sexta-feira, 15 de abril de 2016

'Ainda que haja mudança no cenário político, continuaremos tendo muitos inimigos no poder', diz Deltan Dallagnol

Sob holofotes desde que começou a revelar o maior esquema de corrupção da política brasileira, o Ministério Público Federal de Curitiba já foi alvo de muitas críticas e outros tantos elogios pela condução da operação Lava Jato. Mas, diante de um cenário político instável, o futuro reserva à Procuradoria "mais e mais inimigos", segundo o coordenador da força-tarefa das investigações.
Deltan Dallagnol, que está na operação desde a primeira fase, diz temer que as investigações sejam barradas ou atrapalhadas por ações de parlamentares no Legislativo. Em entrevista à BBC Brasil, ele afirma que, mesmo com uma eventual mudança advinda do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a Lava Jato enfrentará tentativas de "obstruir as investigações".
"Mude ou não o governo, continuaremos tendo muitos inimigos no poder, porque grande parte das pessoas que estão no Congresso e que potencialmente venham a assumir inclusive o poder Executivo são investigadas pela Lava Jato", afirmou Dallagnol.
O procurador citou alguns projetos de medida provisória (MP) que parlamentares têm sugerido e que, na visão dele, servirão apenas para dificultar a punição de políticos corruptos.
"A nossa única defesa hoje é a opinião pública", diz.
Ao mesmo tempo, a operação enfrenta crítica de alas do mundo jurídico e da sociedade - alguns veem "seletividade" nas ações contra governistas ou exagero nas prisões preventivas, que segundo esse raciocínio forçariam os presos aderir à delação premiada. Há também episódios cercados de polêmica, como a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Leia os principais trechos da entrevista com Dallagnol:
BBC Brasil - A Lava Jato está sob os holofotes há dois anos e tem sofrido “pressão” de todos os lados – mídia, governo, opinião pública. Como o MPF lida com isso?
Deltan Dallagnol - O Ministério Público como instituição é separado dos demais poderes e não sofre qualquer ingerência do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. Ele é um órgão peculiar nesse ponto. Segue unicamente a Constituição, as leis e a nossa consciência. Essa é uma proteção que a sociedade nos deu para atuarmos de modo isento num momento turbulento como este.
Mas é claro que sofremos pressões decorrentes de críticas, de reações de pessoas investigadas, cobrança de resultados. Existe uma percepção de que boa parte da sociedade coloca suas esperanças de ser alcançada a Justiça em relação a esses desvios monstruosos de recursos sobre os ombros da operação Lava Jato.
BBC Brasil - Fala-se em um possível "acordão" entre os deputados para obstruir as investigações da Lava Jato após o processo do impeachment. O senhor teme que isso possa, de fato, acontecer?
Dallagnol - A única proteção que nós temos é a sociedade, eu não tenho dúvida que, de modo ostensivo ou de modo sorrateiro, diversas pessoas com poder econômico e político tentarão derrubar a Lava Jato. Somos alvo daqueles que são investigados, e o número de investigados cresce a cada dia.
Eu temo com certeza esse tipo de mudança. Porque ainda que exista alguma mudança na chefia do poder Executivo - e cumpre lembrar que o Ministério Público é neutro em relação a qualquer coisa relacionada ao impeachment, porque somos um órgão independente do governo -, mude ou não o governo, nós continuaremos tendo muitos inimigos no poder, porque grande parte das pessoas que estão no Congresso e que potencialmente venham a assumir inclusive o poder Executivo são investigadas pela Lava Jato.
BBC Brasil - Uma das possíveis formas de obstrução seriam mudanças nas leis para 'favorecer' corruptos...
Dallagnol O que nós vemos é uma movimentação semelhante ao que aconteceu na Itália no sentido de que a cada dia que passa, nosso número de inimigos aumenta.
Conforme o número de inimigos aumenta, as críticas aumentam, porque essas pessoas investigadas têm poder político e econômico e elas fazem parte das principais decisões sobre os rumos do nosso país no âmbito econômico e político.
E o que eles dizem pode e deve ser retratado pela imprensa, ainda que seja uma crítica à operação Lava Jato. Algumas críticas, como a de que prisões são usadas para garantir colaborações (delações), não têm o menor sentido, porque mais de 75% de nossas colaborações foram feitas com réus soltos.
Só que acaba havendo uma repetição incisiva frequente de críticas infundadas, e vale aqui a máxima do (Joseph) Goebbels de que uma mentira repetida mil vezes acaba parecendo verdade. E isso pode gerar um prejuízo no suporte à operação, como aconteceu na Itália.
Na Itália, conforme as investigações avançavam, essas críticas aumentaram, criticas de abusos que jamais foram comprovados, mesmo depois de 15 anos, mas elas foram suficientes pra diminuir o apoio da opinião pública e haver um contra-ataque ou uma reação do sistema corrupto.
E em vez de se avançar em reformas construtivas e positivas, a reação do sistema foi para manter essas condições que favoreciam a corrupção e para obstruir as investigações. Lá se chegou a passar o projeto "Salva Ladrões", que proibia prisão preventiva no caso de corrupção.
Processos criminais duram anos, e é muito improvável que a opinião pública continue dando a atenção intensa que tem dado à Lava Jato e que (a operação) continue repercutindo na imprensa no mesmo nível que tem repercutido até hoje. Isso vai abrir um espaço para que pessoas que agem nas sombras possam arregaçar as mangas e se mover pra aprovar mudanças contra a operação.
BBC Brasil - Como se daria isso?
Dallagnol - Eu vejo três grandes riscos pra operação: o primeiro são essas críticas repetidas ainda que infundadas. Porque é isso que pode diminuir o apoio da opinião pública e permitir o segundo grande risco, de que as instituições legislativas cerceiem as investigações.
Quando você vê algumas propostas como a MP da leniência, a proibição da colaboração de pessoas presas, a impossibilidade de execução da pena senão depois do julgamento em última instância... É muito claro que o objetivo desses projetos é obstruir as investigações.
A nossa única defesa hoje é a opinião pública - nós não temos poder econômico, nós não temos poder político, nós temos apenas a população e a sociedade do nosso lado e, se o primeiro risco que eu mencionei acontecer, a gente perde a única força que tem.
O terceiro foco de risco é a atuação do ministro da Justiça (Eugênio Aragão) junto à parte da investigação conduzida pela Policia Federal. Ele pode decidir interferir nos trabalhos porque é parte do Poder Executivo, e algumas entrevistas que ele deu já deixaram margem para interpretação de que uma interferência dele é possível.
BBC Brasil - A Lava Jato revelou um esquema de corrupção que “rege” a política do país. Acha que ela poderá mudar a forma como a política é feita aqui?
Dallagnol - No tocante à contribuição para a mudança dos sistemas jurídico e político, nós temos um problema crônico político em razão de o nosso sistema estimular a corrupção.
E temos um problema crônico no sistema de justiça criminal que estimula corrupção por não punir criminosos - basta ver que apenas 3% dos crimes de corrupção são punidos.
Nesses pontos, a Lava Jato faz um diagnóstico, ela não faz prognóstico. Ela mostra o quanto o sistema político é corrupto, o quanto ele é desviado, apodrecido, o quanto ele influencia e estimula a existência da corrupção em altos níveis. Mas a Lava Jato não faz a cura. A cura só pode vir da sociedade.
Por isso que é importante que a sociedade, principalmente através do Parlamento, discuta projetos que possam mudar o sistema de justiça criminal e o sistema político. Nós fizemos uma proposta, uma série de dez medidas anticorrupção, e a sociedade abraçou isso: colhemos 2 milhões de assinaturas e apresentamos no Congresso. Então exista uma resposta concreta por mudança na mesa.
Agora precisamos avançar também em uma reforma política. O projeto que eu conheço que pode ser colocado na mesa e que traz melhorias significativas é o da Reforma Política Democrática, criado pelo (juiz) Marlon Reis, mesmo autor da (lei da) Ficha Limpa.
BBC Brasil - A operação despertou vários debates sobre o foro privilegiado. Qual é o modelo que vocês consideram que seria mais adequado para o país?
Dallagnol - Mais cedo ou mais tarde, precisaremos alterar o modo como funciona o foro privilegiado no Brasil. O foro por prerrogativa de função é para garantir a estabilidade do funcionamento das instituições, o desempenho de funções essenciais numa República, para que o país funcione.
Agora o foro estabelece uma desigualdade perante a Lei, porque algumas pessoas passam a ser julgadas pelo tribunal especial (o STF), de hierarquia superior. Isso deve acontecer apenas quando houver justificativa consistente para a quebra dessa igualdade, apenas em casos em que isso seja realmente necessário.
A experiência mundial mostra que o foro por prerrogativa de função é necessário para apenas poucas autoridades de um país. Ou seja, para cerca de 10, 20 autoridades de um país. Normalmente, o número é até menor do que isso. No Brasil, nós temos foro por prerrogativa de função para mais de 20 mil pessoas. Isso é uma aberração. Isso é uma violação do princípio republicano.
Para além de uma violação de igualdade, essa discrepância acaba atrapalhando as investigações, porque tribunais não têm um perfil institucional de investigação. O Supremo Tribunal Federal julga cerca de 100 mil casos por ano, enquanto a Suprema Corte americana julga 100 casos por ano. Ou seja, a conformação do STF já deixou essa corte abarrotada de casos.
Numa investigação, você precisa que as decisões que deem acesso a documentos bancários, fiscais e a interceptações telefônicas sejam proferidas com celeridade.
E estatísticas mostram que no Supremo isso demora semanas, ou até mesmo meses e, em alguns casos, anos. Uma investigação não pode, muitas vezes, aguardar esse tempo, que é um tempo próprio dos tribunais.
Essa não é nenhuma crítica ao Supremo, não é nenhum demérito dos tribunais. A questão é que nós precisamos mudar o modo como funciona a nossa Justiça para que os casos, mesmo que envolvendo parlamentares, passem a tramitar de modo mais eficiente.
O que vemos hoje é um esforço extraordinário do ministro Teori (Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo) e de sua equipe para conseguir gerir com celeridade um caso criminal em razão da repercussão e da importância dos fatos que estão ali indicados.
Agora isso com certeza trará prejuízos para uma série de outros casos que estão submetidos ao Supremo. Precisaríamos de uma reforma para não só diminuir o foro privilegiado só para aquelas funções essenciais, mas também pra reduzir o número de atribuições do Supremo e torná-lo um tribunal que pode dar atenção mais centrada e especial aos casos mais relevantes do país que são levados ao seu julgamento, como nos Estados Unidos.
Fonte: BBC Brasil
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