terça-feira, 31 de agosto de 2010

Encerrada retirada das tropas do Iraque, conheça mais aqui no GeoPolítica Brasil


Os Estados Unidos encerram nesta terça-feira (31) o prazo para a retirada de todas as tropas de combate do Iraque e põem fim à Operação Liberdade Iraquiana, iniciada em 20 de março de 2003 e que custou US$ 748 bilhões [cerca de R$ 1,3 trilhão] e matou mais de 4.300 militares, além de 100 mil civis iraquianos.

Os americanos deixam para trás 49.700 militares para missões de treinamento e um Iraque que ainda é cenário de ataques terroristas diariamente e que, cinco meses após a eleição, não tem um governo definido.

Analistas ressaltam que os EUA estão longe de poder declarar vitória e enfrentam a incerteza de qual será o legado dos mais de sete anos de guerra.

"É cedo para dizer que as tropas americanas deixam o país num claro caminho para maior segurança e paz e reconciliação, e que o Iraque vai estar mais seguro em cinco ou dez anos", disse o coronel Gian Gentile, professor de história e analista do Council of Foreing Relations, centro de pesquisas com base em Washington.

As tropas americanas no Iraque oscilaram ao longo dos anos, alcançando seu máximo de quase 170 mil tropas em 2007. A retirada começou no fim de 2008 e passou pela saída das tropas das cidades iraquianas em junho de 2009. Nesta quarta-feira, os EUA inauguram a Operação Novo Amanhecer com 49.700 militares remanescentes, com missões de treinamento, contrainsurgência e proteção dos americanos no Iraque.

Apesar da violência não ter voltado aos picos da guerra sectária de 2007, as tropas iraquianas ainda enfrentam números preocupantes. Somente na última semana, ataques coordenados contra a polícia mataram ao menos 56 e seis membros de uma milícia sunita morreram em uma emboscada.

E apesar do investimento de US$ 22 bilhões [R$ 38 bilhões] dos EUA, as forças iraquianas ainda estão a caminho da autossuficiência. O comandante das Forças Armadas, general Babaker Zebari, disse recentemente em entrevista que os americanos deveriam permanecer no país até, ao menos, 2020.

O Exército ainda está em melhor estado e, por isso, acaba assumindo tarefas que caberiam normalmente à polícia, como comandar os postos de checagem que se espalham pela capital Bagdá. Nos últimos meses, todas as operações militares americanas foram aprovadas e coexecutadas pelos iraquianos. Mas a inteligência do país ainda depende muito das informações cedidas pelos americanos.


DIVISÃO SECTÁRIA

Analistas dizem, contudo, que ainda mais preocupantes são as divisões sectárias e étnicas que transformaram as forças de segurança iraquianas em um batalhão xiita, excluindo sunitas e curdos.

"A filiação a facções é mais forte do que a lealdade ao governo federal", afirma Gentile. "Ainda há dúvidas se eles realmente estão dispostos a se tornar uma força nacional e apolítica".

O ponto mais crítico é o papel dos cerca de 100 mil membros da milícia sunita Sahwa que mudaram de lado ao se aliar aos EUA durante o reforço de 2007 para combater os terroristas da Al Qaeda. Crucial para a virada na guerra, ela ainda é vista com maus olhos pelo governo xiita, que reluta em escalar ex-insurgentes.

Mathew Mingus, especialista de governo da Universidade de Michigan (EUA), conta que ouviu muitas reclamações de membros da Sahwa no ano em que passou no Iraque, até fevereiro passado.

"As pessoas destes conselhos recebiam ofertas para postos no governo, mas poucos eram convertidos em forças de segurança. Apesar de ser um desafio, o Iraque seria um local mais seguro se a integração acontecesse."


SOLUÇÃO NACIONAL

Embora haja um risco real de crescimento da violência e desestabilização, analistas ressaltam que a retirada das tropas americanas era inadiável. A extensão da presença militar americana não teria quase nenhum impacto real nas causas da violência e ainda impediria os iraquianos de assumir na total responsabilidade por sua segurança, um tema doméstico e não internacional.

Rachel Schneller, do instituto de pesquisa de assuntos internacionais Catham House, ressalva em artigo que os americanos não podem simplesmente ignorar as suas responsabilidades com os iraquianos e defende até mesmo a inclusão mais rápida dos iraquianos no programa americano de assistência aos refugiados.

Para Mingus, os EUA terão uma dívida de segurança com o Iraque. "Em algum ponto, os iraquianos vão nos querer lá para fazer missões específicas [de segurança] e eles têm o direito de pedir isso".


Conhecendo a história do Iraque

O atual Iraque, que fica na região da antiga Mesopotâmia, fez parte do Império Otomano e foi ocupado pelo Reino Unido durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A independência do país foi obtida em 1932, quando estabeleceu-se uma monarquia.

O regime monárquico foi deposto em 1958 em um golpe militar, e a república foi proclamada, seguida de um período de instabilidade que presenciou golpes e contragolpes até 2003. Em 1968, um golpe de Estado levou o partido Baath, um partido socialista secular, ao poder. Saddam Hussein tornou-se presidente, em 1979, de um país rico graças ao petróleo.

Porém, as disputas de território com o Irã (1980-88) e a Guerra do Golfo (1990-91), seguidas de sanções internacionais, devastaram a economia iraquiana, e a população empobreceu.

Em 20 março de 2003, uma força de coalizão liderada pelos EUA invadiu o Iraque. A justificativa foi a suposta existência de armas de destruição em massa no país --o que nunca foi comprovado. O regime de Saddam foi deposto. O ditador, condenado pelo assassinato de 148 muçulmanos xiitas em na vila de Dujail em 1982, foi executado em dezembro de 2006.

Em outubro de 2005, os iraquianos aprovaram uma Constituição em referendo nacional e, em dezembro, elegeram o governo e Parlamento --no primeiro governo constitucional em quase meio século.

A insatisfação sunita com a dominação xiita em governos sucessivos foi um motivo-chave por trás da insurgência que espalhou violência sectária no Iraque em 2006 e 2007.

A violência diária no Iraque diminui nos últimos anos, mas ataques nos últimos meses geram temores de que as tensões sectárias possam explodir novamente --especialmente em um momento de vácuo político.

Após as eleições de 7 de março deste ano, a coalizão predominantemente xiita do primeiro-ministro do Iraque, Nouri al Maliki, terminou em segundo lugar, atrás do bloco do ex-premiê Iyad Allawi --um xiita secular que foi fortemente apoiado pelos sunitas. O bloco governista pediu, então, a recontagem das cédulas de Bagdá alegando fraude, mas a recontagem terminou sem mudança dos resultados.

O resultado inconclusivo das eleições aumentou temores de uma escalada na violência durante o vácuo no poder, enquanto políticos disputam posições nos assentos para formar maioria parlamentar antes da redução das tropas norte-americanas no país, marcada para meados deste ano, e uma retirada completa no final de 2011.


"Guerra abre as portas do inferno", diz Carlos Fino, repórter que cobriu o Iraque

Primeiro repórter a noticiar o início da Guerra do Iraque para o mundo, Carlos Fino, ex-correspondente da estatal Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), se emociona ao lembrar dos meses passados em meio ao conflito e, sem hesitar, aponta que a experiência foi um "verdadeiro inferno".

O português desembarcou em Bagdá ainda em janeiro de 2003, quando os inspetores da ONU (Organização das Nações Unidas) investigavam as denúncias do então presidente americano, George W. Bush, de que o regime do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein escondia armas de destruição em massa.

Além de vivenciar os primeiros bombardeios em 26 de março do mesmo ano e acompanhar a "sistemática destruição" de Bagdá, Fino sobreviveu ao ataque das tropas americanas ao Hotel Palestina, onde estava baseada a imprensa internacional.

Em agosto de 2003 voltou ao Iraque para cobrir a morte do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, vitima de um ataque contra a sede da ONU em Bagdá. "Tínhamos muita admiração por ele, que aliás se perfilava como um possível candidato a suceder Kofi Annan, então secretário-geral das Nações Unidas", disse.

Em entrevista à Folha.com, Carlos Fino falou sobre momentos marcantes da cobertura e descreveu a experiência de trabalhar a partir de uma cidade "em chamas".

"Há a decisão crucial: ficar ou não ficar. Todos os jornalistas tiveram que optar se iam aguentar o stress, a angústia do que pudesse vir a acontecer", relembra.

O FURO

Na data em que expirava o ultimato dado por George W. Bush tivemos um dia de angústia porque afinal estávamos vivendo no alvo. Passamos a estar à espera do que fosse acontecer, toda a tarde, pela noite afora.

A RTP montou um programa ao vivo, e da última vez que vieram ao Iraque eu continuava dizendo que Bagdá estava tranquila. Desligamos todos os equipamentos e quando entramos no nosso quarto no 17º andar do Hotel Palestina e nos sentamos, as bombas começaram a cair. E eles diziam de Lisboa "mas como é que começou se a BBC e a CNN não estão a dar nada?"

Tive que fazer um esforço muito grande, gritar, até que os convenci. Acabamos por ser a estação a ter essa façanha de ser a primeira a dar o início da guerra. A CNN, quando mais de dois minutos depois --o que é uma eternidade em televisão-- deu a notícia, disse que "de acordo com a estação pública portuguesa RTP as hostilidades já teriam começado".

ATAQUE AO HOTEL PALESTINA

Nós assistimos, a partir das 7h, das varandas de nossos quartos, a tomada dos palácios do Saddam. Um tanque americano parou em cima de uma das pontes sobre o rio Tigre e foi por volta do meio dia no horário de Bagdá que ouvimos um grande estrondo no hotel, e de início nem entendemos o que havia acontecido.

Quando olhamos a varanda de baixo vimos a câmera da televisão mexicana completamente em chamas. Instalou-se uma situação de pânico. Fomos perceber somente depois as dimensões trágicas do que havia ocorrido: a morte de nossos colegas do 15º andar [O repórter da agência de notícias Reuters, Taras Protsyuk, e o cinegrafista do canal de TV espanhol Telecinco, José Corso].

VIVER EM MEIO À GUERRA

O estrondo, o fogo, o barulho dos aviões e das bombas, o impacto era tão potente que atingia a todos nós. Lembro que bombas subterrâneas lançadas do outro lado do rio Tigre causaram impacto no hotel também. Lembro-me de sentir um bafo, de corrente de ar após um bombardeio, e logo depois sentir os vidros do hotel se estilhaçando.

É uma noção de risco muito elevada, e ao mesmo tempo de esperança, de que a gente consiga passar "no meio da chuva". Basicamente nós ficávamos vendo da varanda do hotel a cidade sendo sistematicamente destruída, mas nós também éramos alvo.

SAÍDA SEM PASSAPORTE

Eu e o cinegrafista fomos raptados por um bando armado em Bagdá. Fomos roubados. Levaram os equipamentos, as bolsas, dinheiro, e o passaporte. Quem me deu o documento para poder sair, um laissez-passer, foi um representante do Vaticano, o único que se manteve sempre em Bagdá.

À certa altura a situação era tão dramática que era tão ou mais difícil sair do que entrar no Iraque. As estradas estavam bloqueadas, havia combates, o risco era muito grande. Na prática havia uma espécie de serviço. Numa guerra, para toda necessidade há uma oferta. Havia gente que fazia o transporte de jornalistas para a Jordânia, com caminhonetes com ar condicionado.

Fonte: Folha
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