segunda-feira, 11 de abril de 2011

Brasil foi principal destino de investimento chinês em 2010


Um levantamento da entidade americana Heritage Foundation indica que o Brasil se tornou o principal destino de investimentos diretos chineses em 2010.

No levantamento, intitulado China Global Investment Tracker, a entidade lista o equivalente a cerca de US$ 13,7 bilhões investidos por chineses no Brasil em 2010. O número exclui títulos públicos e investimentos de menos de U$ 100 milhões.

Para efeitos comparativos, Nigéria e Argentina receberam em torno de US$ 8 bilhões cada um da China em 2010; e EUA e Canadá, por volta de US$ 6 bilhões cada, de acordo com os números do levantamento.

"O Brasil foi o grande destaque de 2010. E o perfil dos investimentos segue o padrão que vem se mostrando recorrente no resto do mundo: chineses em busca de acesso a recursos naturais. O investimento chinês é definitivamente liderado pela busca por commodities", disse à BBC Brasil Derek Scissors, pesquisador do Centro de Estudos Asiáticos da entidade, com sede em Washington.

Um dos desafios da presidente Dilma Rousseff é criar bases, em sua visita à China, para investimentos chineses em setores considerados estratégicos para o Brasil e que tenham mais alto valor agregado.

Com o salto em 2010, o Brasil passa a terceiro destino de investimentos diretos chineses quando se considera o valor acumulado nos cinco anos entre 2006 e 2010. Austrália e Estados Unidos continuam sendo os principais alvos dos recursos da China nessa contagem mais ampla.

ONDA DE INVESTIMENTOS

Segundo o levantamento, o Brasil faz parte de uma onda recente de investimentos que atinge a América do Sul. Segundo Scissors, isso pode ser explicado pelo fato de que há comunicação entre as empresas estatais chinesas, o que acaba criando bases para uma estratégia comum.

"Essas ondas acabam gerando uma forte reação contrária em alguns países, mas não necessariamente serão duradouras", acrescentou o pesquisador.

Para tentar formar o quebra-cabeças do destino dos investimentos diretos chineses, o especialista em China acompanha anúncios de empresas, relatórios de instituições multilaterais, informações de governos locais e informações da própria imprensa.

"Há uma série de dificuldades para se conseguir esses dados por país, já que o Ministério do Comércio chinês considera Hong Kong destino final quando, na maioria das vezes, é apenas uma ponte para os recursos. Por essa metodologia oficial, Hong Kong aparece como destino de 65% dos investimentos chineses, o que distorce qualquer conclusão sobre destino final", disse Scissors. "A cada seis meses, revisamos todos os dados para expurgar investimentos que não se concretizaram", acrescentou.

Os investimentos chineses no exterior vêm aumentando nos últimos anos. De 2006 até 2010, passaram de US$ 21,2 bilhões para US$ 59 bilhões, segundo o Ministério do Comércio (Mofcom).

Nesse período de cinco anos, a Austrália recebeu o maior volume, cerca de US$ 34 bilhões, segundo a contagem da Heritage Foundation. Os Estados Unidos foram o segundo destino, com US$ 28,1 bilhões.

Nigéria, Irã e Brasil aparecem em terceiro, com praticamente o mesmo volume acumulado, cerca de US$ 15 milhões. Cazaquistão, Canadá, Indonésia, Argélia e Venezuela, são os próximos da lista.

A China tem hoje um total de 215 bilhões investidos no exterior, segundo a contagem da entidade conservadora americana.

Deste total, US$ 102,2 bilhões foram investidos em energia e US$ 60,8 em mineração.

"A reação americana à expansão do investimento chinês tem sido se desesperar, e a corrida para a América do Sul vai gerar ainda mais tensão. Os Estados Unidos, no entanto, têm como se beneficiar do investimento chinês e neutralizar qualquer tipo de impacto negativo na política externa", escreve o autor no relatório.

Segundo o pesquiador, os Estados Unidos não têm como determinar que empresas americanas invistam em determinados países, como pode fazer o governo chinês, mas podem criar um ambiente mais favorável aos investimentos por meio, por exemplo, de acordos de livre comércio com países da região.

Brasil deve tentar aproveitar melhor investimentos da China, diz acadêmico

O pesquisador e secretário-geral do Centro de Estudos Brasileiros da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Zhou Zhiwei, disse em entrevista à BBC Brasil, em Pequim, que o Brasil deve buscar desenvolver sua competitividade e tentar aproveitar melhor os investimentos chineses.

"Falta um plano organizado, falta um papel para direcionar estes investimentos para os setores que precisam de mais investimentos", disse.

Segundo Zhou Zhiwei, as relações do Brasil com a China devem se intensificar e, com isso, mais tensões devem surgir como em um namoro que evolui para um casamento.

Leia abaixo a entrevista da BBC Brasil com o pesquisador chinês.

BBC Brasil - A importância da China para o Brasil é clara. É o principal parceiro comercial e principal investidor do Brasil. E qual a importância do Brasil para a China?

Zhou - A importância do Brasil para a China é cada vez maior. Em termos econômicos, o Brasil é agora um dos maiores parceiros comerciais da China, o nono maior parceiro. Isso é importante para os dois lados. Eu acho também que a relação entre o Brasil e a China já superou a esfera bilateral como disse o vice-presidente Xi Jinping, quando visitou o Brasil em 2009. Essa relação tem agora um significado estratégico mundial.

BBC Brasil -A relação entre os dois países já tem um grau de tensão e alguns analistas acreditam que essa tensão vá aumentar. Você compartilha dessa opinião?

Zhou - Concordo. Na verdade, eu acho que as tensões vão crescer à medida que a relação entre os países se intensifica. É como a relação entre namorados. Para eles, o mundo é bonito, sem conflitos. Quando se casam, começam a surgir mais problemas e dificuldades para resolverem. O comércio entre Brasil e China cresceu muito nos últimos anos, então, claramente, vai existir competição, concorrência. Mas acho que é um processo natural.

BBC Brasil - Mas as exportações brasileiras não incomodam a China, o problema é a via oposta? Só um lado parece se incomodar.

Zhou -Eu acho que existe uma diferença entre setores. O setor agrícola brasileiro tem uma situação muito favorável. Por outro lado, existe claramente concorrência entre os setores industriais no mercado brasileiro e em terceiros mercados. Esse problema é muito natural, mas o mais importante é que o setor industrial brasileiro deve promover a sua competitividade.

BBC Brasil - Como?

Zhou - Tributos, infraestrutura e também desenvolvimento tecnológico para maior eficiência.

BBC Brasil - E o que o senhor acha de medidas como anti-dumping e salvaguardas contra produtos chineses industrializados? É a ferramenta correta?

Zhou - Para o Brasil, pode ser a ferramenta correta. Se você acha que isso não é bom, pode aplicar medidas para defender seu setor de acordo com as regras da OMC. Mas eu acho que medidas anti-dumping não resolvem este problema. O mais importante para o Brasil é aumentar a competitividade. É o ponto-chave.

BBC Brasil - E o reconhecimetno da China na OMC, prometido no governo Lula, mas não ratificado? Como os chineses veem a postura do governo brasileiro?

Zhou - O primeiro-ministro chinês, Web Jiabao, disse que é lamentável que o Brasil ainda não tenha aprovado o status da China na OMC. Então, acho que, durante a visita da presidente Dilma Rousseff, os dois governos vão discutir esse assunto. Eu acho que o governo brasileiro tem suas próprias condições, por exemplo, a questão da licença para a produção de um novo modelo pela Embraer. Eu acho que essa questão da Embraer será resolvida. Se isso for resolvido, eu acho que a atitude do governo brasileiro vai mudar.

BBC Brasil - Mas com o reconhecimento do status da OMC, o Brasil perde uma arma que alguns setores consideram fundamental, que é a possibilidade de aplicar medidas anti-dumping, usando no cálculo o preço de terceiros mercados.

Zhou - Fechar a porta para os produtos chineses não é uma boa solução. Na minha opinião, o mais importante para outros países é aumentar a competitividade. O status da China não é uma questão muito difícil, é apenas um processo.

BBC Brasil -Pelo cálculo de uma entidade americana, o Brasil foi o principal destino dos investimentos chineses em 2010. Qual a perspectiva nessa área para o Brasil?

Zhou - O investimento da China em 2010 é só o início desta tendência porque o Brasil tem muitas oportunidades e vantagens em termos de recursos naturais e é receptivo ao investimento chinês. As empresas chinesas estão traçando uma estratégia de internacionalização e o Brasil é um país emergente com muitas oportunidades para as empresas chinesas aproveitarem. Como a maior economia da região, o Brasil deve desempenhar também um papel de ponte entre a China e a América do Sul. O Brasil representa claramente uma oportunidade imensa para ser aproveitada.
Já recebi e-mails de empresas chinesas perguntando sobre como fazer negócio no Brasil. Algumas fabricam, por exemplo, material para estádios. Sabem que haverá a Copa do Mundo, Olimpíadas.

BBC Brasil - E o que dificulta que isso se concretize?

Zhou - Existem alguns obstáculos para trazer mais investimentos. Por exemplo, deficiência de infraestrutura, mas essa também é uma boa oportunidade para os chineses.

BBC Brasil - Apesar de haver oportunidades em algumas áreas, o investimento chinês tem sido criticado por se concentrar demais na busca por matérias-primas. Como o senhor vê essas críticas?

Zhou - É engraçado. Antes, lembravam que durante a visita de Hu Jintao, em 2004, os chineses prometeram investimentos e não os concretizaram. Em 2010, chega um monte de investimento, mas muitas pessoas se preocupam porque cresceu demais. Claramente, o investimento chinês representa um certo choque para alguns setores e empresas brasileiras, mas, para aproveitar melhor estes investimentos chineses, o governo brasileiro deve redirecionar os investimentos para os setores que precisam de mais investimentos.

BBC Brasil - O senhor acha, então, que o Brasil não deve aceitar investimento em qualquer área?

Zhou - Falta um plano organizado, falta um papel para direcionar estes investimentos para os setores que precisam de mais investimentos.

BBC Brasil - Mas que poder o governo pode ter sobre isso? Se uma empresa privada quer vender suas operações para a China, o que o governo pode fazer?

Zhou - Sim, mas a relação também tem de ser entre dois governos, entre dois países. O governo tem de desempenhar um papel importante para promover esta relação.

BBC Brasil - O interesse chinês é por commodities, algo que preocupa alguns setores. O senhor vê motivo para preocupação?

Zhou - Os recursos naturais correspondem a 85% de todos os investimentos da China no Brasil. A China precisa desses recursos. Isso representa um desafio para o Brasil. Para resolver esse problema, o governo brasileiro tem de fazer seu dever. Claro que os recursos naturais são as vantagens do Brasil. É o que a China quer para sustentar o crescimento. É uma relação complementar. O Brasil deve se planejar para aproveitar melhor os investimentos chineses. É uma relação que envolve os governos.
Se conseguir apoio dos governos, fica mais fácil para as empresas chinesas investirem em outros países.

BBC Brasil - Então o senhor acha que existe potencial para o Brasil usar os recursos naturais na barganha por investimentos de mais valor agregado?

Zhou - Eu acho que o apetite da China claramente é recurso natural. Se o Brasil quiser mais investimento em outros setores, o que vai oferece para atrair as empresas chinesas? É nisso que o Brasil tem de pensar. O que vai fazer? Muitos países também querem investimentos da China. No Brasil, existem obstáculos para fazer negócios: altos tributos, o custo para as empresas é alto, as regras trabalhistas são rígidas, a segurança pública não é boa. Então, esses são desafios se o Brasil quer mais investimento em infraestrutura e outros setores.

BBC Brasil - Como o senhor vê a reação no mundo à ascensão da China?

Zhou - A China virou a segunda economia do mundo, mas o PIB per capita é muito baixo. Ainda é a metade do PIB per capita no Brasil. O status da China ainda é de um país em desenvolvimento. A China também quer desempenhar um maior papel nos assuntos internacionais, mas o maior desafio agora é o desenvolvimento sustentável. Existem questões sociais, como uma disparidade de renda muito grande. A tarefa para os governos chineses é promover um equilíbrio entre crescimento e desenvolvimento social.

BBC Brasil - Então, a China vai continuar olhando mais para dentro?

Zhou - Há um pensamento corrente que diz que a política externa da China é fazer seu próprio dever da melhor maneira possível, pensando o mínimo nas questões internacionais. Essa é uma diferença entre Brasil e China. A atitude do Brasil na área de política interna é mais ativa e altiva, como diz Celso Amorim. Mas, para o governo chinês, a humildade é mais importante. O Brasil está sempre pensando em ser uma potência mundial. Durante a Segunda Guerra, surgiu uma oportunidade de ser memebro permanente da ONU. E, nas últimas décadas, o Brasil tenta fazer o possível para realizar o sonho de potência mundial. São características dos povos. Os brasileiros são mais otimistas, os chineses, mais reservados.

BBC Brasil - O senhor falou em humildade, mas há um grande número de observadores que têm visto uma maior assertividade ou até agressividade por parte da China principalmente após a crise, quando o país saiu quase ileso e enxergou as rachaduras no modelo americano.

Zhou - De fato, existe uma mudança nos assuntos internacionais no que diz respeito a atitude do governo chinês. O governo começa a pensar que pode desempenhar um papel correspondente ao status econômico. Claramente, a economia chinesa cresceu e a China está desempenhando um papel mais importante. Por isso, veem uma maior agressividade. Mas, considerando a importância que a China ganhou, ainda acho que a postura do governo continua sendo de humildade.

BBC Brasil - Mas com a ampliação dos interesses chineses do mundo, será que a China não vai ser forçada, no futuro, a assumir um papel de liderança, para defender seus crescentes interesses econômicos de forma mais ativa? Será que a política da não-interferência sobrevive por muito tempo?

Zhou - Acho que é uma tendência possível. As empresas chinesas estão elaborando estratégias de internacionalização não só na América do Sul, mas também na África, nos Estados Unidos, na Austrália. Com isso, o governo chinês tem de pensar mais do que antes no resto do mundo para aproveitar a oportunidade de transformação mundial de agora e não só proteger seus interesses, mas também proteger os interesses dos países em desenvolvimento. Acho que esse é um ponto de cooperação entre Brasil e China.

Fonte: BBC Brasil
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