segunda-feira, 25 de julho de 2011

O jornalismo industrial-militar de Murdoch


Blair telefonou para Murdoch repetidas vezes antes de comprometer as tropas britânicas na guerra do Iraque, em 2003, a qual foi fortemente apoiada pelos jornais de Murdoch em todo o mundo. Isso aumenta esse escândalo milhões de vezes. Temos um chefe de estado democraticamente eleito articulando com seu benfeitor secreto para trazer a guerra ao planeta. Este é o jornalismo industrial-militar, é o conluio na guerra para fazer dinheiro. Esse escândalo não é sobre Murdoch, mas sobre todos os que praticam o jornalismo. É hora de nos perguntarmos: de quem, afinal, somos aliados?

De repente ficou claro para todo mundo. Grampear o celular de uma adolescente desaparecida? Deletar chamadas, interferir na busca desesperada por seu paradeiro?

Fazer grampo de telefones das vítimas de terrorismo, de soldados mortos? Que tipo de cultura de sala de redação poderia valorizar fofocas sobre a intimidade das pessoas, obtidas de modo tão indefensável e lamentável? Que tipo de organização chamaria a isto de “notícias”? Mesmo aqueles dentre nós que há muito se enojam com a marca Murdoch tiveram seu momento de choque diante desta notícia, deixando o cinismo de lado e cedendo. Parece que alguma coisa se mostrou aberta e exposta, à medida que os detalhes vinham à tona: não apenas a falta de ética, mas uma destituição ética absoluta em seu desprezo por nossas vidas. E esse desrespeito é o fundamento de um império midiático. Murdoch não é somente um traficante sórdido. É uma das pessoas mais ricas e poderosas no planeta – e tem uma agenda política que lhe importa mais, eu imagino, do que um bilhão qualquer em dinheiro, aqui ou ali.

A silenciosa virulência de sua influência nos acontecimentos públicos, mais do que manchetes sensacionalistas e escândalos e o comércio da calúnia que inflige sobre nós é minha verdadeira preocupação.

Tão grande como Murdoch é nos EUA, com sua rede de propaganda de direita Fox News, ele é na Grã Bretanha, onde é mais poderoso que a família real. “Ele é frequentemente referido como o membro permanente do país no Gabinete [do Primeiro Ministro]”, escreveu Beth Fouhy recentemente para a Associated Press. Desde a época de Margareth Tatcher ele tem sido o poderoso chefão dos primeiro ministros britânicos, capaz de lhes oferecer coisas que estes não puderam recusar. Quando o escândalo dos grampos foi jogado no ventilador, David Cameron, o atual primeiro ministro, vem lutando para desligar sua imagem da de Murdoch.

Mas não há escapatória para o fato de que o ex-porta voz de Cameron, Andy Coulson, foi editor de jornalismo do jornal News of the World antes de se juntar à equipe do primeiro ministro e uma das 10 pessoas presas no caso. Eu não sei se o império de Murdoch, a News Corp, emergirá do escândalo intacta e virulenta como nunca ou se terá de ser renomeada para News Corpse [cadáver] (pode-se apenas torcer para que isso ocorra). Mas a explosão de suas operações é um momento chocante o suficiente para nos ensinar, uma chance para se repensar o papel dos jornalistas e o sentido das notícias.

Como ponto de partida, eu situo lado a lado os dois extremos da exagerada influência de Murdoch em nossas vidas, nossos políticos e nossas ideias a respeito de nós mesmos. O que deu origem ao escândalo foi a revelação, pelo repórter do Guardian, Nick Davies, de que funcionários do News of the World tinham grampeado o telefone de Milly Dowler, uma menina de 13 anos que foi sequestrada próximo de Londres, na volta para casa da escola, em 2002. Meses depois, seu corpo foi descoberto; ela teria sido assassinada. Antes dessa descoberta, quando só havia o temor insuportável e a esperança louca dos familiares e amigos de Milly, os subordinados de Murdoch minaram a tragédia, valorizando seu aspecto sexual, futricando as pitadas de “interesse humano” para ostentar em seu jornal.

Este é o jornalismo completamente devotado à compaixão humana – jornalismo, eu diria, do lado errado da raça humana. A coisa tem interesse zero em contribuir para uma sociedade informada ou para criar coesão social. É junk food tóxica, um tipo bizarro de “reality” show de abastecimento dos expectadores entediados e isolados, com nenhum outro propósito que mantê-los consumindo o produto. Isso tornou Murdoch rico além da conta. Eis aqui o outro extremo: da história de Fouhy, da AP, descrevendo a influência de Murdoch na política britânica: “Murdoch teria mudado sua relação de apoio a Tony Blair, o Primeiro Ministro de 1997 a 2007. Blair telefonou para Murdoch repetidas vezes antes de comprometer as tropas britânicas na guerra do Iraque, em 2003, a qual foi fortemente apoiada pelos jornais de Murdoch em todo o mundo”. Para mim, isso aumenta esse escândalo milhões de vezes. Aqui está um chefe de estado democraticamente eleito articulando com seu benfeitor secreto para trazer a guerra ao planeta.

Este é o jornalismo industrial-militar, é o conluio na guerra para fazer dinheiro, manipulando políticos de acordo com o seu interesse no fortalecimento de seu sucesso financeiro, ao espalhar a sordidez. O vazio ético de Murdoch não é limitado por seu império midiático trash. Ele é um player na paz e na guerra. Esse é um jornalismo fora de controle – o oposto exato da ideia de minha profissão. Em vez de manter uma relação adversária frente ao poder e representar os interesses daqueles de fora da sua esfera, mantém uma relação adversária com a humanidade. No Mundo de Murdoch, somos todos abstrações, quer tenhamos um nome (Milly Dowler) ou meramente uma marca de identificação massiva (os iraquianos). O jornalismo pode se dirigir ao poder, tornar-se seu cachorrinho e até, como as revelações da News Corpse tem demonstrado, tornar-se o próprio poder, um ditador por trás das cenas ou dos acontecimentos, manipulando o mundo segundo os seus próprios interesses.

Mas os verdadeiros jornalistas espalham o poder ao dizerem a verdade, como Davies e o The Guardian tomaram a frente nas revelações sobre o News of the World. Esse escândalo, finalmente, não é sobre Murdoch, mas sobre todos os que praticam o ofício do jornalismo. Chegou o momento de nos perguntarmos: de quem, afinal, somos aliados?

Fonte: Carta Maior
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