terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

"Para muitas questões não há solução militar", diz Patriota



Em entrevista à Deutsche Welle, ministro das Relações Exteriores defende a reforma no Conselho de Segurança das Nações Unidas para garantir que países emergentes tenham voz na mediação de conflitos.

O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, participou no domingo (02/03) da Conferência sobre Segurança em Munique. Durante o encontro, a Deutsche Welle conversou com Patriota sobre a mudança das relações de poder no mundo, a posição atual do Brasil e mudanças no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
 
Deutsche Welle: Por que o governo brasileiro deseja obter uma cadeira como membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas? Qual é a sua posição sobre esse assunto?
 
Antonio Patriota: O Brasil considera que, em virtude das aceleradas transformações pelas quais passa o mundo atualmente e que se refletem numa redistribuição de poder econômico e influência global, é necessário atualizar os mecanismos de governança, e isso já está acontecendo, por exemplo, no plano das finanças e da economia, com o surgimento do G20. Na área ambiental e do desenvolvimento sustentável também estamos discutindo maneiras de fortalecer a governança. Parece-nos que é chegado o momento de abordarmos com coragem a questão do Conselho de Segurança, porque, caso contrário, existe um risco de falência do sistema das Nações Unidas na segurança coletiva.
 
Quais são as contribuições específicas do Brasil que fariam do país um candidato a membro permanente no Conselho de Segurança?
 
Depois de um período, que até veio a ser chamado de momento unipolar, no qual os Estados Unidos desenvolveram certas ações militares, como a intervenção no Iraque em 2003, eu creio que hoje em dia – e essa conferência de Munique reflete esse estado de espírito –, se está chegando à conclusão de que para muitas questões internacionais não há solução militar. É necessário dar maior ênfase ao diálogo, à negociação e à diplomacia. E o Brasil, nesse contexto, traz uma tradição de capacidade de contribuir para que haja maior confiança entre interlocutores que estão à beira de um conflito.

lém disso, temos participado de operações de paz da ONU na África, agora mais recentemente no Haiti e também no Líbano e consideramos que conhecemos o sistema multilateral. Junto com o Japão, o Brasil é o país que esteve sentado no Conselho de Segurança como membro não permanente no maior número de anos, praticamente 1/3 da existência do Conselho de Segurança. Acreditamos que temos uma contribuição boa a dar para que prevaleça a diplomacia no respeito ao direito internacional.
 
O senhor acredita que as potências ocidentais estão perdendo a sua influência global? Nesse sentindo, como as potências emergentes podem ganhar influência?
 
Eu não creio que as chamadas potências ocidentais vão deixar de ter influência no futuro previsível. Os Estados Unidos continuarão sendo uma força econômica e militar de primeira grandeza, e a Europa também.
 
Mas, ao mesmo tempo, creio que existe um reconhecimento saudável de que Estados Unidos e Europa sozinhos não são capazes de determinar resultados em situações que exigem coordenação internacional, sejam elas na esfera econômica e financeira, sejam elas na esfera da mudança do clima ou meio ambiente, ou também, sejam na esfera da paz e segurança internacionais.
 
Nesse sentido, é importante que outras vozes sejam ouvidas. Eu pude comentar aqui em Munique que me chamou a atenção o fato de não haver nenhum debate sobre a situação Israel-Palestina. Isso me parece um equívoco, porque a situação do Oriente Médio entre palestinos e israelenses está no centro de muitos dos problemas com os quais a comunidade internacional têm que se debater hoje em dia. E o que nós vemos é a falência dos esforços de mediação atuais, sejam eles levados a cabo no chamado quarteto que reúne Estados Unidos, Secretário Geral da ONU, União Europeia e Federação Russa, ou seja no fato de que o assunto não é sequer tratado pelo Conselho de Segurança.
 
Assim, creio que seria bom, positivo e saudável se outros países como o Brasil, a Índia, a África do Sul, países que têm boas relações tanto com Israel quanto com o mundo árabe e a Palestina, pudessem participar de um esforço diplomático coordenado.
 
O Brasil mudou muito nos últimos anos. Como essas mudanças internas contribuem para mudar a imagem do país em um contexto global?
 
Nesses últimos dez anos, o Brasil cresceu a taxas elevadas, e a qualidade do crescimento foi interessante, porque houve distribuição de renda e mais de quarenta milhões de brasileiros puderam migrar da extrema pobreza para a classe média. Isso nos dá muita autoridade para interagirmos, sobretudo, com outros países em desenvolvimento que tenham interesse no tipo de política que nós desenvolvemos de apoio social, de desenvolvimento rural e também de busca de maior justiça social.
 
A sociedade brasileira é considerada multicultural. Qual a importância dessa questão para o Brasil e também para a sua diplomacia?
 
Você tem razão em sublinhar o aspecto multicultural da sociedade brasileira. Ela foi constituída por três grupos humanos: europeus, indígenas da América do Sul e africanos que vieram para o Brasil, sobretudo, através do fenômeno da escravidão, que deixou uma marca, uma cicatriz na sociedade brasileira que precisa ser superada através de políticas especiais. Nesse ambiente, que é um ambiente de comparativa tolerância e convivência harmoniosa – não quero dizer que seja uma sociedade perfeita, porque nós identificamos que as pessoas de origem africana, por exemplo, ainda estão menos bem posicionadas em termos de salário e de capacidade de influência política e econômica –, creio que temos alguma contribuição a dar na questão do convívio entre etnias, religiões. Também é uma sociedade muito tolerante e que está, digamos, na vanguarda de outras questões como a do homossexualismo.
 
E isso se reflete também em algumas iniciativas diplomáticas. No ano passado, por exemplo, eu organizei um seminário que reuniu representantes da diáspora judaica e da diáspora de origem árabe e palestina num exercício de busca de convergência e de aproximação, para promover maior compreensão mútua, com vistas, eventualmente, até mesmo para interagirmos com a juventude palestina e israelense no Oriente Médio. É uma contribuição modesta, mas eu acho que reflete bem essa vocação brasileira para o diálogo e para a harmonia entre os diferentes grupos.
 
Fonte: Deutsche Welle
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