sábado, 28 de agosto de 2010

O que será vencer no Afeganistão?


Nos princípios de 2008, o general James Jones, então SACEUR, alertava de forma muito clara que a OTAN não estava a vencendo no Afeganistão. O que estava subjacente a este alerta era a ideia de que não se estava fazendo o suficiente em termos militares; não se punha, no entanto, em causa que a possibilidade de vencer estava ao alcance.

No entanto, nunca foi claro e definitivamente estabelecido qual o objetivo a alcançar com a intervenção militar; melhor dizendo, têm havido várias interpretações sobre a forma de dar condições ao Governo afegão eleito de desempenhar as suas funções e exercer autoridade sobre todo o país, nos termos da Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ainda hoje, persistem visões diferentes, mesmo no círculo próximo do Presidente americano; Joe Biden continua a lembrar que a presença militar americana só se deve a uma razão: à al Qaeda.

A administração Bush permaneceu, quase todo o tempo, com um discurso político muito centrado na democracia e na evolução da forma de funcionamento da sociedade afegã para um estilo mais perto do ocidental mas, na verdade, também nunca se empenhou na “construção da nação”. Os EUA esperavam que essa missão fosse levada a cabo pelos aliados na coligação que a OTAN tinha passado “nominalmente” a liderar em função do mandato do CSNU.

Foi por essa altura que nasceu a ideia em que, por algum tempo, se depositou muita esperança. Falhou, no entanto, o pressuposto em que o seu funcionamento assentava: a existência de condições mínimas de segurança que os europeus tinham assumido estar garantido pela presença militar americana. Não estava, afinal. Pior, continua a não estar, mal grado os dois reforços substanciais de efetivos que o Presidente Obama, determinado a resolver a situação, decidiu logo no início do seu mandato e, mais tarde, quando aprovou a estratégia que lhe foi proposta pelo general Mc Chrystal.

O que pode ser “vencer” neste contexto precisa de uma leitura política que reconheça que a solução passa mais pelos atores externos do que pelos intervenientes internos, não obstante estes tenham também a sua influência; que comprometa os principais vizinhos na adoção de uma solução duradoura. Por outras palavras, um arranjo diplomático que pelo forte impacto internacional permita reduzir drasticamente e tão brevemente quanto possível o esforço militar, sem que isso se configure como uma retirada, uma desistência. Está já geralmente interiorizada a visão de que o esforço militar, por si só, não vai levar a qualquer desfecho positivo mas continua a medir-se o progresso (ou a sua falta) em função dos resultados no terreno, aliás, nada animadores. É altura de se concentrar as atenções sobretudo na solução política e não esperar mais do dispositivo militar do que o não deixar agravar o atual nível de conflitualidade.

A criação de condições para que o Governo funcione (expandir a sua autoridade, combater a corrupção, avançar com programas sociais e económicos, etc.) e controle a segurança do país continua, em qualquer caso, uma tarefa prioritária. Karzai não hesita em garantir que vai atingir as metas esperadas e até tomou a iniciativa de estabelecer a si próprio um prazo: 2014. No entanto, nem mesmo o cumprimento da promessa de combate à corrupção está a seguir o melhor caminho. Assim o diz a reação de Karzai, ao acusar os EUA de estarem a violar a constituição afegã, na sequência da prisão de um seu conselheiro de segurança, num trabalho da task force que os americanos têm a trabalhar no terreno para ajudar as autoridades afegãs, tendo aliás sido estas a levar a cabo a detenção. O tema “corrupção” é decisivo, quer internamente para os afegães que o referem como a sua principal preocupação, vindo mesmo antes da segurança, quer para uma opinião pública externa. Não haverão apoios para a intervenção se se instalar a ideia de que se está a ajudar um regime corrupto.

A estratégia contra-terrorismo que os EUA têm estado a adotar terá, muito provavelmente, que continuar como uma vertente permanente da sua atuação; possivelmente, será mesmo a principal ocupação das forças que ficarão no terreno, depois de consumada a retirada principal, em termos a acordar com o Governo afegão. Os sucessos que as forças de operações especiais têm alcançado (mais de 130 elementos com posições de responsabilidade cimeira foram eliminados nos últimos cinco meses) são essenciais para trazer os talibãs à mesa das conversações mas este ponto é um dos que está mais dependente da atitude dos vizinhos.

Aqui, conta especialmente o que o Paquistão se dispuser a fazer mas este por sua vez modela a sua colaboração em função da avaliação que faz do conflito latente com a Índia. Esta não vai querer abandonar a defesa de alguns interesses básicos que desenvolveu no Afeganistão mas parece agora reconhecer que os benefícios que recolheu daí nos últimos oito anos são mais uma anomalia do que uma circunstância a manter no futuro. Espera-se que, nestas condições, a Índia se limite a concluir as iniciativas que já tomou sem iniciar novas. Estas circunstâncias facilitarão um papel mais interventivo do Paquistão em concertação com o Governo afegão. Duas importantes reuniões entre os dois Presidentes tiveram lugar num passado recente, sob a mediação da Turquia que se quer afirmar como um parceiro indispensável na procura de uma solução.

No entanto, com o que se poderá contar da parte de Islamabad continua a ser uma incógnita. Apesar do acumular de evidências da duplicidade dos Serviços de Informações das Forças Armadas (Inter-services Intelligence Directorate, ISI), de que o general Kayani, atual Chefe do Estado Maior do Exército, foi chefe, este assunto não parece incomodar o Governo do polémico presidente Ali Zardari. O general Kayani, que foi recentemente reconduzido por mais três anos, afirmava recentemente que lhe interessavam mais as capacidades do inimigo do que as suas intenções («We go by the enemy’s capacity, not its immediate attentions»); referia-se à Índia que continua a ser a grande obsessão, uma quase espécie de “ideologia” dos ISI, como dizia um especialista da área. Como se sabe, parte importante da estratégia de contenção da Índia assenta na aliança com a facção afegã dos talibãs.

O grande desafio de trazer os talibãs para discussões, tem várias vertentes. Uma delas é interna, no próprio Governo afegão, o que já obrigou Karzai a demitir dois dos principais opositores a essa iniciativa: o ministro do Interior e o diretor nacional de segurança. Outra situa-se no Paquistão que não permitirá conversações sem a sua participação. O sinal foi dado com a prisão do Mullah Ghani Baradar que estava a servir de intermediário entre Karzai e Omar. O Paquistão parece ter um objectivo relativamente preciso; quer para Cabul um governo de coligação em que os talibãs tenham um papel proeminente mas não dominem.

É na capacidade de gerir esta complexa teia de interesses, para a procura de uma solução, que se define o que é vencer o conflito afegão.


Fonte: Jornal Defesa & Relações Internacionais
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