quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Amazônia Azul: Poder Marítimo e o Futuro Estratégico do Brasil

O Brasil é reconhecido no mundo por sua vastidão territorial, suas riquezas naturais e sua posição geográfica privilegiada. No entanto, por décadas, o debate público e político sobre soberania concentrou-se sobretudo na Amazônia terrestre, ignorando que o país possui outro território de importância igual ou até superior, a Amazônia Azul. Essa expressão, cunhada pela Marinha do Brasil no início dos anos 2000, refere-se à imensa área marítima sob jurisdição nacional, que ultrapassa 5,7 milhões de km² de mar territorial e zona econômica exclusiva (ZEE), com possibilidade de expansão para mais de 6,5 milhões de km² mediante a extensão da plataforma continental aprovada pela ONU.

Trata-se de um espaço vital. Mais de 95% do comércio exterior brasileiro circula por rotas marítimas, e cerca de 90% do petróleo nacional é extraído do mar, sobretudo do pré-sal. A Amazônia Azul concentra, portanto, não apenas recursos estratégicos, como petróleo, gás, minerais e biodiversidade, mas também as linhas de comunicação marítima que conectam o Brasil ao mundo. Controlar e defender esse imenso território equivale a proteger o próprio futuro econômico e geopolítico do Brasil.

O valor estratégico da Amazônia Azul

A relevância da Amazônia Azul vai além da economia. No cenário internacional, o mar brasileiro é parte do Atlântico Sul, região cada vez mais disputada em função do avanço da exploração energética offshore, das rotas de comércio entre América, África e Ásia e da presença de potências extrarregionais, como Estados Unidos, Reino Unido, França e China. Não é coincidência que bases militares estrangeiras se espalhem pela costa africana do Atlântico, ou que navios de guerra de grandes potências façam presença frequente na região.

Para o Brasil, essa realidade impõe um dilema estratégico: manter sua condição de potência regional exige mais do que retórica, é preciso capacidade real de controle e dissuasão. Se a Amazônia terrestre é alvo de pressões internacionais sob a bandeira ambiental, a Amazônia Azul pode tornar-se alvo sob o pretexto da “livre navegação” ou da “governança internacional dos recursos marinhos”. A defesa dessa imensa área não é, portanto, apenas militar, mas também política e diplomática.

Desafios da defesa marítima brasileira

O poder marítimo brasileiro tem como pilar a Marinha do Brasil, cuja missão central é assegurar a soberania nacional sobre a Amazônia Azul. Entretanto, a atual capacidade da Força de Superfície está muito aquém do que preconiza a própria doutrina naval brasileira. A Estratégia Nacional de Defesa e os documentos da Marinha indicam a necessidade de, no mínimo, 18 escoltas modernas para garantir a presença permanente, a proteção das linhas de comunicação marítimas e a defesa de áreas sensíveis como o pré-sal. Hoje, a realidade é crítica: a espinha dorsal da frota ainda é composta por navios construídos nas décadas de 1970 e 1980, as classes Niterói e Greenhalgh, muitos já em processo de descomissionamento, operando no limite de seus ciclos de vida.

O Programa Fragatas Classe Tamandaré (PFCT), embora essencial, prevê apenas quatro unidades, cuja primeira entrega está programada para o final de 2025. Em um quadro de urgência, tais meios chegam como substitutos, e não como reforço. Em termos operacionais, isso significa apenas trocar navios obsoletos por modernos, sem ganho numérico que amplie a capacidade da Esquadra. Para efeito comparativo, marinhas de países com responsabilidades geopolíticas menores, como a do Chile, com oito fragatas, ou a da Colômbia, que planeja renovar sua frota com pelo menos cinco novas unidades, já apresentam uma proporção de escoltas superior à brasileira.

A consequência prática é clara: com apenas quatro novas fragatas, o Brasil permanecerá distante do patamar mínimo necessário para cobrir de forma eficaz sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de mais de 5,7 milhões de km², além de comprometer a capacidade de dissuasão no Atlântico Sul. A lacuna entre o que a doutrina considera indispensável e o que efetivamente será entregue expõe um risco estratégico imediato, evidenciando que o país continua a operar em uma lógica de substituição pontual, quando a realidade impõe uma expansão consistente e planejada de sua Força de Superfície.

No campo dos submarinos, o Programa de Submarinos (PROSUB) representa um verdadeiro marco para o Brasil. O projeto contempla quatro submarinos convencionais da classe Riachuelo (S-BR), já em diferentes fases de entrega, além do ambicioso Submarino Nuclear Álvaro Alberto (SN-BR), o primeiro da América Latina. Enquanto os S-BR oferecem significativa capacidade de negação do uso do mar em áreas estratégicas próximas ao litoral, o SN-BR introduzirá um salto qualitativo sem precedentes: graças à propulsão nuclear, será capaz de patrulhar grandes extensões oceânicas com maior permanência submerso, velocidade sustentada e alcance praticamente ilimitado, ampliando de forma substancial o poder de dissuasão nacional.

No entanto, a quantidade de apenas quatro submarinos da classe Riachuelo revela-se insuficiente diante das demandas estratégicas brasileiras. A frota atual, ao considerar a chamada “diagonal de manutenção”, conceito segundo o qual nem todas as unidades estão disponíveis simultaneamente, devido a inspeções, modernizações e Períodos de Manutenção Geral (PMG) que podem durar de 18 a 24 meses, limitando severamente a presença operacional constante no mar. Na prática, com quatro unidades, dificilmente mais de duas estariam plenamente disponíveis para emprego imediato, o que reduz a flexibilidade estratégica do Brasil. Para um cenário de vigilância e dissuasão compatível com a dimensão da “Amazônia Azul”, o ideal seria operar entre seis e oito submarinos convencionais da classe Riachuelo. Esse número permitiria assegurar presença contínua em múltiplos pontos de interesse, mesmo com parte da frota em manutenção ou treinamento.

Já no campo nuclear, a previsão inicial de apenas um SN-BR é insuficiente para consolidar a capacidade estratégica que se busca. Um único submarino nuclear tende a operar mais como um protótipo ou vetor experimental de doutrina do que como um elemento plenamente operacional de dissuasão. O patamar considerado adequado por muitos analistas situa-se entre três e quatro unidades, o que garantiria sempre pelo menos uma em patrulha, uma em preparação e outra em manutenção, mantendo a continuidade de presença e credibilidade do sistema de dissuasão. Menos que isso comprometeria a efetividade do investimento e deixaria o Brasil vulnerável a lacunas estratégicas.

O PROSUB, portanto, não é apenas um programa de aquisição, mas um esforço de transformação estrutural, que envolve o domínio de tecnologias críticas, a criação de infraestrutura inédita no País e a formação de gerações de engenheiros, técnicos e militares especializados. O grande desafio está na manutenção do fluxo orçamentário e na definição clara de prioridades nacionais, de modo a não apenas concluir o SN10 Álvaro Alberto, mas também expandir a frota de submarinos convencionais e planejar uma série mínima de SN-BRs que garanta efetividade à doutrina de negação e dissuasão no Atlântico Sul.

A defesa marítima do Brasil vai muito além da simples composição da esquadra. Para ser eficaz, exige um sistema integrado de forças, capaz de atuar de forma coordenada em toda a Amazônia Azul e em operações expedicionárias, reunindo Fuzileiros Navais, aviação naval, esquadra, sistemas de monitoramento, radares, drones, bases de apoio e logística avançada.

O Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) é o núcleo das operações expedicionárias e precisa expandir suas capacidades com meios modernos e tecnologias ainda em desenvolvimento. Entre as demandas estratégicas destacam-se: a defesa de costa com mísseis de alcance médio e longo MANSUP com a plataforma ASTROS, a ampliação da capacidade de artilharia, atualmente limitada a lançadores de foguetes Astros e obuseiros leves L118 Light Gun de 105mm, e a modernização de blindados. Capacidades desejáveis incluem obuseiros autopropulsados de 155mm, lançadores de foguetes de alta mobilidade, artilharia pesada de longo alcance (155mm) e blindados de nova geração, todos integrados ao emprego de drones e plataformas SARPs para inteligência, vigilância e direcionamento de fogo. Esses sistemas proporcionariam apoio de fogo preciso, mobilidade operacional, alcance estratégico e consciência situacional em tempo real, elementos essenciais para operações litorâneas e expedicionárias modernas.

No campo de monitoramento e vigilância, o avanço tecnológico é igualmente crítico. Apesar da implementação do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), ainda é necessário integrar radares costeiros, sensores remotos e drones, formando uma malha contínua capaz de detectar, rastrear e monitorar navios, aeronaves e atividades irregulares em tempo real, fornecendo informações estratégicas para todas as unidades operativas.

A aviação naval também precisa evoluir, incorporando novas aeronaves de asa fixa capazes de realizar apoio aéreo aproximado, defesa aérea e ataque, além de contar com aeronaves de transporte para lançamento de tropas e cargas, complementadas por plataformas SARPs para vigilância, reconhecimento e direcionamento de operações. Essa integração amplia significativamente alcance, flexibilidade, letalidade e consciência situacional da força, superando as limitações das aeronaves atualmente em operação.

A esquadra, atuando de forma coordenada com o CFN e a aviação naval, oferece suporte logístico, defesa antissuperfície, antissubmarina e antiaérea, além de capacidade de projeção estratégica. A combinação de submarinos, fragatas, corvetas, navios de apoio e sensores integrados permite sustentar operações prolongadas, proteger rotas marítimas vitais e manter presença contínua em toda a Amazônia Azul.

Por fim, a logística é o elo que conecta todas essas capacidades. Uma cadeia robusta de suprimentos, manutenção e projeção de forças garante que CFN, aviação naval e esquadra operem de forma integrada e autônoma, formando um quadro expedicionário completo, capaz de projeção de poder e dissuasão.

A modernização da defesa marítima brasileira, envolve planejamento estratégico, integração de sistemas modernos, inteligência operacional e logística avançada, consolidando um sistema de forças interconectado, capaz de assegurar soberania, dissuasão e presença estratégica em toda a Amazônia Azul e áreas adjacentes.

Comparações internacionais: lições a considerar

Outros países em desenvolvimento compreenderam cedo a centralidade do poder marítimo. A Índia, com dimensões continentais e extensa costa, consolidou sua Marinha como um instrumento de projeção de poder no Índico, operando porta-aviões, submarinos nucleares e escoltas modernos. A Türkiye, por sua vez, investiu maciçamente em autossuficiência tecnológica, construindo fragatas, submarinos e até o multipropósito TCG Anadolu, um porta-helicópteros de projeção anfíbia. A China transformou-se em potência naval global em poucas décadas, reconhecendo que seu comércio exterior e sua segurança energética dependiam do mar.

O Brasil, embora possua condições similares em termos de território e recursos, ainda enfrenta entraves estruturais. O orçamento de defesa é limitado, onde cerca de 78% é consumido por gastos com pessoal e pensões, restando menos de 25% para investimentos em equipamentos, pesquisa e manutenção. Essa realidade contrasta com países que priorizaram modernização e tecnologia.

O futuro do poder marítimo brasileiro

Proteger a Amazônia Azul não é apenas uma questão militar, mas de projeto nacional. O Brasil precisa definir se deseja ser protagonista regional com autonomia estratégica ou se aceitará a condição de dependência frente a potências externas. Essa decisão envolve escolhas de longo prazo, investimentos consistentes em programas navais, fortalecimento da indústria de defesa, parcerias tecnológicas e, sobretudo, uma visão estratégica de Estado.

A Amazônia Azul concentra riquezas que sustentarão o Brasil nas próximas décadas. Ao mesmo tempo, é espaço de vulnerabilidades: rotas comerciais expostas, plataformas de petróleo em alto-mar, cabos submarinos de comunicação e fronteiras marítimas ainda pouco vigiadas. Negligenciar sua defesa é comprometer o desenvolvimento nacional.

O mar brasileiro, portanto, é mais do que um espaço geográfico, é a chave do futuro. Assim como a Amazônia terrestre, a Amazônia Azul precisa estar no centro da estratégia nacional de defesa, política externa e desenvolvimento. Sua proteção exige não apenas navios e submarinos, mas uma consciência estratégica compartilhada pela sociedade e pelo Estado.

A Amazônia Azul é um patrimônio estratégico e um campo de disputa silenciosa. O Brasil, por sua posição geográfica e por suas riquezas marítimas, não pode abdicar da responsabilidade de defendê-la. O desafio não é apenas militar, mas também político, econômico e tecnológico. O país precisa decidir se terá um poder naval compatível com sua dimensão ou se permanecerá vulnerável, à mercê de interesses externos. Em última instância, a capacidade de proteger a Amazônia Azul determinará se o Brasil será uma potência soberana ou apenas um gigante dependente nas águas turbulentas do século XXI.


por Angelo Nicolaci


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