Pouca gente se dá conta, mas a internet que conecta o celular, o computador do trabalho, os sistemas bancários e até mesmo os órgãos de governo não depende de satélites ou de estruturas espalhadas em antenas pelo mundo. Mais de 95% do tráfego de dados globais corre por cabos submarinos de fibra óptica instalados no fundo do mar. Essa imensa teia intercontinental é a espinha dorsal da comunicação digital, garantindo transações financeiras de trilhões de dólares por dia, a operação do comércio eletrônico, a conectividade de plataformas de petróleo e até a segurança de sistemas militares.
No Brasil, são mais de 150 mil quilômetros de fibras ópticas submersas, que ligam o País a diversos continentes e aos principais hubs de telecomunicações globais. A cidade de Fortaleza (CE) desponta como um dos pontos mais estratégicos do planeta nessa rede: sozinha, ela abriga 16 cabos que conectam a América do Sul à Europa, à América do Norte e à África Ocidental.
Apesar de invisíveis ao olhar comum, esses cabos representam um ativo de segurança nacional e econômica. O Capitão de Fragata Paulo Ricardo Rodrigues dos Santos, especialista em proteção de cabos submarinos do Comando Naval de Operações Especiais, alerta: “O cuidado e a manutenção dessa rede são considerados questões de segurança nacional e econômica. Proteger a rede de dados de internet por onde cerca de 181 milhões de brasileiros navegam diariamente é um desafio gigantesco”.
Exercícios inéditos da Marinha
Foi a partir desse diagnóstico que a Marinha do Brasil iniciou, em 2024, um ciclo de exercícios inéditos de proteção de cabos submarinos. O primeiro ocorreu em maio, no litoral do Rio de Janeiro, reunindo navios, mergulhadores de combate, tropas de operações especiais e drones de superfície em uma simulação de incidentes reais registrados no Brasil e no exterior nos últimos anos.
O próximo exercício já está marcado: novembro de 2024, em Fortaleza (CE), com foco nas proximidades da Praia do Futuro, onde estão localizadas importantes estações terrestres que recebem cabos internacionais. Diferente do primeiro, o novo treinamento seguirá um modelo europeu, estruturado no trinômio “Conhecer – Vigiar – Agir (quando necessário)”, e contará com a participação integrada de órgãos governamentais e empresas de telecomunicações.
A operação será dividida em duas frentes:
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Em terra: o Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais e o 3º Batalhão de Defesa Litorânea atuarão na segurança das instalações e na retomada de uma estação terrestre da Angola Cables, em simulação de incidente.
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No mar: um Navio-Patrulha do 3º Distrito Naval, equipes do Grupamento de Mergulhadores de Combate (GRUMEC) e o Navio de Socorro de Submarinos “Guillobel” farão a proteção dos pontos de afloramento dos cabos, garantindo que nenhuma ameaça comprometa a integridade da rede.
Fortaleza: um hub global
A escolha de Fortaleza não foi por acaso. Geograficamente posicionada ao leste das Américas, a cidade é hoje o segundo maior hub de cabos submarinos do mundo, ficando atrás apenas de Marselha, na França. Segundo dados da Telegeography, a capital cearense conecta o Brasil a todos os grandes continentes, com destaque para:
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África Ocidental: cabos SAIL e SACS;
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Europa: cabo Ellalink;
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América Central e do Norte: oito cabos, entre eles GlobeNet, SAM-1, AMX-1 e BRUSA;
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Outros hubs nacionais: Praia Grande (SP), Salvador (BA) e Rio de Janeiro (RJ).
Essa posição estratégica torna o Ceará um ponto sensível e, ao mesmo tempo, vital para a segurança da internet brasileira e para a integração digital com o resto do mundo.
Da guerra digital à economia global
A proteção dessa rede não é apenas uma questão técnica, mas um tema de geopolítica. Nos últimos anos, a Europa e a OTAN enfrentaram episódios de sabotagem de cabos no Mar Báltico e no Mar do Norte, em meio à guerra da Ucrânia. No Mediterrâneo, cabos também foram danificados em regiões de tensão.
O Capitão de Fragata Paulo Ricardo destaca que a conduta das guerras modernas é fortemente impactada pela inovação tecnológica: “Os avanços da ciência sempre ditaram o ritmo das transformações dos conflitos armados. Proteger cabos submarinos é também preparar o País para cenários de guerra híbrida e de ciberconflitos”.
No campo econômico, a relevância é igualmente crítica. O Brasil tem hoje capacidade de transmissão equivalente a 610 terabytes de informações por segundo, mas a interrupção de um único cabo pode gerar prejuízos bilionários. Um dia sem internet poderia paralisar transações bancárias, bolsas de valores, comércio eletrônico, aviação civil e serviços públicos essenciais.
Parcerias estratégicas
Para garantir a eficácia das operações, a Marinha tem atuado em parceria com grandes empresas de telecomunicações e provedores de infraestrutura, como Google, Meta, Amazon e Microsoft, que investem diretamente na expansão e manutenção dessa rede. No Brasil, companhias como Angola Cables, Claro Brasil, V-TAL Globe Net, Ella Link e Seaborn Networks participaram do 2º Workshop sobre Proteção de Cabos Submarinos, realizado em agosto, que também reuniu representantes do GSI, da Anatel e da ANACOM, de Portugal.
O evento consolidou a percepção de que a defesa dessa infraestrutura não é apenas uma responsabilidade militar, mas um esforço conjunto que envolve Estado, empresas e organismos internacionais.
Além do treinamento operacional, os exercícios têm servido como laboratório para o desenvolvimento de novas tecnologias e políticas públicas. Entre as inovações em discussão está a instalação dos chamados smart cables, fibras equipadas com sensores duais capazes de coletar dados de segurança e informações científicas, como monitoramento de terremotos e mudanças climáticas.
Outro desafio é o alto custo da infraestrutura. Cada cabo submarino pode custar até 10 milhões de dólares por quilômetro, e a manutenção da rede chega a cifras bilionárias. Além disso, os cabos têm vida útil de cerca de 25 anos, exigindo investimentos constantes em renovação e diversificação das rotas.
Linha do tempo da conectividade
O Brasil tem longa tradição na conexão submarina. Já em 1857, foi instalada a primeira linha telegráfica ligando a Praia da Saúde (RJ) a Teresópolis. Em 1988, veio o primeiro cabo transoceânico de fibra óptica, conectando EUA, Reino Unido e França.
Hoje, o País opera com 15 cabos ativos, e sua importância só cresceu com a explosão da internet nos anos 2000. A tendência é de aumento da demanda, exigindo mais resiliência, redundância e capacidade de resposta em caso de incidentes.
Segurança marítima integrada
A proteção dos cabos está inserida na doutrina da Amazônia Azul, conceito estratégico que engloba as Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e a vasta riqueza natural e tecnológica presente no mar territorial. O monitoramento é feito pelo Comando de Operações Marítimas e Proteção da Amazônia Azul (COMPAAz), em parceria com os Distritos Navais e as Capitanias dos Portos, que fiscalizam atividades suspeitas próximas aos cabos.
Em caso de detecção de anomalias ou navios não autorizados, a estrutura de defesa é acionada, envolvendo navios-patrulha, meios aéreos e inteligência marítima.
Um desafio de Estado
Mais do que um exercício militar, a proteção de cabos submarinos é um desafio de Estado. Ela envolve segurança nacional, soberania digital, estabilidade econômica e a própria vida cotidiana da população.
Como ressaltou o CF Paulo Ricardo: “O uso do leito do mar é a forma mais econômica, eficaz e segura para se transferir cerca de 15 trilhões de dólares em transações, por dia. Mas a confiança não pode ser exagerada. Uma interrupção do sistema gera consequências significativamente negativas para a segurança e a prosperidade do País.”
Com os novos exercícios, o Brasil dá um passo decisivo para garantir que essa rede invisível continue sustentando a sociedade digital, blindada contra sabotagens, acidentes e ameaças globais.
GBN Defense - A informação começa aqui
com Marinha do Brasil
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