H, ambos operados não apenas pela FAB (que modernizou alguns e os re-designou C-130M), mas por diversas Forças Aéreas ao redor do mundo. Embora o C-130 seja uma aeronave excepcional em muitos aspectos, e tenha passado por diversas modernizações, a idade do projeto começa a pesar.

O fato que os E e H não são mais produzidos também pesa contra eles; muitos deles estão em um ponto da vida útil em que não é possível, ou vantajoso economicamente, estender a vida útil e/ou investir em atualizações. E é exatamente nesta situação que o KC-390 entra.

Entre suas limitações estão as dimensões do compartimento de carga - como os equipamentos militares foram se tornando cada vez maiores, o C-130 tem diversas limitações quanto ao que pode carregar, muitas vezes mais em função de dimensões do que pesos (por exemplo, um helicóptero S-70 Blackhawk).

O KC-390 supera ambas as versões em praticamente todas as métricas, e se iguala a elas em termos de transporte de tropas (inclusive paraquedistas) e macas, e também nos requisitos de pistas de pouso curtas, sendo inclusive capaz de operar em pistas de terra. Uma tabela comparativa com os dados técnicos está no final do artigo.

O compartimento de carga do KC-390 é cerca de 20 cm mais longo e mais alto que do C-130, e cerca de 30 cm mais largo; a rampa de carga é cerca de 30 cm mais larga. E embora isso possa parecer pouco, é o bastante para causar um impacto significativo na operação das aeronaves, especialmente se levarmos em conta que, além de mais larga, a rampa de carga é consideravelmente mais longa, 2,80 m a mais, de tal forma que, no final, o compartimento de carga do KC-390 é 3 m mais longo que dos C-130. O KC-390, por exemplo, pode carregar 6 pallets junto com 36 tropas, uma capacidade que nenhum Hercules consegue igualar até hoje.

O C-130H tem uma versão estendida, o C-130H-30 ‘stretch’, com uma fuselagem quase 5 m maior, dos quais quase 4 m se estendem ao compartimento de carga. Entretanto, como a rampa de carga é a mesma da versão básica, a vantagem do ‘stretch’ é de pouco mais de 1,40 m; como largura e altura do compartimento de carga são as mesmas da versão padrão, muitas das limitações de cargas também se aplicam à versão ‘stretch’. A vantagem é que o ‘stretch’ pode levar 1 pallet a mais que o KC-390.

Uma área na qual o ‘stretch’ leva uma grande vantagem em relação ao KC-390 é no transporte de tropas (especialmente paraquedistas), e de macas. Entretanto, assim como as versões padrão, a velocidade de cruzeiro do C-130 é consideravelmente menor que a do KC-390, o pode acabar por erodir a vantagem no transporte de tropas.

Um fato incrível é que as velocidades de estol (ou seja, a menor velocidade em que a aeronave permanece em voo) do KC-390 e do C-130 são praticamente idênticas, o que permite, inclusive, que o KC-390 possa ser empregado em missões REVO (reabastecimento em voo) de helicópteros!




Lockheed Martin C-130J/J-30 Super Hercules

Com vários dos C-130 ao redor do mundo chegando ao fim de suas vidas úteis, a Lockheed-Martin desenvolveu o C-130J Super Hercules, cujo primeiro voo ocorreu em 1996. Externamente, a diferença mais visível em relação aos C-130 antigos foi o uso de novos motores Rolls-Royce associados a novas hélices com 6 pás, que substituíram os Allison. Com exceção de uns poucos modelos antigos, os C-130 anteriores ao J usam hélices com 4 pás.

A adoção de novos motores e hélices aumentou a velocidade e a altitude de cruzeiro do C-130J, mas ainda está longe de se aproximar do KC-390 (exceto os alcances, que são próximos e por vezes melhores). Entretanto, a capacidade de carga é basicamente a mesma, devido às limitações do projeto-base do C-130 original.

O C-130J também tem uma versão ‘stretch’, o C-130J-30, e as mesmas observações se aplicam em relação ao C-130H-30: maior capacidade de passageiros, mas a capacidade geral de carga, especialmente as mais volumosas, ainda não é muito maior que do KC-390, e até menor em alguns casos específicos.

Embora seja difícil comparar custos de aquisição e operação, estudos apontam que o KC-390 pode ter custos comparáveis, ou até melhores, que o C-130J, especialmente o C-130J-30. O fato que a Embraer escolheu os motores IAE V2500 para o KC-390 pesa muito em seu favor, já que é um dos motores aeronáuticos mais utilizados em todo o mundo, o que facilita bastante sua logística.

Além disso, o KC-390 é consideravelmente mais veloz que o C-130J, e opera em altitudes maiores, fatores que ajudam na economia de combustível e em redução de fadiga nas aeronaves e tripulações, o que também ajuda a reduzir custos.





CONCORRENTES INDIRETOS

Antonov An-178

O An-178 foi desenvolvido pela Ucrânia como um concorrente / substituto de aeronaves menores que o C-130, como o An-12 (‘rival’ soviético do C-130, menos capaz que ele, e do qual ainda há muitas unidades em serviço), C-295 (operado pela FAB como C-105 Amazonas), C-27 Spartan e C-160. Seu primeiro voo também foi em 2015. E embora algumas pessoas tentem colocá-lo na mesma categoria do KC-390, provavelmente pelo fato de ser movido a jato, algumas diferenças saltam à vista.

A primeira delas é a (relativamente) baixa capacidade de carga do An-178. Embora seja capaz de transportar até 18 ton de carga, a aeronave vai precisar de uma pista longa, de 2500 m. Caso opere nas mesmas pistas curtas que o KC-390, sua carga máxima passa a ser 7 ton, muito abaixo das 26 ton do KC-390.

Outro ponto de destaque é que sua cabine de carga é bem menor que a do KC-390: 70 cm mais estreita, 20 cm mais baixa e 2 m mais curta (se contarmos a rampa de carga). Ou seja, sua capacidade de cargas volumosas é consideravelmente menor que a do KC-390.

Sua capacidade de transporte de pessoal, caso decole de pistas longas, é equivalente ao KC-390; não há informações disponíveis em relação à operação em pistas curtas, mas provavelmente haverá reduções.

Por fim, seus alcances operacionais são menores que do KC-390. A velocidade de cruzeiro é bastante próxima, e a altitude de cruzeiro é superior.

De qualquer maneira, depois do fim da União Soviética, a Antonov vendeu relativamente poucas aeronaves militares (seu ‘círculo de influência’ é pequeno), o que significa que a Embraer provavelmente não vai sofrer muita concorrência do An-178, mas é sempre bom ficar de olho.




Airbus A400M Atlas

O Airbus A400M Atlas, construída por um consórcio europeu (Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido)  é uma aeronave muito maior que o KC-390 e com capacidade de carga bastante superior, mas também é consideravelmente mais cara. A Lockheed-Martin fez parte do consórcio por alguns anos, mas se retirou e acabou por desenvolver o Super Hercules. Seu primeiro voo foi em 2009.

Em uma análise superficial sua presença nessa lista pode causar estranheza, mas na verdade é o contrário - o KC-390 que é um concorrente indireto do A400M.

Como resultado de ter que agradar aos requerimentos (muitas vezes conflitantes) de tantos países, o A400M é uma das aeronaves mais caras no mercado. Ademais, o motor do A400M, o Europrop TP400 (que provavelmente foi escolhido mais por questões políticas do que técnicas), tem sido uma fonte de dores de cabeça, o que leva a uma baixa disponibilidade geral da aeronave.

Esta combinação de fatores afastou muitos potenciais compradores do A400M, que poderiam acabar por escolher o KC-390.




Kawasaki C-2

O Kawasaki C-2 é uma aeronave pesada de transporte, da mesma categoria que o A400M (muitas das capacidades de ambos, inclusive, são parecidas. O primeiro voo do C-20 foi em 2010.

Assim como o A400M, seus custos também são elevados, o que pode resultar em potenciais compradores escolhendo o KC-390 ao invés do C-2.




CONCLUSÃO

Após uma análise ‘super trunfo’ das características de algumas das aeronaves de transporte em uso ao redor do mundo, observa-se que a Embraer fez um excelente trabalho, colocando uma aeronave bastante competitiva no mercado.

Embora a Embraer Defesa & Segurança tenha ficado de fora da ‘união’ com a Boeing, deve-se notar que a Boeing não tem nenhuma aeronave como o KC-390, e pode usar sua influência para ‘alavancar’ vendas, inclusive algumas que poderiam ser ‘abocanhadas’ pelo Super Hercules.

O fato de o KC-390 já ter sido escolhido por Portugal (país membro da OTAN) e contar com a República Tcheca (outro país membro da OTAN) como parceiro na produção da aeronave também abre oportunidades para vendas na Europa. Como mencionado acima, muitos dos potenciais compradores do A400M poderiam escolher o KC-390 ao invés do Atlas.

Tabela única. Comparativo das especificações do KC-390 com o An-178 e várias versões do C-130




KC-390
C-130E
C-130H
C-130H-30
C-130J
C-130J-30
An-178
Dimensões externas (m)
Envergadura
33,90
40,41
40,41
40,41
40,41
40,41
30,57
Comprimento
33,50
29,79
29,79
34,36
29,79
34,36
32,23
Altura
11,40
11,66
11,66
11,66
11,84
11,84
9,57
Dimensões do compartimento de carga (m)
Largura
3,45
3,12
3,12
3,12
3,12
3,12
2,73
Comprimento
12,70
12,50
12,50
16,90
12,50
16,90
13,20
Altura
2,95
2,74
2,74
2,74
2,74
2,74
2,73
Comp + Rampa
18,50
15,52
15,52
19,92
15,52
19,92
16,54
Dimensões da rampa (m)
Largura
3,45
3,12
3,12
3,12
3,12
3,12
2,73
Comprimento
5,80
3,02
3,02
3,02
3,02
3,02
3,34
Cargas máximas
Toneladas
26
19
19
19
19
20
7
Normal (ton)
23
17
17
15
15,4
16,3
5
Paraquedistas
66
64
64
92
64
92
??
Tropas
80
92
92
128
92
128
??
Macas
74
74
74
97
74
97
??
Pallets
7
6
6
8
6
8
5
M-113
2
1
1
1
1
1
N/A
Humvee
3
3
3
3
3
3
1
S-70 Blackhawk
1
N/A
N/A
N/A
N/A
N/A
N/A
Tropas + 6 pallets
36
N/A
N/A
N/A
N/A
N/A
N/A
Altitudes (ft)
Cruzeiro
36.000
19.000
23.000
23.000
28.000
26.000
40.000
Velocidades (km/h)
Cruzeiro
870
541
541
541
643
643
825
Estol
193
185
185
185
185
185
??
Alcances (km)
35000 lb
3519
2315
2315
2315
2936
3889
N/A
30000 lb
5056
2780
2780
2780
4167
4167
N/A
Máxima
2111
1800
1800
1800
3333
3150
1200
23 ton
2815
N/A
N/A
N/A
N/A
N/A
2100
Traslado
6130
5185
5185
5185
4908
5078
4510
Combustível extra
8519
8370
8370
8370
7400
7400
??





Por: Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico, trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel), estreante no GBN Defense News.

Colaboração: Prof. Luiz Reis



FONTES:
Brochura do fabricante Antonov An-178. https://www.antonov.com/en/file/hADqQn7lEwEJs?inline=1
Força Aérea Brasileira (fotos do C-130M e KC-390). https://www.flickr.com/photos/portalfab/
Demais imagens e datas de primeiro voo: Wikipedia.



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