quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A Europa perante o conflito no Mali

 
 
Paris insiste em que a intervenção militar no Mali tem um objetivo claro e uma data-limite. No entanto, sobre o objetivo quase nada tem sido dito; sobre a data-limite tem sido referido o mês de março para o início da retirada.
O objetivo, em qualquer caso, será sempre limitado. A França, sensatamente, nunca falou em derrotar a AQIM, o ramo da al Qaeda no Magreb. Pode deduzir-se, quando muito, que terá os dois seguintes objetivos principais: 1.Tentar repor a situação anterior à declaração de independência do nordeste do Mali, em março de 2012, e subsequente aliança do movimento independentista dos tuaregues (“National Movement for the Liberation of Azawad”) com três movimentos islamitas que operam na região; 2. Evitar que o conflito interno se expanda para países vizinhos onde tem interesses relevantes (Níger, com fornecedor de três quartos do urânio que consome em centrais nucleares e Mauritânia, onde tem concessões de exploração de ouro).
Se for possível quebrar os laços que os dois movimentos criaram, processo que começou a desenvolver logo após à intervenção francesa, talvez haja espaço para o Presidente do Mali negociar um entendimento com os tuaregues que ponha, finalmente, fim à sua tradicional rebeldia contra a liderança do sul e permita criar um ambiente minimamente aceitável para a realização de eleições previstas para julho (Presidenciais a sete e legislativas a 21). Negociar com os islamitas é hipótese que o Presidente claramente rejeitou.
Não obstante o notável sucesso inicial da intervenção francesa, a situação não está segura. Os centros populacionais sob controle dos rebeldes foram libertados mas estes, entretanto, já demonstraram que são capazes de voltar a qualquer momento, não exatamente para se reinstalarem mas para criar caos e insegurança. Só não tiveram sucesso na tentativa de 10 de fevereiro para voltar a Gao infiltrarem-se entre a população apenas porque os franceses estavam por perto, com meios aéreos e blindados para os desalojar.
Falta talvez o mais difícil, que será expandir as operações para a zona nordeste do Mali, nomeadamente a região montanhosa de Tigharghar, onde os jihadistas prepararam o terreno para a sua defesa e dão sinais de ter optado por entrar numa guerra de guerrilha combinada com ataques suicidas em zonas populacionais ou instalações militares do Exército do Mali. A cinco de fevereiro as tropas do Chade sofreram uma primeira emboscada, em que morreram 24 soldados, e a oito de fevereiro, junto de um posto de controle militar, ocorreu o primeiro ataque suicida.
Estava previsto. Só não se sabe como esta situação evoluirá porque tudo vai depender, em parte importante, da capacidade dos vizinhos “selarem” as suas fronteiras com Mali e não permitirem “santuários” no seu território. Se este requisito não for garantido, pouco provável que seja dada a natureza muito porosa das fronteiras africanas agravarse o risco de o conflito inflamar toda a região, transformando o atual problema local num problema regional, que, mais tarde ou mais cedo, afetará a Europa. O próximo alvo mais provável será o Níger, um País que vive numa situação muito precária de estabilidade, que é também produtor de petróleo e onde, além da França, a China tem também interesses.
A partir da retirada francesa as interrogações crescerão. A prontidão e treino das forças africanas e sobretudo a sua determinação em resolver o problema poderão variar significativamente. Regra geral, as suas capacidades operacionais estão marcadas por défictes gritantes de meios que a ECOWAS, organização regional em que se inserem, nunca conseguiu resolver. Aliás, a sua disponibilidade está dependente de ajuda financeira já solicitada ao Ocidente (um bilhão de dólares). Nem todas têm as qualificações das tropas do Chade, que são as mais treinadas para operar no deserto e têm experiência de colaborar com o Exército francês, sendo seu principal apoio direto.
Desconhecem-se os moldes em que se processará a retirada francesa, nomeadamente se será total ou apenas parcial. Não se estranharia, pelas razões atrás apontadas, que fossem deixados meios aéreos para apoio tático das operações terrestres que se espera que continuem com as forças africanas entretanto deslocadas para o terreno. Algum apoio irá com certeza permanecer no terreno, quer seja no próprio Mali, quer seja em Países vizinhos. Também não se sabe até que ponto a França poderá contar com a solidariedade dos seus parceiros europeus e dos EUA. Falta a Paris a capacidade, que geralmente Washington tem demonstrado ter, para captar apoios em situações semelhantes. Não será preciso explicar porquê.
Entre os europeus, é o Reino Unido o que tem mostrado mais disponibilidade e empenho na solução da crise, quer em ofertas de apoio à intervenção francesa, quer em contatos regionais, nomeadamente com a Argélia, tendo a imprensa referido a realização de um acordo de segurança fronteiriça, na sequência da visita do primeiro-ministro Cameron a Argel, no passado dia 30 de janeiro. O que farão os EUA está condicionado pela atual prioridade dada à política interna e, certamente, ligado à nova estratégia de “liderar de trás” (“leading from behind”). Realisticamente, quando muito, não será de esperar mais do que a sua aposta no recurso a operações “covert”, com o recurso de “UAVs”, como tem sido habitual com a administração Obama, portanto, sempre longe da possibilidade de envolvimento nas chamadas “endless wars” de que o Presidente tenta precisamente afastar-se. Mas mesmo no campo de apoio com “UAVs” falta resolver a questão de uma base próxima da região, pois a mais próxima está a mais de 3 mil quilómetros (Djibouti).
Perante estas circunstâncias e, em especial, a possibilidade forte de o conflito se alargar a todo o Saarah, não deveria a União Europeia rever desde já o previsto empenho na solução desta crise?
 
Fonte: JDRI
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