segunda-feira, 13 de julho de 2015

Rinocerontes, na mira da máfia e do terror

Periodicamente, o Ministério do Meio Ambiente sul-africano publica em seu site o número atualizado de rinocerontes abatidos em seus parques nacionais. O último levantamento, datado de abril, contabiliza 393 mortes, mais de três por dia, 62 a mais em relação ao mesmo período de 2014, ano terrível para esse animal cujo chifre chega a custar, no mercado negro, 65 mil dólares por quilo, mais do que o ouro e a platina. 

Em média, o chifre de um rinoceronte-branco, do qual só restaram 20 mil na África Subsaariana, pesa, aproximadamente, 6 quilos. Portanto, a matança de um único animal pode render até 400 mil dólares. Por essa base, o tráfico de chifres no ano passado movimentou cerca de 500 milhões de dólares. Um mercado prolífico e em contínua expansão no eixo África-Ásia: a matéria-prima está principalmente na África do Sul, mas a demanda vem da China, Vietnã, Laos e Tailândia. Segundo a medicina tradicional chinesa, cuja influência ainda é forte especialmente entre os novos-ricos, o chifre de rinoceronte teria poderes curativos. Bastaria uma dose de 2 gramas para debelar a impotência, a gripe e alguns tipos de câncer. Seria então uma droga polivalente, não reconhecida pela medicina oficial, com um número de usuários ainda limitado a 1 milhão de consumidores por causa dos custos proibitivos, mas com enorme potencial de crescimento. 

A venda de chifres de rinoceronte foi proibida em 1977 pelos países que aderiram à Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Selvagens. Entre os signatários estão China, África do Sul, Vietnã e Moçambique, que, em anos diferentes, também proibiram o tráfico doméstico. Tal como acontece com as presas de elefante, a proibição não surtiu os efeitos esperados. Ao contrário. Com o crescimento econômico da África do Sul e o consequente enrijecimento dos controles nas escalas aeroportuárias, as gangues asiáticas, muitas vezes as mesmas que atuam no tráfico de drogas e de seres humanos, se deslocaram para o vizinho Moçambique, a nova fronteira da rota ilegal de chifres de rinoceronte. 

Depois de desembarcar em Maputo, os traficantes se movem por centenas de quilômetros para o norte, rumo à fronteira com a África do Sul e com o Parque Nacional Kruger, o principal santuário do rinoceronte-branco. No meio de aldeias assoladas pela fome e onde ainda são tangíveis os resquícios da guerra civil da década de 80, começa a busca pelos caçadores furtivos que matarão os rinocerontes e entregarão o precioso produto às gangues asiáticas. Identificá-los é fácil, pois, graças à sua renda decorrente da caça ilegal, são os únicos capazes de construir casas de concreto. Eles se movem em grupos de três, fortemente armados com metralhadoras AK-47, dispositivos de visão noturna, silenciadores e o inevitável facão para retirar o chifre. Aquele que atira e derruba o animal ganha em torno de 30 mil dólares, os outros dois, conhecidos no meio por “açougueiros”, levam 15 mil cada um. 

As aldeias tranquilas de fronteira começam a ganhar vida perto do pôr do sol, quando um número discreto de carros 4 x 4 enche as ruas empoeiradas dos povoados. Alguns carregam caixas coloridas de plástico no bagageiro de teto. É um sinal codificado para os caçadores ilegais, que, graças ao apoio de guias locais corruptos, conseguem localizar os rinocerontes. Sem essas indicações, o trabalho seria quase impossível, dada a extensão da fronteira: 350 quilômetros. 

Os ataques geralmente ocorrem à noite, uma vantagem para os traficantes por causa da visão fraca dos rinocerontes. Uma vez sedados com um poderoso sonífero chamado M99, os caçadores ilegais têm tempo para cortar o chifre. O animal é deixado no lugar e geralmente sangra até a morte. Os traficantes agem sem pressões, pois a polícia não tem homens ou equipamentos para monitorar os 20 mil quilômetros quadrados do parque. Seriam necessários mais 1,4 mil soldados para dar conta do trabalho. 

Por causa das dificuldades, a África do Sul estuda propor a legalização do comércio de chifres. A ideia seria permitir a extração de uma parte apenas. Como os chifres têm composição semelhante às unhas humanas, voltariam a crescer a um ritmo de 5 centímetros por ano. A proposta enfrenta a resistência de ambientalistas.

Às máfias asiáticas uniu-se uma nova ameaça, o terrorismo fundamentalista. Segundo fontes da inteligência dos Estados Unidos, grupos como o nigeriano Boko Haram e o queniano Al-Shabaab valem-se do comércio ilegal de chifres para financiar suas operações. Calcula-se que, no atual ritmo de abate, as mortes vão superar os nascimentos de rinocerontes, inclusive entre a espécie branca sul-africana. A Java, oriunda do Vietnã, foi extinta. Dos brancos do norte resta um único exemplar no Quênia, vigiado 24 horas por soldados.  

Fonte: Carta Capital
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