Embora a preocupação com a soberania tecnológica seja legítima, o argumento apresentado carece de um olhar mais amplo sobre a realidade da Base Industrial de Defesa (BID). O que existe no Brasil não é um processo de perda de tecnologia, mas sim uma abertura controlada e estratégica a investimentos internacionais, que quando bem regulados, fortalecem a capacidade produtiva e tecnológica do país.
Capital estrangeiro não é novidade
O caso SIATT/EDGE não é o primeiro, nem o mais representativo, da presença de capital estrangeiro em empresas de defesa brasileiras. Temos exemplos bem sucedidos de investimento de capital estrangeiro e participação de grupos estrangeiros na industria nacional de defesa, como a AEL Sistemas, sediada em Porto Alegre, com participação do grupo israelense Elbit Systems desde o início dos anos 2000. Mesmo com participação estrangeira, a empresa é peça fundamental em programas estratégicos nacionais, como o caça Gripen E/F, o cargueiro KC-390 Millennium e o sistema de comunicações criptografadas Link-BR2 da Força Aérea Brasileira, mantendo desenvolvimento de soluções nacionais, e com um corpo tecnico de alto nível, investindo pesado na especialização e formação de técnicos e engenheiros brasileiros.
Outro exemplo é a ARES Aeroespacial e Defesa, também com participação da Elbit, que produz no Brasil sistemas de armas remotamente controlados, miras e sensores empregados pelo Exército e pela Marinha. A ARES não apenas fabrica em território nacional, mas desenvolve tecnologias, gera empregos, treina mão de obra local e participa de programas de nacionalização de componentes, exatamente o oposto do que se esperaria de uma empresa “desnacionalizada”.
A Helibras, instalada em Itajubá (MG), é outro caso emblemático. Hoje totalmente controlada pela Airbus Helicopters, a empresa mantém uma das mais modernas linhas de montagem de helicópteros da América Latina, responsável pela produção e manutenção de aeronaves civis e militares, inclusive os H225M das Forças Armadas. Ainda que sob controle francês, a Helibras segue sendo uma das principais fontes de transferência de tecnologia e formação técnica no país.
Em todos esses casos, o capital estrangeiro veio acompanhado de investimento, modernização e integração industrial, sem perda de controle estratégico por parte do Estado brasileiro.
O que está em jogo é investimento e expansão, não entrega de soberania
O discurso de que a entrada do grupo EDGE na SIATT representa uma “entrega” de tecnologia brasileira não se sustenta diante dos fatos. O acordo, como outros do setor, prevê compartilhamento de propriedade intelectual, produção nacional e transferência de conhecimento, sob supervisão da Marinha do Brasil e em conformidade com a legislação que rege as Empresas Estratégicas de Defesa (EED).
É importante destacar que a tecnologia do MANSUP, míssil antinavio desenvolvido pela Marinha, permanece sob controle nacional. O investimento da EDGE, 49,9% de participação, injeta capital para ampliar a capacidade industrial da SIATT, permitindo que a empresa desenvolva novos produtos, como o MANSUP-ER, de maior alcance, e outras soluções inteligentes voltadas à exportação. Trata-se, portanto, de expansão tecnológica, e não de esvaziamento.
Vale lembrar que o setor de defesa exige investimentos vultosos e de longo prazo, algo difícil de sustentar apenas com recursos públicos. Parcerias internacionais bem estruturadas permitem ao Brasil participar de cadeias globais de valor, manter empregos qualificados e incorporar tecnologias de ponta. E isso só é possível com a entrada de capital e cooperação técnica.
Salvaguardas legais e controle nacional
O Brasil não está desprotegido nesse processo. A legislação que rege a Base Industrial de Defesa, especialmente o credenciamento de Empresas de Defesa (ED) e Empresas Estratégicas de Defesa (EED), impõe critérios rígidos de controle, conteúdo nacional e propriedade intelectual. Nenhuma empresa pode receber esse status se o comando ou as decisões estratégicas estiverem fora do país.
Isso significa que, mesmo com participação estrangeira minoritária, o controle decisório e tecnológico continua em mãos brasileiras. O que o país ganha é fôlego financeiro, acesso a novos mercados e, em muitos casos, atualização de processos produtivos que exigem grande investimento.
Cooperação estratégica é o caminho
A indústria de defesa moderna não se sustenta no isolamento. Mesmo potências militares como Estados Unidos, França e Índia dependem de parcerias cruzadas e intercâmbio tecnológico. O segredo está em negociar de forma inteligente, com cláusulas claras sobre propriedade intelectual, nacionalização progressiva e exportações sob anuência do governo brasileiro.
Em vez de demonizar o capital estrangeiro, o debate deveria se concentrar em como atrair investimentos que ampliem nossa autonomia industrial e científica. É justamente o capital externo, quando aliado à expertise nacional, que permite criar empregos, ampliar capacidade produtiva e acelerar o domínio de tecnologias sensíveis.
Conclusão: o que se vê é fortalecimento, não desnacionalização
A narrativa de “desnacionalização silenciosa” ignora a história recente da Base Industrial de Defesa. Empresas com capital estrangeiro já operam há décadas no país sem que isso tenha significado perda de soberania. Ao contrário: contribuíram para a formação de engenheiros, técnicos e centros de P&D de alto nível.
O desafio, portanto, não é barrar o capital externo, mas usar a inteligência institucional do Estado brasileiro para garantir que cada parceria traga transferência real de conhecimento e crescimento industrial.
O caso SIATT/EDGE, quando analisado com base em fatos e na legislação vigente, mostra exatamente isso: investimento, ampliação de capacidade e inserção internacional, com salvaguardas que asseguram o controle nacional sobre tecnologias sensíveis.
O Brasil não está se desnacionalizando. Está aprendendo a crescer com estratégia, e a transformar investimento em soberania.
por Angelo Nicolaci
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