sábado, 17 de dezembro de 2016

Os heróis esquecidos de Palomares

Em 17 de janeiro de 1966, um bombardeiro norte-americano B-52 chocou-se com uma aeronave durante um reabastecimento aéreo sobre a costa mediterrânea da Espanha e deixando cair quatro bombas de hidrogênio com 70 quilotons nos arredores da cidade de Palomares.

O bombardeiro estava retornando a sua base no estado norte-americano da Carolina do Norte após cumprir uma missão de rotina na rota sul do Comando Aéreo Estratégico. Quando tentava se reabastecer, o B-52 colidiu com a aeronave de reabastecimento, rompendo a fuselagem e incendiando o combustível. O avião-tanque explodiu, matando seus quatro tripulantes. No B-52, quatro dos sete tripulantes conseguiram se salvar com a ajuda de paraquedas. Nenhuma das bombas estava armada. Ainda assim, o material radioativo de duas delas caiu em terra e explodiu com o impacto, formando crateras e espalhando plutônio por Palomares. Uma terceira bomba caiu no leito de um rio seco e foi recuperada relativamente intacta. A quarta caiu no mar, em local incerto.

Alarmes soaram na bases aéreas americanas na Espanha, e oficiais começaram a reunir todo o pessoal de baixo escalão que podiam e a colocá-los em ônibus para uma missão secreta. Entre eles havia cozinheiros, empregados de mercados e até músicos da banda da Força Aérea.

Foi um dos maiores acidentes nucleares da história, e os EUA queriam-no limpo rapidamente e em surdina. Mas, se algo foi dito aos homens que se acomodavam nos ônibus sobre os planos da Força Aérea para limpar (eliminar) material radioativo despejado foi simplesmente "Não se preocupem".
Palomares, uma remota comunidade pesqueira e agrícola, foi rapidamente tomada por cerca de dois mil soldados norte-americanos e guardas civis espanhóis, que tentavam limpar o lixo radioativo e descontaminar a área. Os norte-americanos tomaram poucas precauções para prevenir uma superexposição à radiação, mas os trabalhadores espanhóis nenhuma. Por fim, cerca de 1400 toneladas de vegetação e solo radioativo foram enviadas para os EUA para neutralizar os efeitos da radiação.
Hoje, assisti á um documentário do NYT, onde este entrevistou e mostrou a realidade dos heróis que atuaram no resgate e descontaminação daquele incidente há 50 anos atrás, e pude assistir á uma triste realidade na qual estes homens vivem. Com relatos e verdades escondidas há 50 anos!
Leiam abaixo:
"Não se disse nada sobre radiação, plutônio ou qualquer outra coisa", disse Frank B. Thompson, então um trombonista de 22 anos que passou dias vasculhando campos contaminados, sem equipamentos de proteção ou até mesmo troca de roupas. "Nos disseram que era seguro, e acho éramos estúpidos o suficiente para acreditar neles". 

Thompson, com 72 anos, agora tem câncer no fígado, em um rim e em um pulmão. Ele paga US$ 2.200 por mês por seu tratamento e isso não lhe custaria nada em um hospital de veteranos, se a Força Aérea o reconhecesse como uma vítima de radiação. Mas, por 50 anos, a Força Aérea insiste em que não havia radiação perigosa no local do acidente. Ela diz que o perigo de contaminação era mínimo, e medidas rígidas de segurança garantiram que todos os 1.600 homens envolvidos na operação estivessem protegidos. 

Entrevistas com dezenas de homens como Thompson e detalhes de documentos liberados nunca antes revelados contam uma história diferente. A radiação perto das bombas era tão alta, que os equipamentos de monitoramento saíam da escala. A equipe da USAF passou meses cavando e remexendo poeira tóxica, usando como proteção pouco mais do que uniformes militares de algodão. E quando os testes realizados durante a limpeza indicaram que os homens tinham índices alarmantemente elevados de contaminação por plutônio, a Força Aérea descartou os resultados, classificando-os de "claramente irrealistas". 

Nas décadas decorridas desde então, a Força Aérea tem propositadamente mantidos os testes de radiação fora dos arquivos médicos dos homens envolvidos na limpeza, e tem resistido a pedidos para retestá-los, mesmo quando os pedidos resultam de estudos da própria Força Aérea.

Muitos homens dizem que estão sofrendo com os efeitos impeditivos ou paralisantes do envenenamento por plutônio. De 40 veteranos que atuaram na limpeza, identificados pelo The New York Times (NYT), 21 tiveram câncer. Nove deles morreram em decorrência disso. É impossível conectar cânceres individuais com uma única exposição a radiação. E nenhum estudo formal de mortalidade jamais foi feito para determinar se há uma incidência elevada de doença. A única evidência que esses homens têm para se apoiar são as anedotas de amigos que viram definhar. 

"John Young, morto de câncer ... Dudley Easton, câncer ... Furmanski, câncer", disse Larry L. Slone, 76 anos, em uma entrevista elaborando através de tremores causados por um distúrbio neurológico.  No local do acidente, um oficial da polícia militar na época, Slone disse que recebeu um saco plástico e a ordem para apanhar fragmentos radioativos com as mão sem proteção, nuas. "Um par de vezes me checaram com um contador Geiger e ele nitidamente saiu de escala", disse ele. "Mas, nunca anotaram meu nome e nunca fizeram qualquer acompanhamento comigo". 

O monitoramento da vila rural espanhola também foi caótico, como mostram os documentos liberados. Os Estados Unidos prometeram pagar um programa de saúde para monitorar os efeitos de longo prazo da radiação no local, mas durante décadas providenciaram poucos recursos para isso. Até os anos 1980, cientistas espanhóis frequentemente se apoiavam em equipamentos quebrados e desatualizados, e careciam de recursos para fazer acompanhamento de ramificações potenciais, incluindo mortes de crianças por leucemia. Hoje, várias áreas restringidas por cercas ainda estão contaminadas, e há pouco conhecimento sobre os efeitos de longo prazo sobre a saúde dos moradores locais.

Muitos dos homens que efetuaram a limpeza após a queda do avião estão tentando obter cobertura total de saúde e compensação por incapacidade do Departamento de Assuntos de Veteranos. Mas este órgão se apoia nos registros da Força Aérea, e como esses registros dizem que ninguém foi atingido em Palomares, o departamento rejeita os pedidos reiteradamente.

A Força Aérea nega  também qualquer dano a 500 outros veteranos que limparam a área de um outro acidente quase idêntico em Thule, Groenlândia, em 1968. Esses veteranos tentaram processar o Departamento de Defesa em 1995, mas a ação foi negada porque a legislação federal americana blinda os militares contra alegações de negligência feitas por membros da tropa. Todos os demandantes, desde então, morreram de câncer.

Em um comunicado, o Serviço Médico da Força Aérea afirma que recentemente utilizou técnicas modernas para reavaliar os riscos de radiação para os veteranos que limparam o local do acidente de Palomares e "efeitos adversos agudos na saúde não eram nem esperados, nem observados, e foram baixos os riscos de longo prazo de aumento de incidência de câncer no osso, no fígado e no pulmão".

As consequência tóxicas de uma guerra são exasperantes para se elucidarem. Dano é difícil de ser quantificado e quase impossível de ser vinculado a problemas posteriores. Reconhecendo isso, o Congresso aprovou leis no passado para propiciar benefícios imediatos a veteranos submetidos a poucas e específicas exposições -- Agente Laranja no Vietnam ou os testes atômicos em Nevada, entre outros. Mas não existe lei semelhante para os homens da limpeza de Palomares.

Se os homens pudessem provar que foram afetados pela radiação, teriam cobertura para todo o atendimento médico relativo a isso e ganhariam uma modesta pensão por incapacitação. Mas, conseguir provas de uma missão secreta para limpar um veneno invisível décadas atrás tornou-se uma tarefa difícil de ser feita e até de difícil lembrança. 

O dia em que as bombas caíram

Um oficial da polícia militar de 23 anos, chamado John H. Garman, chegou de helicóptero no local do acidente em 17 de janeiro de 1966, poucas horas depois que as bombas explodiram. "Era tudo simplesmente caótico", Garman (hoje com 74 anos) disse em uma entrevista em sua casa em Pahrump, Nevada. "Havia destroços por todo vilarejo. Uma grande parte do bombardeiro tinha caído no pátio da escola local". 

Ele foi um dos primeiros a chegar ao local do acidente e juntou-se a meia dúzia de outros homens para procurar pela quatro armas nucleares desaparecidas. Uma bomba havia se enterrado em um banco de areia macio perto da praia e ficado retorcida, mas havia explodido. Outra havia caído no mar, onde foi encontrada intacta dois meses depois, após uma busca frenética.

As outras duas atingiram fortemente o solo e explodiram, deixando crateras do tamanho de uma casa em cada lado do vilarejo, de acordo com um relatório secreto da Comissão de Energia Atômica, que depois foi liberado. Dispositivos internos de segurança impediram a detonação nuclear, mas explosivos ao redor dos núcleos radioativos foram detonados e uma fina poeira de plutônio se espalhou sobre as casas e campos e sobre plantações de tomates maduros.

Uma multidão de moradores levou Garman até às crateras cobertas de plutônio, onde fitavam atentamente os destroços sem saber o que fazer. "Não tínhamos ainda nenhum detetor de radiação, então não tínhamos ideia se estávamos em perigo", disse ele. "Simplesmente ficamos ali, olhando para o buraco".

Cientistas da Comissão de Energia Atômica chegaram logo e ficaram com as roupas de Garman porque estavam contaminadas, contou ele, mas disseram-lhe que ficaria bem. Doze anos depois ele teve câncer na vesícula.

O plutônio não emite o tipo de radiação penetrante geralmente associada a explosões nucleares, que causa imediatamente efeitos evidentes na saúde, como as queimaduras por exemplo. Ele libera doses de partículas alfa, que percorrem apenas poucas polegadas e não podem penetrar a pele. Fora do corpo, dizem os cientistas, ele é relativamente inofensivo, mas pequenos pontos absorvidos pelo corpo, usualmente pela inalação de poeira, deflagram uma enxurrada de partículas radioativas milhares de vezes por minuto, provocando gradualmente danos que podem causar câncer e outras doenças décadas mais tarde. Um micrograma, ou um milionésimo de uma grama, no organismo é considerado potencialmente nocivo. De acordo com documentos da Comissão de Energia Atômica já liberados, as bombas de Palomares liberaram uma quantidade estimada de sete libras-peso -- mais de 3 bilhões de microgramas.

No dia seguinte ao desastre, ônibus carregados de pessoas (soldados e outros) vindos de bases americanas começaram a chegar, trazendo equipamentos de medição de radiação. William Jackson, um jovem tenente da Força Aérea, ajudou em um dos primeiros testes próximo às crateras, usando um contador de partículas alfa manual que podia medir até dois milhões dessas partículas por minuto.

"Quase em todo lugar para onde apontávamos o medidor, ele grudava no fim da escala", disse Jackson. "Mas nos disseram que aquele tipo de radiação não penetrava na pele, que estávamos em segurança". 

O Pentágono se concentrou em encontrar a bomba perdida no mar e basicamente ignorou o perigo de plutônio liberado, disse o pessoal da Força Aérea presente no local. Soldados vagaram inutilmente por plantações de tomates altamente contaminadas, sem qualquer proteção. Muitos vinham para olhar estupidamente para as bombas despedaçadas nos primeiros dias. "Uma vez fui checar os militares e os encontrei sentados, balançando as pernas sobre as crateras", disse Jackson. "Simplesmente sentados lá, comendo seu almoço".

Depois que a existência das bombas vazou, mais de um mês depois, os Estados Unidos admitiram que uma bomba, não duas, havia "rachado", mas havia liberado apenas uma "pequena quantidade" de radiação basicamente inofensiva.

Hoje, as duas bombas explodidas seriam conhecidas como bombas sujas e, provavelmente, provocariam evacuação de moradores. Na época, para minimizar a importância do desastre, a Força Aérea deixou os moradores em paz.

(...)

Uma limpeza às pressas

Temendo que as bombas pudessem prejudicar o turismo, a Espanha insistiu para que a sujeira fosse removida antes do verão. Dentro de dias, soldados estavam cortando com facões as plantações de tomates contaminadas. Embora os cientistas que supervisionavam a limpeza soubessem que a poeira de plutônio era o perigo maior, os comandantes militares obrigaram seus subordinados a jogar em máquinas de cortar milhares de carregamentos de videiras transportados por caminhões, e depois queimaram grande parte das sobras perto do vilarejo.

Alguns dos homens que faziam o trabalho mais sujo receberam macacões e máscaras cirúrgicas de papel como proteção, mas um relatório posterior emitido pela Agência de Energia Nuclear disse: "É duvidoso que a as máscaras cirúrgicas fossem mais do que uma barreira psicológica". 



A Força Aérea comprou toneladas de tomates contaminados da produção local, que os espanhóis se recusavam a comer. Para assegurar aos moradores de que não havia risco, os comandantes militares incluiu os tomates na alimentação do pessoal da base militar. Embora o risco de comer plutônio seja menor do que o de inalá-lo, ainda assim isso não é seguro.

"Era tomate no café da manhã, no almoço e no jantar. Nós os comemos até nos enjoarmos deles", disse Wayne Hugart (74 anos), que era um oficial da polícia militar no local. "Continuaram nos dizendo que não havia nada de errado com os tomates".

Pessoal da Força Aérea que trabalhava na limpeza e recuperação da área do desastre eram geralmente alimentados com produtos oriundos de Palomares


Para assegurar aos moradores que suas casas eram seguras, a Força Aérea mandou jovens da sua tropa às residências locais com detetores de radiação manuais. Peter M. Ricard, então um cozinheiro de 20 anos de idade sem qualquer treinamento com o equipamento, lembra de ter sido encarregado de escanear tudo que os moradores pedissem, mas que mantivesse seu detetor desligado.

Testes jogados fora 

Durante a limpeza, uma equipe médica coletou mais de 1.500 amostras de urina da equipe de limpeza para calcular quanto de plutônio estavam absorvendo. Quanto maior o nível nas amostras, maior o risco à saúde.

Victor B. Skaar, agora com 79 anos
Os registros desses testes permanecem talvez como o elemento mais proeminente da limpeza. Eles mostram que cerca de apenas 10% dos homens absorveram mais do que a dose admitida como segura, e o resto dos 1.500 testados não foram afetados. A Força Aérea, hoje, se apoia nesses resultados para argumentar que os homens não foram afetados por radiação. Mas os homens que na realidade realizaram os testes dizem que os resultados foram profundamente falhos e são de pouca utilidade para determinar quem foi afetado.

"Seguimos o protocolo? Droga, não. Não tínhamos nem tempo, nem equipamento", disse Victor B. Skaar, agora com 79 anos, que fez parte da equipe responsável pelos testes. A fórmula para determinar o nível de contaminação exigia que a coleta de urina fosse feita durante 12 horas, mas ele disse que que só conseguia obter uma única amostra de muitos dos homens. E outros, disse ele, nunca foram testados.


Ele mandou amostras para o Dr. Lawrence T. Odland, chefe dos testes de radiação na Força Aérea, que começou a ver resultados alarmantemente altos. O Dr, Odland decidiu que os níveis extremamente altos não indicavam uma ameaça real à saúde, mas haviam sido causados pelo plutônio solto no campo que contaminara as mãos das pessoas, suas roupas e tudo mais. Ele jogou fora cerca de 1.000 amostras -- 67% dos resultados -- incluindo todas as amostras colhidas nos primeiros dias após o desastre, quando a exposição à radiação era provavelmente mais elevada.

Agora com 94 anos e morando em uma casa vitoriana em Hillsboro, Ohio, onde uma foto do acidente da Groenlândia está pendurada em sua sala, Dr. Odland questionou sua decisão. "Não tínhamos como saber o que era devido a contaminação e o que se devia a inalação", disse ele. "O mundo estava acabando ou estava tudo bem? Eu tinha apenas que fazer uma ligação telefônica". 

Ele disse que nunca obteve resultados precisos para centenas de homens que podiam ter sido contaminados. Adicionalmente, ele logo percebeu que plutônio alojado nos pulmões não podia sempre ser detetado na urina dos veteranos, e homens com amostras limpas podiam ainda estar contaminados.

"É triste, sem dúvida, é triste", ele disse. Mas, o que você pode fazer? Você não pode eliminar o plutônio, você não pode curar o câncer. Tudo o que você pode fazer é baixar sua cabeça e dizer que sente o que aconteceu".

Programa de monitoramento extinto

Convencido de que as amostras de urina eram inadequadas, Dr. Odland convenceu a Força Aérea em 1966 a montar um grupo permanente sobre Deposição de Plutônio, para monitorar os homens afetados a vida toda. 

Especialistas da Força Aérea, da Marinha, do Exército, da Administração de Veteranos (hoje Departamento de Assuntos de Veteranos) e da Comissão de Energia Atômica se reuniram para estabelecer o program de ação logo após o fim da limpeza. Em comentários de boas-vindas o general da Força Aérea em cargo disse que o programa era "essencial" e acompanhar os homens até seus túmulos forneceria "dados urgentemente necessários".

Os organizadores propuseram não informar os participantes da limpeza sobre sua exposição a radiação e manter detalhes dos testes foras dos registros oficiais, de acordo com a ata da reunião, devido à preocupação de que notificá-los "poderia dar ensejo a ações legais". O plano era ter a equipe do Dr. Odland fazer o acompanhamentos dos envolvidos na limpeza. Em poucos meses, entretanto, ele havia dado de encontro a uma parede.

"Ele não é capaz de conseguir apoio do Departamento de Defesa para ir atrás das pessoas restantes ou estabelecer um registro real por causa da política de evitar problemas", observou um memorando da Comissão de Energia Atômica de 1967.

(...)

O Dr. Odland não sabia quem deu a ordem para extinguir o programa, mas disse que já que o grupo incluía todas as forças militares e a agência de veteranos, provavelmente a ordem foi dada por oficiais do alto escalão. A Força Aérea cancelou oficialmente o programa em 1968. O grupo "permanente" havia se reunido apenas uma vez.



Após a limpeza, doenças

Os participantes da limpeza adoeceram logo após ela ter terminado. Homens saudáveis aos 20 anos de idade incapacitados por dores nas articulações, dores de cabeça e fraqueza. Médicos disseram que era artrite. Um jovem policial militar ficou sofrendo de inchaço do seio nasal tão agudo, que ele batia com a cabeça no chão para tentar livrar-se da dor. Médicos disseram que era alergia.

Vários homens tiveram erupções e tumores. Um membro da Força Aérea chamado Noris N. Paul teve cistos severos o bastante para que ele passasse seis meses no hospital em 1967 fazendo enxertos de pele. Ele ficou também estéril. "Ninguém sabia o que havia de errado comigo", disse Paul.

Um empregado de supermercado chamado Arthur Kindler, que havia ficado tão coberto de plutônio enquanto vasculhava plantações de tomates poucos dias após o desastre que a Força Aérea mandou que se lavasse no mar e confiscou suas roupas, teve câncer nos testículos e uma infecção pulmonar rara que quase o matou quatro anos após o acidente. De lá pra cá, teve câncer em nós linfáticos três vezes.


"Levei muito tempo para começar a perceber que isso talvez estivesse relacionado com a limpeza das bombas", disse Kindler (74 anos) em uma entrevista em sua casa em Tucson. "Você tem que entender que nos disseram tudo era seguro. Éramos jovens. Confiamos neles. Por que nos mentiriam?".

Kindler solicitou duas vezes ajuda ao Departamento de Assuntos de Veteranos. "Recebi sempre uma negativa", disse ele. "Acabei desistindo".

Monitoramento pela Espanha

Os Estados Unidos prometeram pagar pelo monitoramento de longo prazo da saúde em Palomares, mas durante décadas forneceram apenas 15% do suporte financeiro, com a Espanha pagando o restante, de acordo com um resumo do Departamento de Energia que perdeu a confidencialidade. No início dos anos 1970, um cientista da Comissão de Energia Atômica registrou que a equipe espanhola de monitoramento de campo era  composta apenas por uma única pessoa, um estudante de graduação. 

Relatos sobre a morte de duas crianças por leucemia durante aquele período não foram investigados. O chefe da equipe de cientistas  espanhóis que monitorava a população disse à sua contraparte americana em um memorando de 1976 que, à luz dos casos de leucemia, Palomares necessitava de "algum tipo de supervisão médica da população para uma vigilância quanto a doenças ou mortes". Nada foi criado. 

No final dos anos 1990, após anos de pressão da Espanha, os Estados Unidos concordaram em aumentar seu aporte financeiro às atividades pós-desastre. Novas pesquisas no vilarejo encontraram extensa contaminação que não havia sido detetada, incluindo algumas áreas em que a radiação era 20 vezes maior que o nível permitido para áreas habitadas. Em 2004, a Espanha na surdina restringiu com cercas o terreno mais contaminado, perto das crateras.

Desde então, a Espanha tem pressionado os Estados Unidos para concluir a limpeza do local.

Devido ao monitoramento desigual, os efeitos sobre a saúde pública estão longe de estarem claros e conhecidos. Um pequeno estudo sobre mortalidade feito em 2005 encontrou taxas de incidência de câncer em Palomares que haviam aumentado em comparação com o detetado em vilarejos semelhantes na região, mas o autor, Pedro Antonio Martinez Pinilla, um epidemiologista, alertou que os resultados poderiam ser devidos a erro aleatório e solicitou urgência para um novo estudo.

Naquela época, um cientista do Departamento de Energia dos Estados Unidos, Terry Hamilton, propôs um outro estudo, após observar problemas nas técnicas de monitoramento da Espanha. "Estava claro que o aumento de plutônio havia sido muito mal entendido", disse ele em uma entrevista. O departamento não aprovou sua proposta. 

Autoridades espanholas disseram que os temores podiam ter sido exagerados. Yolanda Benito, que chefia o departamento ambiental do Ciemat, a agência nuclear da Espanha, disse que as verificações médicas não mostraram um aumento de câncer em Palomares. "De um ponto de vista científico, não há nada que nos permita vincular os casos de câncer na população local e o acidente", disse ela. 

Estima-se que cerca de um quinto do plutônio disseminado em 1966 ainda contamina a área. Após anos de pressão, os Estados Unidos concordaram em 2015 a limpar o plutônio remanescente, mas não há programa nem prazo aprovados para isso.

"Vou contar o que me aconteceu"

Em uma manhã chuvosa recente, Nona A. Watson, uma professora de ciência aposentada em Buckhead, Geórgia, manteve aberta a porta de um centro médico de veteranos em Atlanta para seu marido, Nolan F. Watson, que entrou claudicando, com a mão trêmula incapaz de manter firme a bengala.  

Como um policial que treina e trabalha com cães, aos 22 anos, Nolan Watson dormiu no chão a apenas centímetros de uma das crateras de bomba no dia seguinte ao desastre de Palomares. Um ano depois, ele foi atormentado por dores de cabeça terríveis, de deixá-lo cego de dor, e tinha os quadris tão rígidos que mal conseguia andar. Na época, solicitou ajuda ao Departamento de Assuntos de Veteranos. Ele disse que seu pedido foi rejeitado. Durante anos teve problemas com articulações doloridas, pedras nos rins e câncer de pele localizado. Em 2002, foi diagnosticado com câncer renal e teve que retirar um rim. Em 2010, mais câncer foi detetado no rim restante. Testes de sangue anormais, recentes, sugerem que esteja com leucemia.


"Acho que isso arruinou minha vida", disse ele. "Era jovem, em boa forma. Mas, desde aquele dia, tive problemas o tempo todo". 



Agora com 73 anos, Watson preencheu um requerimento para a agência de veteranos que lhe foi negado e ele entrou com uma apelação. Outros veteranos de Palomares o alertaram de que era perda de tempo. Apenas um veterano de Palomares, que conheciam, teve êxito em alegar danos decorrentes da radiação e isso levou 10 anos, num ponto em que estava acamado com câncer de estômago. Mas Watson queria ir ao centro médico para dar seu testemunho pessoal sobre sua exposição ao plutônio.

Na sala de espera do centro médico, seu nariz começou a sangrar.

Poucos anos antes, depois que seu primeiro pedido foi negado, sua mulher começou a caçar documentos antigos do governo, na esperança de que pudesse encontrar algo que provasse que a Força Aérea estava encobrindo a verdade de Palomares. Talvez, acreditava ela, pudesse descobrir evidências que fariam as autoridades reconsiderar a decisão quanto ao pedido do marido.

Ela encontrou relatórios de 40 anos atrás, que confirmavam as histórias dos participantes da limpeza sobre altos níveis de radiação e baixos padrões de segurança. Mas seu achado mais surpreendente foi um estudo de  2001 da Força Aérea que reavaliava a contaminação dos veteranos de Palomares. O estudo afirmava que os antigos testes de urina eram tão incorretos que não eram "úteis", e a Força Aérea deveria fazer novos testes com os veteranos.

A Sra. Watson sabia que nenhum novo teste havia sido feito, por isso dirigiu-se ao Serviço Médico da Força Aérea para saber porquê. Quando não conseguiu uma resposta clara, ela pediu ao seu congressista na época, Paul Broun, republicano da Geórgia, que enviasse uma carta à Força Aérea. Quando o congressista tampouco conseguiu uma resposta clara da USAF, ele propôs uma lei, que a Câmara de Deputados aprovou em 2013, obrigando a Força Aérea a responder ao Congresso. [Um excelente exemplo de como é abissalmente diferente, para melhor, a relação cidadão-parlamentar nos EUA, em comparação com o divórcio que existe no Brasil entre essas duas partes.]

Em 2013, a Força Aérea enviou ao Comitê de Serviços Militares da Câmara dos Deputados a resposta que lhe fora legalmente exigida. Para consternação da Sra. Watson, ela confirmava o que ela e o congressista já  sabiam: novos testes recomendados pelo relatório de 2001 "não eram necessários" porque os envolvidos na limpeza tinham usado equipamento de proteção, e os testes de urina originais mostraram que praticamente  nenhum homem havia sido exposto a radiação. Documentos liberados posteriormente e relatos de testemunhas levantam sérias dúvidas sobre a precisão da resposta da Força Aérea ao Congresso.

Após o envio da resposta, a Força Aérea retirou de seu website, na surdina, a única cópia pública do relatório de 2001. 

(...)

O coronel Kirk Philipps, que supervisiona o programa de saúde para radiação do Serviço Médico da USAF, disse em uma entrevista recente que a Força Aérea tentou o melhor que pôde para agir corretamente com os veteranos de Palomares. Ele retirara o relatório do site porque não queria aumentar as esperanças dos veteranos, e receava que os leitores do texto o achassem "confuso". "Temos um grande  número de veteranos que, acreditamos, não foram expostos", acrescentou.

Os níveis de radiação em Palomares eram baixos, disse ele, e os homens usaram equipamentos de segurança. Realizar novos testes com eles, com técnicas modernas mais precisas, como sugerido pelo relatório de 2001, poderia revelar níveis de contaminação ainda mais baixos, tornando ainda mais improvável que os veteranos conseguissem compensação do departamento. 

Com a intenção de dar aos veteranos de Palomares o que ele chamou de "benefício da dúvida", disse ele, a Força Aérea em 2013 parou de se apoiar nos velhos resultados de testes de urina e, em vez disso, atribuiu a todos os que participaram da limpeza do local do acidente uma dose correspondente a um "cenário de pior hipótese", com base em leituras de radiação aérea feitas na época.

Foi-lhes dada uma dose de 0,31 rem [unidade de medida de radiação] -- uma dose muito pequena, demasiado baixa para qualificar veteranos para receberem benefícios do departamento. Os veteranos da Groenlândia, que limparam um desastre semelhante, receberam uma dose zero.

A Sra. Watson, que analisou em detalhes os resultados dos testes em Palomares e os relatórios correspondentes, disse que os testes do ar ambiente provavelmente não refletem o que as pessoas trabalhando perto das crateras absorveram. "Tanto quanto posso dizer, isso não está baseado em nada e não fará bem a ninguém, disse ela. "Você pode imaginar porque eles sequer se incomodaram".

Enquanto esperava no centro médico com seu marido, ela explicou como esperavam que seu pedido não tivesse efeito. Eles não tinham provas. Não importa o que ele disse em seu testemunho, o departamento se reportaria às antigas amostras de urina para determinar quem foi afetado. E seu marido nunca teve coletada uma amostra de urina, e não poderia colher uma nova amostra porque o câncer já havia destruído a maior parte de seus rins.

Se tiver êxito em seu apelo, o Sr. Watson terá todos os seus custos médicos cobertos e receberá modestos pagamentos mensais por incapacitação. "Mas não é por isso que estou batalhando", disse ele, "não estou em busca de dinheiro". 

"Vou contar o meu lado, danem-se", disse ele. "Eles sabem que tudo isso é uma mentira". 

É realmente uma falta de respeito e imoral a posição adotada pelos EUA com seus homens, os quais enfrentam anos de luta por um tratamento digno e principalmente o reconhecimento por seus feitos heroicos naquele episódio sombrio dos tempos da Guerra Fria, aos quais somam-se centenas ainda ocultos de nosso conhecimento

GBN seu canal de informação e notícias
com New York Times


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