Após mais de sete anos de reformas e incidentes, o futuro do navio-aeródromo Admiral Kuznetsov, único navio do tipo em operação na Marinha Russa, tornou-se incerto. Os trabalhos de modernização foram oficialmente suspensos por tempo indeterminado, e fontes do alto escalão militar russo já discutem abertamente a possibilidade de aposentadoria definitiva do emblemático navio-aeródromo. Para muitos analistas, trata-se do epílogo de uma era, e talvez de uma mudança irreversível na doutrina naval da Rússia.
Uma trajetória marcada por problemas
O Admiral Kuznetsov foi comissionado em 1991, ainda sob a bandeira da União Soviética. Considerado um "cruzador pesado porta-aviões", o navio foi concebido para operar caças embarcados, como os Su-33, além de mísseis de cruzeiro, numa tentativa de equilibrar poder aéreo e capacidade ofensiva de longo alcance. Ao longo de sua carreira, participou de missões no Mar Mediterrâneo e no Atlântico, com destaque para a campanha síria em 2016, quando conduziu operações de combate real.
No entanto, a partir de 2017, o navio foi retirado de operação para passar por uma ampla modernização no Estaleiro nº 35, em Murmansk. O objetivo era atualizar sistemas de combate, propulsão e estrutura, prolongando sua vida útil até pelo menos 2030. Mas desde então, o que se seguiu foi uma série de incidentes e atrasos: em 2018, a doca flutuante PD-50, onde o navio estava atracado, afundou repentinamente, danificando sua estrutura. Um guindaste caiu sobre o convés do porta-aviões. Em 2019, um incêndio de grandes proporções atingiu o compartimento de máquinas, matando dois militares e ferindo outros 14. E em 2022, novo foco de incêndio foi registrado.
No último mês, em junho de 2025, a situação se agravou. Segundo o jornal Izvestia, os trabalhos foram suspensos por tempo indeterminado e uma decisão sobre o destino final do navio será tomada entre o Comando da Marinha e a Corporação Unida de Construção Naval. A publicação fala, inclusive, em descarte do navio por considerá-lo “moral e fisicamente obsoleto”.
Um colosso fora do tempo
De fato, há um consenso crescente entre os estrategistas navais russos de que o Kuznetsov representa uma doutrina ultrapassada. Em entrevista recente, o almirante Sergei Avakyants, ex-comandante da Frota do Pacífico, declarou que “porta-aviões são armas caras e ineficazes, facilmente neutralizadas por sistemas modernos de mísseis hipersônicos e drones de longo alcance.” Para ele, os recursos da Marinha deveriam ser realocados para submarinos, sistemas de guerra eletrônica e embarcações mais ágeis.
As críticas não são infundadas. O Admiral Kuznetsov sempre operou com limitações: sua propulsão a vapor e óleo combustível é arcaica, a capacidade aérea é limitada (apenas cerca de 15 aeronaves operacionais) e a ausência de catapultas compromete o desempenho dos caças embarcados, que precisam de decolagens assistidas por rampa (ski-jump). Além disso, o navio tem sido alvo de piadas na OTAN por sempre navegar acompanhado de um rebocador, reflexo de sua confiabilidade questionável.
Corrupção e desafios logísticos
O prolongamento dos trabalhos de modernização, associado aos altos custos (estimados em mais de 1,5 bilhão de dólares), levanta suspeitas de má gestão e corrupção. Analistas apontam que parte do orçamento pode ter sido desviado, e a falta de fiscalização contribuiu para o abandono gradual do projeto. A doca PD-50 nunca foi recuperada, limitando severamente as possibilidades de grandes intervenções na estrutura do navio.
Em março de 2024, o FSB revelou ter frustrado um plano de sabotagem contra o navio. Segundo informações oficiais, agentes ucranianos tentaram recrutar um marinheiro por redes sociais para realizar um ataque a bordo. Embora o ataque tenha sido evitado, o episódio expôs a fragilidade da segurança interna do programa.
O que esperar do futuro?
A possível retirada de serviço do Admiral Kuznetsov deixa a Rússia sem qualquer meio de projeção aérea embarcada. Em contraste, potências como Estados Unidos, China, França e até Índia e Türkiye avançam com a construção de novos navios-aeródromo, muitos deles com propulsão nuclear e plataformas adaptadas para operar aeronaves de 5ª geração e drones.
Ainda que setores do Ministério da Defesa defendam o desenvolvimento de um novo porta-aviões russo, a realidade orçamentária imposta pela guerra na Ucrânia torna improvável o lançamento de um projeto dessa magnitude no curto prazo. A prioridade atual do Kremlin está centrada em manter a capacidade de dissuasão nuclear, apoiar as forças terrestres em operações prolongadas e expandir sua frota de submarinos.
O provável fim do Admiral Kuznetsov representa não apenas o encerramento de um capítulo da história naval da Rússia, mas também o reconhecimento de que a era dos grandes porta-aviões pode estar chegando ao fim para países que enfrentam limitações financeiras e operacionais. Para Moscou, a aposta agora parece recair sobre armas assimétricas, como mísseis hipersônicos, guerra eletrônica e meios não tripulados, tecnologias mais alinhadas ao cenário contemporâneo de combate.
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Projeto 23000 - "Storm" |
Ainda assim, o fim do Kuznetsov deixa um vazio simbólico. Por décadas, o navio foi um dos principais instrumentos de prestígio e projeção de poder do Kremlin. Seu abandono definitivo marca uma virada estratégica e talvez ideológica nas ambições navais da Rússia.
Por Angelo Nicolaci
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