sábado, 18 de outubro de 2025

Produção sob licença, cópia autorizada e transferência de tecnologia: entenda as diferenças e seus impactos na soberania nacional

No campo da defesa e da indústria aeroespacial, termos como “cópia sob licença”, “produção sob licença” e “produção sob transferência de tecnologia” (ToTTransfer of Technology) são amplamente utilizados. Embora muitas vezes empregados de forma genérica, esses conceitos representam níveis distintos de domínio tecnológico e de independência industrial. Entender suas diferenças é essencial para avaliar o verdadeiro alcance de um programa de cooperação internacional e seus reflexos sobre a soberania e o desenvolvimento científico de um país.

Cópia sob licença: montagem autorizada, mas dependente

A chamada cópia sob licença ocorre quando um país ou empresa recebe permissão para montar ou reproduzir determinado equipamento com base em um projeto estrangeiro, sem acesso à engenharia ou aos detalhes técnicos da tecnologia envolvida. Nesse modelo, o processo local se restringe à montagem de kits prontos (CKD/SKD) enviados pelo fabricante original, com pouca ou nenhuma fabricação de componentes nacionais.

Embora gere empregos e alguma movimentação industrial, não há transferência efetiva de conhecimento. O know-how permanece com o detentor do projeto, e a dependência tecnológica se mantém. Esse modelo foi amplamente usado durante a Guerra Fria, quando países aliados reproduziam aeronaves ou veículos militares sob licenciamento restrito apenas para suprir forças locais, sem direito a modificações ou melhorias próprias.


Produção sob licença: fabricação local com suporte técnico

A produção sob licença representa um passo além. Nesse caso, o país licenciado fabrica localmente o equipamento, total ou parcialmente, seguindo o projeto e as especificações do fabricante original. Há suporte técnico, treinamento e, em alguns casos, a possibilidade de pequenas adaptações, mas o domínio pleno da tecnologia permanece com o detentor do projeto.

Esse modelo é comum em programas de blindados, aeronaves e sistemas de armas. Um exemplo é o programa de fabricação dos caças F-16 na Türkiye, conduzido pela Turkish Aerospace Industries (TAI). A empresa fabricava partes significativas do caça sob licença da norte-americana Lockheed Martin, mas os sistemas de missão e aviônicos mais sensíveis continuaram sob controle dos Estados Unidos.

No Brasil, casos como a produção do helicóptero Esquilo (AS350) pela Helibras, sob licença da Airbus Helicopters, seguiram lógica semelhante. Houve nacionalização gradual de componentes e desenvolvimento de infraestrutura industrial, mas o domínio da engenharia e das tecnologias críticas permaneceu com a matriz francesa.

Produção com transferência de tecnologia: autonomia e domínio do conhecimento

A produção com transferência de tecnologia, ou ToT, é o modelo mais avançado e desejável. Envolve não apenas a fabricação do equipamento, mas também o aprendizado dos processos, da engenharia e do conhecimento necessário para projetar, manter e evoluir o produto. Inclui treinamento técnico, envio de engenheiros ao exterior e acesso à documentação completa, permitindo que o país absorva efetivamente o conhecimento e conquiste autonomia tecnológica.

O Programa Gripen brasileiro é um exemplo emblemático desse modelo. Resultado da parceria entre a Força Aérea Brasileira (FAB) e a empresa sueca Saab, o projeto prevê a transferência de tecnologia em larga escala, com a participação direta da Embraer, Akaer, AEL Sistemas e outras empresas nacionais. Engenheiros brasileiros foram treinados na Suécia e participam do desenvolvimento do caça, adquirindo capacidade para realizar futuras atualizações e até criar novos sistemas.

Outro caso relevante é o Programa de Submarinos (PROSUB), fruto da parceria entre a Marinha do Brasil e o grupo francês Naval Group. Além da produção local de submarinos convencionais, o acordo promoveu a transferência de conhecimento em áreas críticas, como a construção de cascos resistentes e integração de sistemas, fundamentais para o futuro submarino de propulsão nuclear brasileiro (SN-BR).

A importância da transferência de tecnologia para o Brasil

A transferência de tecnologia é uma ferramenta estratégica para fortalecer a Base Industrial de Defesa (BID) e consolidar a autonomia tecnológica nacional. Em um cenário global onde a supremacia tecnológica define a capacidade de dissuasão e defesa, dominar o ciclo completo de desenvolvimento é um diferencial de soberania.

Por meio de programas com cláusulas robustas de ToT, o Brasil pode reduzir dependências externas, estimular a inovação e criar empregos qualificados. A transferência de tecnologia, quando bem conduzida, transforma acordos de aquisição em oportunidades de aprendizado e desenvolvimento industrial, impulsionando a pesquisa e o avanço científico.

Sem continuidade, o conhecimento se perde

Entretanto, a transferência de tecnologia só se converte em capacidade real se houver continuidade e investimento. Sem uma política industrial consistente, sem recursos destinados à pesquisa e ao desenvolvimento e sem a manutenção de programas estratégicos, o conhecimento adquirido se dispersa. Profissionais formados migram para outras áreas, empresas se desmobilizam e a infraestrutura se perde, levando o país a recomeçar do zero em cada novo ciclo.

Países como a Coreia do Sul e a Índia são exemplos de sucesso: transformaram acordos de produção sob licença e ToT em indústrias autônomas e competitivas, graças à continuidade dos investimentos e à visão de longo prazo. No Brasil, a transferência de tecnologia deve ser vista como um ponto de partida, não como um fim.

Somente com investimento permanente na Base Industrial de Defesa, estímulo à inovação e integração entre as Forças Armadas, universidades e setor privado será possível transformar o conhecimento absorvido em tecnologia própria. Dessa forma, o país não apenas assegura sua soberania, mas também consolida um ciclo virtuoso de desenvolvimento científico, econômico e social que sustenta uma verdadeira capacidade nacional de defesa.


por Angelo Nicolaci


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