sexta-feira, 24 de julho de 2015

Marinha apresenta novo navio de pesquisa oceânica do Brasil

Historicamente limitada em alcance pela falta de embarcações de pesquisa modernas e de grande porte, a oceanografia brasileira acaba de ganhar o maior laboratório flutuante de sua história: um navio de 78 metros, com 30 dias de autonomia e carregado de proa a popa com instrumentos científicos de última geração, incluindo um robô submarino com capacidade para mergulhar até 4 mil metros de profundidade — algo inédito na diminuta frota de pesquisa nacional.
A embarcação, de R$ 162 milhões, foi comprada por meio de um acordo de cooperação entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Ministério da Defesa (MD), a Petrobrás e a Vale. As empresas são sócias majoritárias, tendo arcado com dois terços do valor (R$ 70 milhões da Petrobras e R$ 38 milhões, da Vale). O outro terço foi dividido entre os ministérios (R$ 27 milhões cada).
O navio será operado pela Marinha e gerido por uma comitê misto, com representantes das quatro instituições. Batizado com o nome de um hidrógrafo da Marinha do século 19, Vital de Oliveira, a embarcação chegou ao Brasil no dia 14 e foi apresentada a autoridades do governo numa solenidade hoje, em Niterói (RJ). A expectativa é que ele ajude a avançar as pesquisas do Brasil em vários temas relacionados ao oceano, incluindo meteorologia, mudanças climáticas, biodiversidade, pesca e exploração de recursos minerais e biotecnológicos.
“Estamos muito ansiosos para colocar esse navio para funcionar e começar a preencher algumas da muitas lacunas de conhecimento que existem no Atlântico Sul”, disse ao Estado o coordenador para Mar e Antártica do MCTI, Andrei Polejack.
O navio, segundo ele, simboliza uma conquista de “maioridade” para a oceanografia nacional. Com capacidade para transportar 40 pesquisadores e um raio de ação de 7.200 milhas náuticas (13 mil km, quase o triplo da distância entre o Brasil e a África), o Vital de Oliveira confere ao país, pela primeira vez, capacidade logística e tecnológica para explorar o Atlântico Sul de maneira autônoma, sem depender do auxílio de embarcações estrangeiras. “Finalmente, começamos a fazer ciência de gente grande no mar”, diz Polejack.
Segundo o ministério, trata-se de “uma das cinco melhores plataformas de pesquisa hidroceanográfica do mundo”. O navio foi construído por uma empresa da Noruega, em um estaleiro chinês, seguindo demandas tecnológicas apresentadas pela comunidade científica e pela indústria.
Cientistas brasileiros estão entusiasmados com a chegada da embarcação. “É um navio excepcionalmente bom, que representa um grande avanço tecnológico para a nossa oceanografia”, comemora o pesquisador Carlos Alberto Garcia, do Instituto Oceanográfico da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Segundo ele, já passou da hora de o Brasil “ocupar cientificamente” o seu lugar no Atlântico Sul. “Fazemos muita oceanografia costeira, mas não oceanografia de larga escala, com impacto global”, diz.
PREOCUPAÇÃO
À reboque desse entusiasmo, porém, vem uma preocupação sobre a distribuição do tempo de uso do navio. Considerando que a maior parte da conta foi paga pela empresas, muitos temem que a agenda da embarcação seja comandada pela prospecção de riquezas minerais e outras pesquisas de interesse privado da indústria, além dos interesses da Marinha — restando pouco tempo para pesquisas acadêmicas.
“A comunidade científica está muito feliz com esse navio. É uma plataforma de pesquisa fantástica, de ponta, da qual necessitamos desesperadamente para elevar o nível das nossas ciências no mar”, diz o pesquisador Michel Mahiques, do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IO-USP). “Só temo que, no final, nosso acesso ao navio acabe sendo bastante limitado.”
É uma frustração que já existe com o navio Cruzeiro do Sul (de 65 metros), comprado em parceria pela Marinha e o MCTI em 2007, que está disponível para a comunidade científica apenas 80 dias por ano.
Polejack tenta tranquilizar os cientistas. Segundo ele, deverá haver uma harmonia entre os interesses científicos da indústria e da academia para uso do navio. “Os dados que precisamos para o Atlântico Sul são tão básicos que atendem aos interesses de todos simultaneamente: comunidade científica, empresas e governo”, diz. Mesmo para fins de prospeção e exploração mineral, observa ele, é necessário levantar dados básicos sobre as propriedades físico-químicas do oceano que são igualmente importantes para estudos climáticos e meteorológicos, por exemplo. Dados sobre a biodiversidade marinha, por sua vez, são importantes tanto para a conservação ambiental quanto para a exploração comercial sustentável desses recursos biológicos, seja pela pesca ou pela indústria de biotecnologia.
Segundo um comunicado divulgado ontem pelo MCTI e a Marinha, o navio “será empregado no monitoramento e caracterização física, química, biológica, geológica e ambiental de áreas oceânicas estratégicas para a exploração de recursos naturais, com ênfase nos recursos minerais, óleo e gás”. A tripulação será composta de 90 militares, e a expectativa é que o navio opere 180 dias por ano.
No caso da Vale, a aquisição do Vital de Oliveira integra um plano estratégico de “longuíssimo prazo”, visando à exploração de minérios no leito oceânico. “É algo inexorável, que vai acontecer; só não se sabe quando”, diz o diretor de Tecnologia e Inovação da empresa, Luiz Mello. O objetivo, segundo ele, é fazer prospecções preliminares e produzir conhecimento científico básico necessário para que essa atividade possa ser feita forma sustentável no futuro, com o máximo de eficiência e o mínimo de impacto ambiental. A inclusão do robô submarino de alta profundidade (um ROV, “veículo de operção remota”, em inglês) no arsenal de instrumentos da embarcação foi uma demanda da empresa.
ARTICULAÇÃO
O modelo que será usado para distribuir o tempo de uso do navio ainda não foi definido, mas deverá incluir a abertura de editais para submissão de projetos, a exemplo do que ocorre com o Cruzeiro do Sul. A ideia é realizar expedições que abarquem a maior variedade possível de objetivos científicos (públicos e privados), mas não está descartada a possibilidade de realização de saídas voltadas para temas específicos.
“Vamos precisar de uma boa articulação para otimizar o uso do navio”, diz o engenheiro Segen Estefen, professor de Estruturas Oceânicas e Tecnologia Submarina da COPPE-UFRJ. Segundo ele, é importante que o conhecimento científico produzido com a embarcação contribua para o desenvolvimento econômico do país. “Temos que buscar conhecimento de longo prazo, mas também entregar resultados que possam fazer avançar nossas atividades econômicas”, disse, citando a mineração e a pesca como exemplos.
Estefen é quem coordena o esforço de implementação do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas e Hidroviárias (INPOH), uma associação criada em 2013 com o objetivo de organizar e fomentar as pesquisas do país nessa área. O instituto está em processo de credenciamento como organização social (OS) pelo governo federal e, uma vez concluído esse trâmite, espera obter os contratos de gestão do novo navio.
“Esse, na verdade, é o passo mais importante na minha opinião: o credenciamento do INPOH”, afirma Garcia, da FURG, que integra o conselho administrativo do instituto.
RECURSOS
Outra preocupação levantada por pesquisadores diz respeito aos custos de manutenção e operação da nova embarcação, para os quais não há recursos públicos reservados. “Esperamos que o navio tenha dinheiro para continuar navegando, pois sabemos por experiência que, quando a economia vai mal, a ciência é uma das primeiras a perder recursos”, diz o oceanógrafo Ronald Buss de Souza, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Dezoito pesquisadores já participaram da travessia atlântica inaugural do navio, da Cidade do Cabo, na África do Sul, até Arraial do Cabo, no Rio. Entre eles, Marcelo Santini, um dos alunos de doutorado de Souza, que diz ter ficado impressionado com a qualidade do navio. “Superou minhas expectativas”, disse.
Saindo da África, os pesquisadores realizaram uma série de medições oceânicas e atmosféricas numa região caracterizada pela formação de vórtices de água mais quente e salina que “vaza” do Oceano Índico para o Atlântico Sul, por meio da Corrente das Agulhas. “São dados importantes para aprimorar nossas previsões de tempo e ondas, que impactam toda a costa do Brasil”, explica Santini.
Seja para a exploração de minérios, seja para a previsão do tempo ou para a conservação da biodiversidade, todos concordam que é preciso pesquisar mais. “O Brasil está finalmente acordando para a importância do oceano”, comemora Souza. “Esperamos que esse seja o primeiro de muitos novos navios”, afirma Mahiques, da USP. “Existe uma demanda reprimida enorme por isso na comunidade científica.”

Fonte: Estadão
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