Em 1989, no crepúsculo da Guerra Fria, um episódio quase surreal expôs o grau de deterioração econômica da União Soviética e colocou a PepsiCo, uma gigante do setor alimentício, no centro de uma transação digna de um thriller geopolítico. Por alguns meses, a empresa americana tornou-se proprietária de uma frota de submarinos, navios-tanque, cargueiros e até de navio de superfície soviéticos, uma situação tão extraordinária que, à época, gerou piadas no Pentágono e perplexidade em analistas de defesa. Mais do que curiosidade histórica, o episódio revelou o colapso de um império e o papel silencioso que empresas ocidentais desempenharam na transição caótica que antecedeu o fim da URSS.
A história começa nos anos 1970, quando Moscou buscava desesperadamente ampliar laços comerciais com o Ocidente para compensar sua crônica falta de moeda forte. A PepsiCo se tornou uma das poucas empresas americanas autorizadas a operar na URSS, mas o país enfrentava um obstáculo estrutural: não possuía dólares para pagar pela importação do refrigerante. A solução foi um acordo de troca direta, no qual o governo soviético fornecia vodka Stolichnaya e a Pepsi vendia a bebida no mercado ocidental. Com isso, a empresa obtinha dólares suficientes para manter o fornecimento de refrigerante na União Soviética. Era uma manobra típica de economias planificadas, em que criatividade e improviso substituíam instrumentos financeiros adequados.
O arranjo funcionou por quase duas décadas, até que a crise estrutural soviética explodiu com força nos anos 1980. Mesmo a vodka perdeu relevância comercial internacional, levando a um impasse no acordo. Para renovar o contrato de exclusividade da Pepsi, Moscou apresentou uma proposta que refletia a decadência progressiva do complexo industrial-militar soviético: oferecer parte de sua frota naval desativada como forma de pagamento. Eram submarinos e navios obsoletos, fora de serviço, sem valor militar real, mas com valor considerável para sucateamento.
Não existe precisão histórica absoluta sobre a lista completa dessas embarcações. Registros apontam que muitos, ou a maioria, eram submarinos diesel-elétricos antigos das classes Foxtrot e Whiskey, ambos já obsoletos àquela altura. Essas classes eram amplamente utilizadas nas décadas de 1950 e 1960, mas já estavam sendo descartadas no final da Guerra Fria. A frota entregue à Pepsi incluía 17 submarinos desativados, além de navios-tanque e pelo menos dois grandes navios de superfície.
Quando o acordo foi assinado, a PepsiCo tornou-se, tecnicamente, dona temporária da sexta maior força submarina do mundo. O episódio provocou comentários irônicos dentro do governo americano, e o próprio CEO da Pepsi, Donald Kendall, imortalizou uma das frases mais famosas do período: “Estamos desarmando a União Soviética mais rápido do que o governo dos Estados Unidos.” A piada, dita com humor, resumia de forma perfeita a dramaticidade histórica daquele momento, em que até empresas privadas do Ocidente participavam da desmontagem material do poder militar soviético.
Naturalmente, a Pepsi não pretendia operar esses navios. As embarcações foram imediatamente transferidas para empresas europeias especializadas em sucata naval, que desmontaram a frota e transformaram seu aço em lucro. O objetivo era essencialmente financeiro: garantir a continuidade do acordo comercial com Moscou e expandir a presença da marca no mercado soviético. Contudo, o simbolismo era inescapável. Pela primeira vez, uma corporação privada americana detinha parte da frota de um rival nuclear que, até poucos anos antes, representava o cerne da ameaça estratégica ao Ocidente.
Dois anos depois, em 1991, a União Soviética colapsou. O sistema de trocas diretas acabou junto com ela e a economia russa abriu suas portas ao capitalismo ocidental, permitindo a entrada agressiva da Coca-Cola e encerrando o quase monopólio da Pepsi no mercado soviético. O episódio dos submarinos logo se tornou uma nota de rodapé, curiosa, mas altamente reveladora de um período marcado por declínio econômico, desorganização estatal e perda de capacidade militar.
Revisitar essa história hoje é compreender como crises econômicas podem corroer estruturas militares consideradas sólidas. A frota entregue à Pepsi não era apenas um conjunto de cascos enferrujados, mas um retrato fiel da dissolução de um sistema que já não conseguia sustentar o próprio peso. Em um mundo em que empresas transnacionais influenciam estratégias de Estado e decisões políticas, o episódio em que uma companhia de refrigerantes se tornou proprietária de submarinos soviéticos permanece como um dos símbolos mais marcantes e menos conhecidos do fim da Guerra Fria.
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