domingo, 15 de agosto de 2010

O retorno do Talibã


Milícia fundamentalista Talibã reimplanta versão rígida da sharia (lei islâmica) e pune transgressores com execuções em praça pública. Para especialistas afegãos, a facção começa a se espalhar pelo país, podendo retomar Cabul em seis meses e ameaçar as nações vizinhas

Rabiullah Rahmati os vê quando percorre os 40km até Marjah, cidade com 80 mil habitantes situada em um dos maiores cinturões da papoula. O estudante de 20 anos vive em Lashkar Gah (“local dos soldados”, em persa), capital da província de Helmand. Sabe que eles estão por perto e conhece a fama de selvageria e fanatismo que persegue esses milicianos. “Em alguns lugares, até matam crianças e mulheres. Quando as pessoas querem que alguém seja assassinado, repassam o nome a eles, que executam o alvo”, afirma ao Correio, pela internet. Aos poucos, o movimento fundamentalista islâmico Talibã refunda no Afeganistão sua ideologia mais brutal e cerceadora, pulverizada depois da invasão anglo-americana, em 7 de outubro de 2001. Desde 1994 até a ofensiva militar, chamada de Operação Duradoura, a facção governou com mão de ferro.

“A situação é muito pior do que você pode imaginar”, alerta o afegão Abdulhadi Hairan, analista político do Centro para Estudos de Paz e Conflito (Caps), situado em Cabul. De acordo com ele, o Talibã estendeu suas atividades das províncias do sul e do leste para as das regiões centro e norte. “Os milicianos têm suas próprias administrações e seus tribunais da sharia (lei islâmica), designam comandantes e ministros e executam pessoas pelas razões que desejarem”, relata à reportagem, por e-mail.

Hairan explica que parte da força do Talibã vem do “imenso apoio” recebido do Paquistão, do Irã e de outros países. “O movimento é organizado e bem ativo para lançar a população afegã contra as forças ocidentais e o governo”, comenta. “Por isso, são capazes de infligir baixas enormes e usar a religião e as conexões tribais a seu favor.” O especialista teme que um fracasso da comunidade internacional em eliminar o terrorismo no Afeganistão signifique a destruição do país e o retorno à era medieval. “Os afegãos não querem, de forma alguma, o Talibã de volta. Mas os graves erros da comunidade internacional e dos poderes regionais, além do nível incontrolável de corrupção no governo de Hamid Karzai, o tornarão a melhor opção para a população rural, que tem sido explorada em nome do islã”, adverte.

Nas regiões de domínio, o Talibã impôs códigos de conduta estritos da sharia (lei islâmica). “As pessoas estão proibidas de fazer a barba, não podem usar jeans e roupas ocidentais, e as mulheres se veem obrigadas a vestir a burca”, sustenta Hairan, referindo-se ao traje azul que cobre todo o rosto, inclusive os olhos. “Nessas áreas, também não existem escolas de inglês. Eles (mulás) apenas permitem instituições que ensinem lições do Corão (livro sagrado do islã)”, acrescenta.

De acordo com Hairan, apenas nove entre 400 distritos afegãos estão livres da influência talibã. Quem desobedece à lei dos mulás é sujeito à execução, algumas vezes em praça pública. Na semana passada, Bibi Sanubar, uma viúva grávida de 35 anos, acusada de adultério, recebeu 200 chicotadas e foi morta com três tiros, diante de uma multidão, no distrito de Qadis (província de Badghis).

Controle
O afegão Haroun Mir — diretor do Centro para Pesquisas e Estudos Políticos do Afeganistão — tem uma análise alarmista sobre a expansão talibã. Ele assegura que os fundamentalistas já controlam totalmente o sul do país, aproveitando-se da presença reduzida das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nas grandes cidades. “O Talibã tem sido capaz de estender suas operações na parte norte do Afeganistão, onde o governo federal tem cedido território, dia a dia”, observa. Mir prevê a queda de Cabul entre seis meses e um ano. “A Otan será forçada a defender suas bases, a despeito de proteger a população.”

A situação ganha contornos ainda mais críticos frente à desesperança dos afegãos. “Muitos de nós estamos convencidos de que a Otan deixará o país e que o Talibã retornará ao poder. Tanto que alguns cidadãos começaram a contatar a milícia para mostrar lealdade a ela, pois desejam sobreviver em um país sob controle dos fundamentalistas. Esses fatores estão por trás da rápida progressão do Talibã”, observa Mir.

Os homens da facção deram demonstração de força no último dia 6, quando colocaram 12 médicos — seis americanos, um britânico, um alemão e quatro afegãos — em fila e executaram-nos, na província de Badakhshan, no norte. “O Talibã usa o medo para forçar as pessoas a capitularem ao regime, mas o governo não funcional de Cabul criou ressentimento entre os moradores, o que favoreceu as leis cruéis do movimento islâmico”, diz Mir.

Ele crê que o retorno da milícia ao poder permitirá à rede Al-Qaeda, de Bin Laden, reinstalar as bases no Afeganistão. Isso levaria milhares de jovens muçulmanos de todo o mundo a se unirem aos extremistas, em uma sangrenta guerra santa contra o Ocidente.

Perigo regional
“Os insurgentes do Talibã estão crescendo e expandindo suas atividades em áreas relativamente seguras, onde eles não estavam ativos. É uma séria ameaça de segurança não apenas ao Afeganistão, mas também à região inteira. Infelizmente, potências regionais – como a Índia, a China, o Irã e o Paquistão – estão ocupadas com seus conflitos, em vez de desenvolver uma cooperação regional para combater o terrorismo. A longo prazo, se o Talibã for capaz de recapturar o país, essas nações terão imensos problemas.”

Abdulhadi Hairan, analista politico do Centro para Estudos de Paz e Conflito (Caps)


Radicalização

“O Talibã não mudou, nos últimos nove anos, e tem se tornado ainda mais radicalizado. Os milicianos impõem uma estrita interpretação das leis da sharia de acordo com sua própria leitura do islã. Desde que o Talibã ficou convencido de que ganhou a guerra contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), não mostra mais qualquer sinal de flexibilidade. Por sua vez, a comunidade internacional aguarda uma pequena moderação da milícia, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres no Afeganistão.”

Haroun Mir, diretor do Centro para Pesquisas e Estudos Políticos do Afeganistão

Fonte: Correio Brazilense
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1 comentários:

  1. OS EUA GANHAM COM O CRIME INTERNACIONAL.

    De uma certa forma,os EUA como sempre politizarão o terrorismo e o tráfico de drogas alinhando-os aos seus interesses geopolíticos;sendo assim a comunidade internacional sente-se manipulada por eles,os americanos e o resultado é isso.
    Basta ver o caso das drogas na américa latina,fazem bases militares na colômbia,na costa rica e o méxico do lado deles não consegue conter a onda de violência entre a fronteira México-EUA;ate por que eles com o tráfico de drogas na região eles lucram muito com a venda de armas para os traficantes.

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