quarta-feira, 27 de outubro de 2010

RÚSSIA, PARCEIRO INDISPENSÁVEL?


Há visões muito diferentes, no seio da OTAN, sobre a necessidade e forma de fazer progredir o relacionamento com a Rússia. Como conciliar essas visões, sob a forma de uma política coerente, é um dos mais importantes desafios a que o novo conceito estratégico da Aliança deve responder.

A Europa divide-se entre duas posições extremas. Por um lado, os que continuam a olhar a Rússia como uma ameaça à sua segurança e vêm na OTAN a garantia da sua defesa. Por outro lado, os que procuram ativamente um entendimento com Moscou, sob a ideia de que não pode haver, verdadeiramente, uma segurança européia global sem a participação da Rússia; inclui-se nos argumentos deste grupo o papel que a Rússia pode ter na solução dos problemas energéticos da Europa, no médio prazo, pelo menos.
Mas não é apenas por estas diferentes visões no campo europeu que a questão do estabelecimento de uma parceria com a Rússia se tornou muito complexa. É também, em grande parte, pela posição da própria Rússia e dos EUA. Washington precisa, no seu próprio interesse, de melhorar o relacionamento com a Rússia, mas não se mostra disposto a alterar a essência da política de contenção da Rússia – evitar o regresso ao anterior estatuto de potência imperial. No entanto, também não subscreve os receios dos que avaliam a situação a Leste como prioritária para OTAN (são principalmente os três países do Báltico). Os EUA consideram importante a segurança a Leste, mas obviamente não vêem na Rússia uma ameaça à Europa. Pelo que se disse anteriormente, esta posição acaba por em nada ajudar a resolver a divisão entre os europeus.

A postura russa é a principal dificuldade. Logo, em primeira instância, porque nada tem feito - bem ao contrário - para ajudar a enterrar o passado do domínio soviético, para fazer esquecer as razões de queixa que as antigas Repúblicas da União e países satélites conservam desses tempos e impedir que essas lembranças continuem a interferir no futuro. Depois, porque a utilização que Moscou faz dos seus recursos energéticos tem frequentemente contornos de coação, em especial, na vizinhança próxima, aproveitando a dependência em alguns casos quase total que se verifica nesses países (100% em relação ao gás, no caso da Lituânia, Letônia e Finlândia, por exemplo).

Moscou quer uma nova arquitetura de segurança para a Europa. Alega o Presidente Medvedev, que a atual não permite resolver os conflitos com eficácia por excesso de fragmentação na forma como os europeus se relacionam internacionalmente, em matéria de segurança e defesa (OTAN, UE, OSCE, etc.). No entanto, as razões de fundo da sua proposta decorrem de não ter qualquer voz ativa nas duas primeiras instituições, as que, de fato, cuidam da segurança e defesa na Europa.

Moscou já concluiu que os instrumentos de participação que a OTAN lhe tem oferecido não lhe dão qualquer capacidade de participação efetiva, de ser ouvido, de ter influência no respectivo processo de decisão. Aceitou o que lhe foi proposto porque, estando impotente para parar o alargamento da OTAN, viu nos mecanismos que então a Aliança criou - primeiro o “Political Joint Committee” e depois o OTAN/Russia Council - alguma possibilidade de participação útil. Esta esperança levou um primeiro golpe com a crise do Kosovo e depois desapareceu com os alargamentos por que a OTAN passou, em particular, o de 2004 em que nove dos 12 membros admitidos vinham precisamente da área de influência soviética, nomeadamente, os três países do Báltico que constituíam o caso mais sensível para Moscou.

O que o Presidente Medvedev pretende precisamente ainda não se tornou claro, entretanto em avançado com uma proposta de Tratado. Presume-se, que agora, de forma mais realista do que no início deste processo, já não pretende substituir o que existe, nem tentar dissociar a participação dos EUA da defesa da Europa. Em alternativa, defende uma arquitetura que englobe as organizações existentes num novo quadro de compromissos, assente no princípio de que as medidas a implementar têm que ter em atenção os interesses de todas as partes. Refiro-me ao nº1 do artigo 2º da proposta apresentada, regra que, na prática e se aceita, introduziria o direito de veto a, por exemplo, um novo alargamento da OTAN, se a Rússia alegasse que afetaria os seus interesses.

Têm sido dado alguns passos para tentar demonstrar que a organização de segurança existente, incluindo as mudanças recentemente feitas, não está feita contra a Rússia; inclui-se aqui, por exemplo, a mudança de percurso decidida pelo Presidente Obama na área da defesa anti-míssil. Mas a verdade é que também não está a sendo feita com Moscou, pelo menos na óptica do Kremlin, como acima explicado. Aliás, a possibilidade, que continua em aberto, do alargamento da OTAN continuar e, eventualmente, incluir a Ucrânia deixa escassas as perspectivas de melhoria do relacionamento, e menos ainda o estabelecimento de uma parceria com finalidade prática, isto é, que permita aos europeus conseguir o que necessitam em troca do que possam ceder.

Não é este, no entanto, o problema central. A principio, uma parceria com a Rússia na área da segurança européia estará sempre limitada pelo fato desse setor estar centralizado em duas instituições (OTAN e UE) de que a Rússia não faz parte, e com as quais mantém apenas ligações muito tênues. Não se imagina que esta situação possa se alterar proximamente; há explicações dos dois lados que não permitem prever outro desfecho. Da parte da Rússia, porque não é essa a prioridade; como se viu acima, o objetivo de Moscou é a construção de uma nova arquitetura de defesa e não a sua integração na existente. Da parte dos aliados, porque a “desejabilidade” de participação da Rússia na segurança européia, embora consensual para vários países europeus, não tem força suficiente para levar o coletivo a alterar a política de “incorporação”, que tem sido seguida desde o fim da Guerra Fria, por uma estratégia de “integração” implicando a aceitação da inclusão da Rússia nos processos de decisão dessas duas instituições.

Não quer isto dizer que não existe margem de manobra para tentar mudar, de algum modo, esta realidade; existe alguma possibilidade no funcionamento do OTAN-Russia Council (ORC), mas sob condições. O Relatório do Grupo de Peritos refere a principal quando recomenda que a agenda da ORC passe a responder às preocupações de segurança de ambas as partes («Allies should work with Russia to ensure an agenda for the NRC that responds in a frank and forward looking way to the security concerns of both sides ...»). O NRC é o único mecanismo disponível para desenvolver formas de cooperação susceptíveis de se traduzirem por uma maior inclusão da Rússia e induzirem uma maior transparência no relacionamento, isto é, darem uma maior e mais eficaz dimensão ao esforço de “incorporação”. Há, portanto, que tentar dar continuidade a exploração de sua potencialidade, mudando o respectivo estatuto onde necessário.

Parece-me ser também sob uma perspectiva idêntica que a UE tem agora apreciado uma iniciativa da Chanceler Merkel e do presidente Medvedev para a criação do Euro-Russia Political and Security Committee (a qual a França e Polônia já aderiram). Vamos ter oportunidade em curto prazo de verificar até que ponto esta iniciativa européia poderá inspirar a OTAN para seguir um caminho semelhante.

Fonte: Jornal Defesa e Relações Internacionais

Adaptação: Angelo D. Nicolaci

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