No século XXI, a geopolítica não é mais definida apenas por território, recursos energéticos ou alianças militares tradicionais. Um elemento químico, presente em minérios raros, emergiu como fator central na liderança tecnológica e na segurança global: as terras raras. Esse grupo de 17 elementos químicos, que inclui lantânio, neodímio, cério e ítrio, possui propriedades únicas que permitem avanços em sistemas magnéticos, ópticos e eletrônicos. Seu valor estratégico é imenso: ímãs de alto desempenho, ligas metálicas, baterias de alta densidade e componentes críticos de computadores e radares dependem dessas substâncias, tornando-as insubstituíveis em muitas aplicações militares.
A importância das terras raras é ainda mais evidente quando se observa sua presença em tecnologias de ponta da defesa moderna. Caças stealth, como o F-35, utilizam ímãs de neodímio em seus motores, sistemas de controle de voo e sensores, garantindo desempenho, precisão e furtividade. Submarinos nucleares dependem de ligas magnéticas contendo terras raras em sensores e sistemas de navegação, essenciais para operações estratégicas silenciosas e seguras. Satélites militares, radares avançados, mísseis guiados e sistemas ópticos também utilizam esses elementos, o que significa que o domínio sobre as terras raras está diretamente ligado à capacidade operacional de forças armadas modernas.
No mercado global, a geopolítica das terras raras é dominada pela China, responsável por cerca de 60% da produção mundial, incluindo o fornecimento de países tradicionalmente líderes em tecnologia militar, como os Estados Unidos. Essa concentração confere a Pequim uma alavanca estratégica decisiva, capaz de impactar diretamente o desenvolvimento tecnológico, a autonomia militar e a capacidade de resposta rápida de nações ocidentais. Um eventual embargo, restrição ou modulação do fornecimento poderia atrasar projetos críticos, desde caças de última geração até sistemas de satélites estratégicos, tornando a dependência ocidental uma vulnerabilidade estrutural.
Além da produção, a complexidade do processamento das terras raras adiciona outra camada de dependência. Embora alguns países possuam reservas minerais significativas, poucos têm capacidade tecnológica e ambiental para extrair e processar os minerais em escala industrial. Isso significa que mesmo nações ricas em reservas ainda podem depender de terceiros, no caso, majoritariamente da China, para transformar esses recursos em produtos utilizáveis em tecnologia militar. A dependência é, portanto, dual: tanto na extração quanto no processamento.
Geopoliticamente, o domínio chinês sobre as terras raras funciona como uma ferramenta de influência indireta, silenciosa, mas poderosa. Em momentos de tensão internacional ou crise militar, Pequim poderia usar o fornecimento como instrumento de pressão diplomática, afetando decisões estratégicas de aliados e parceiros. Países dependentes podem ser compelidos a adotar políticas mais conciliatórias ou ajustes em suas alianças, tudo para garantir continuidade do fornecimento de materiais críticos. Esse cenário transforma as terras raras em ponto de vulnerabilidade estratégica do Ocidente, capaz de interferir em negociações diplomáticas, corridas tecnológicas e até resultados militares.
Diante desse contexto, o Ocidente tem buscado alternativas: investimentos em reciclagem de materiais, exploração de novos depósitos na Austrália, Índia e Estados Unidos, desenvolvimento de substitutos tecnológicos e diversificação de fornecedores. No entanto, essas iniciativas ainda não atingiram a escala necessária para competir com a produção chinesa. A curva de aprendizado e o tempo exigido para criar uma cadeia produtiva eficiente mantêm o Ocidente em posição de dependência estrutural, especialmente em setores críticos de defesa.
As implicações estratégicas são claras: o domínio sobre as terras raras não se limita ao campo econômico. Ele influencia corridas tecnológicas, inovação militar e equilíbrio geopolítico global. Países que detêm controle sobre esses recursos têm uma vantagem significativa na guerra tecnológica, podendo moldar o ritmo de desenvolvimento de sistemas de defesa avançados em todo o mundo. Para o Ocidente, a vulnerabilidade não é apenas hipotética: ela representa riscos reais de atraso tecnológico, fragilidade em conflitos e menor autonomia em decisões estratégicas, tornando o acesso seguro e contínuo a esses minerais uma questão de segurança nacional.
O potencial estratégico do Brasil nas terras raras
O Brasil surge no cenário global como um ator de enorme potencial estratégico, ainda pouco explorado. O país detém cerca de 21 milhões de toneladas de terras raras, equivalentes a aproximadamente 23% das reservas mundiais, o que o posiciona como o segundo maior detentor de reservas do planeta, atrás apenas da China. Essa posição privilegiada confere ao Brasil a oportunidade de se tornar um fornecedor estratégico global, capaz de influenciar a geopolítica mineral e tecnológica do século XXI.
Apesar desse potencial expressivo, a produção nacional ainda é incipiente. Em 2024, o Brasil produziu apenas 20 toneladas, menos de 1% da produção global, estimada em cerca de 390 mil toneladas. Essa limitação não se deve à escassez de recursos, mas à ausência de infraestrutura industrial e tecnológica de grande escala, necessária para transformar o minério em insumos de alto valor agregado, essenciais para tecnologias avançadas e sistemas de defesa.
As reservas brasileiras estão concentradas em Minas Gerais, Goiás, Bahia e São Paulo, com destaque para depósitos de argila iônica, como o de Pela Ema, em Goiás, considerado um dos maiores do mundo. Esse tipo de depósito é particularmente valioso, pois contém elementos leves e pesados de terras raras, fundamentais para aplicações em imãs de alto desempenho, baterias avançadas, sistemas ópticos e eletrônicos críticos. Projetos estratégicos em desenvolvimento, como o da Serra Verde, buscam expandir a produção, construir capacidade de processamento e posicionar o Brasil como fornecedor alternativo confiável, reduzindo a dependência global da China.
Por que o investimento em terras raras é essencial
Investir na indústria de terras raras significa para o Brasil mais do que extrair minerais. Trata-se de uma estratégia de segurança, desenvolvimento e protagonismo internacional, com impactos diretos em tecnologia, economia e geopolítica:
-
Fortalecer a autonomia tecnológica nacional: o Brasil poderia produzir insumos críticos para sistemas de defesa, telecomunicações, energias renováveis e outras tecnologias de ponta, participando de cadeias de valor globais altamente sofisticadas.
-
Transformar reservas minerais em poder geopolítico: ao se tornar fornecedor estratégico, o país aumenta sua influência internacional e capacidade de negociar em fóruns globais.
-
Reduzir vulnerabilidades do Ocidente: a diversificação de fornecedores diminui a dependência em relação à China, oferecendo alternativas seguras e confiáveis para países tecnologicamente avançados.
-
Impulsionar inovação e crescimento econômico: o desenvolvimento da cadeia produtiva cria empregos qualificados, fortalece indústrias de alta tecnologia e atrai investimentos estratégicos.
A exploração plena das reservas, aliada à industrialização e capacidade de processamento de ponta, permitirá que o Brasil se torne um player global relevante, fornecendo insumos essenciais para tecnologias militares avançadas, satélites, radares e sistemas estratégicos, enquanto fortalece a segurança internacional e aumenta sua influência geopolítica.
As terras raras deixaram de ser apenas recursos minerais, são instrumentos de poder, tecnologia e segurança nacional. O domínio da China sobre a produção mundial representa uma vulnerabilidade significativa para o Ocidente, que depende desses minerais para manter sua capacidade tecnológica e militar. Para o Brasil, a situação é oposta, investir na exploração e industrialização de suas reservas é uma oportunidade histórica de transformação estratégica, posicionando o país como protagonista global, capaz de converter riqueza mineral em autonomia tecnológica, influência geopolítica e desenvolvimento sustentável.
Em síntese, as terras raras são muito mais do que commodities industriais, são instrumentos de poder global. O controle chinês sobre a produção mundial fornece à Pequim influência direta sobre a inovação tecnológica, a capacidade militar e o equilíbrio estratégico global. Para o Ocidente, essa dependência constitui uma fragilidade crítica, capaz de impactar guerras tecnológicas, alianças internacionais e decisões diplomáticas estratégicas. Em um mundo cada vez mais dependente de tecnologia de ponta para segurança e defesa, o controle de minerais estratégicos como as terras raras pode ser tão decisivo quanto o controle de territórios ou arsenais convencionais, moldando a geopolítica e a segurança global no século XXI, e o Brasil precisa despertar, começar a investir de forma série e estratégica em sua capacidade de extração de terras raras.
por Angelo Nicolaci
GBN Defense - A informação começa aqui
0 comentários:
Postar um comentário