sexta-feira, 22 de abril de 2011

O surgimento de outra governança mundial


O Ocidente é bem pouco atento aos movimentos do mundo quando ele não é o autor dos mesmos. Os franceses, eles mesmos, são muito egocêntricos. No final de semana passado, na China, o encontro dos BRICS, reunindo os chefes de Estado do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul, me parece ter incidido seriamente no processo de globalização: o que era global e, assim, unificador, está se tornando complexo e, portanto, plural.

Os membros do “Boao forum for Asia”, entre os quais um punhado muito pequeno de ocidentais, foram convidados a participar das conclusões desse encontro estratégico, entre a indiferença geral dos países desenvolvidos. Foi um erro do Ocidente. O G-5 tem a intenção de desempenhar seu papel na governança mundial por meio de sua diplomacia e de sua economia combinadas.

Com altos níveis de crescimento e esforços de controle orçamentário, especialmente no Brasil, e com reservas consideráveis, ligadas à poupança popular na China, esse “bloco” tem perfeita consciência dos “serviços” que ele presta à economia mundial. Alguns elementos são particularmente marcantes:

- Esses cinco países são dirigidos por cinco líderes mundiais, todos conhecidos e reconhecidos na cena internacional. A denominação do encontro era clara: “BRICS – Encontro de Líderes”. Em cada um de seus continentes, esses cinco líderes exercem uma influência mundial. Juntos, eles representam cerca da metade do planeta. No contexto de uma governança mundial que valoriza líderes, entre eles Barack Obama, Nicolas Sarkozy, Angela Merkel..., que a praticam permanentemente, os países emergentes não ficam para trás.

A liderança, agora, está acessível a todos.

- Os BRICS parecem compartilhar um programa comum:

Solidariedade: Juntos, eles querem influenciar a reforma do sistema mundial, financeiro e monetário: “we can not let foreign capital come and go as it pleases” (“Nós não podemos deixar o capital externo ir e vir ao seu bel prazer”). Esta solidariedade se mostra recíproca: ouvimos, por exemplo, a China interceder pela entrada da Rússia na OMC. Eles estão em busca de projetos comuns, misturados, para os quais a imigração criadora seria encorajada e legalizada.

Inflação: A inquietude chinesa junta-se aqui às preocupações brasileiras em relação a um ritmo de inflação que, no Brasil, apontava em janeiro para uma projeção anual de 6%. Os BRICS querem coordenar melhor uma luta comum em torno dessa questão. A Europa não está isenta desta inquietude. Para nós, o nível da dívida aumenta a gravidade desse tema.

Crescimento: Os cinco países fazem da busca de um “novo crescimento” uma prioridade compartilhada; um crescimento menos faminto por carbono e menos gerador de desigualdade que o tradicional crescimento ocidental. O XII plano chinês propõe um crescimento verde (economia de energia, energias renováveis, cidades verdes...) e social (habitação, proteção social, saúde, combate às desigualdades regionais...), todos temas consensuais entre os cinco países.

Como a liderança, a virtude do desenvolvimento durável não é algo reservado a uns poucos.

A paz é a última mensagem, mas não a menor. A cúpula dos BRICS foi precedida por um apelo do presidente Hu Jintao por um cessar fogo na Líbia. Os emergentes querem ser pacíficos e se apresentam como tal! A mensagem ganhar força pelo contraste com o mundo ocidental engajado militarmente em um grande número de teatros.

Essa estratégia dos BRICS não deveria colocar grandes problemas pra a diplomacia francesa que está engajada, com credibilidade, pela reforma da governança mundial. Nós mantemos excelentes relações com cada um destes países.

Como a China, a França se posiciona no interior de numerosos círculos, na intersecção dos quais ela procura as posições favoráveis às suas convicções e aos seus interesses. Isso nos impõe, contudo, uma visão mais complexa do que simplificadora da globalização e uma ênfase de nossa ação exterior privilegiando mais nossa diplomacia econômica.

Por: Jean-Pierre Raffarin, ex-primeiro ministro da França, vice-presidente do Senado.

Fonte: Le Monde via Carta Maior
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