sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Força Aérea Russa. Últimos momentos antes de uma grande regressão (Parte 1)

A VVS (Força Aérea Russa) ainda continua sendo a segunda potência aérea globalmente. No entanto, sua posição é ano após ano, tornando-se mais fraca. Centenas de aeronaves, herdadas da União Soviética logo serão desativadas, sem nenhuma substituição à vista, devido a uma conjunção de fatores como finanças, tecnologia e fraquezas da indústria  aeronáutica russa.
Um par de Mig-31BM russos

No início deste ano, a Rússia operava 380 caças pesados Su-27 e suas variantes, 267 caças médios MiG-29 e suas variantes, 131 interceptadores MiG-31, 274 caças-bombardeiros Su-24 e 125 caças-bombardeiros Su-34, e 193 aeronaves CAS (apoio aéreo próximo) Su-25: 1.370 aeronaves no total.

O inventário acima é complementado com 124 bombardeiros pesados ​​(16 Tu-160, 42 Tu-95 e 66 Tu-22M) e 91 aeronaves de combate pertencentes à Marinha (22 MiG-29K / KUB, 43 Su-27/33, 22 Su-24 e 4 Su-25). Isso significa que a Rússia opera atualmente 1.585 aeronaves de combate, e ultrapassando a China mas ainda atrás dos EUA.

Esses números são muito menos impressionantes quando se percebe que uma parte desse potencial foi herdada da União Soviética, que caiu em 1991 - 30 anos atrás. Três décadas são frequentemente definidas como um tempo dentro do qual o ciclo de vida esperado de um avião de combate chega ao fim.

Isto se aplica, por exemplo, ao Mig-29, que ainda está sendo operado pela Polônia, de forma limitada, e com numerosos desafios pela frente. A fabricação do Mig-29 começou em 1981, o que significa que boa parte das aeronaves do modelo em serviço na Rússia foram produzidas entre 30 e 40 anos atrás.

O processo de extensão do ciclo de vida é uma solução, que pode ser aprofundada e custosa, como mostra o exemplo americano da extensão dos ciclos de vida das plataformas de 4ª geração. Um processo semelhante foi adotado para a frota de 289 Mig-29 entre 2009 e 2020, mas apenas 74 aeronaves passaram pelo procedimento (24 caças navais e 50 aeronaves terrestres), incluindo várias aeronaves de exportação "totalmente novas" que não foram comissionadas pela Argélia porque, ao contrário do que foi acordado, a Rússia entregou células usadas ao seu cliente.

O exposto acima significa que mais de 200 destas aeronaves não passaram por nenhuma atualização, ou apenas por atualizações limitadas, com sua situação não sendo muito melhor do que a dos 30 Fulcrums poloneses, alguns dos quais estão proibidos de voar, enquanto alguns ainda estão voando, mas com muitas limitações.

Sua substituição também pode ser problemática.

O Mig-35 existe. No entanto, apenas 6 exemplares desta aeronave foram encomendados, exclusivamente para serem exibidos publicamente como parte das equipes de exibição acrobática da VVS, como uma ferramenta de marketing para tentar vender o Mig-35 nos mercados de exportação.

Os russos não têm um caça médio ou leve da mesma categoria. A substituição - talvez na forma do monomotor Su-75 "Checkmate" - ainda é um plano para um futuro distante. Nenhum cronograma específico pode ser mencionado aqui, além do fato que a produção pode ser potencialmente lançada na década de 2030, se houver eoncomendas suficientes até lá.

A frota de caças-bombardeiros é um pouco melhor. Os russos conseguiram construir 127 exemplares do Su-34 ao longo da década (contrapartida do F-15E americanos). 296 dos obsoletos Su-24 ainda estão em operação. Estas aeronaves foram fabricadas entre 1967 e 1993, o que significa que mesmo as células mais novas estão chegando aos trinta anos. O Su-34 não é solução aqui, mesmo com as 30 unidades que estarão entrando em serviço em breve.

Mesmo que haja dinheiro disponível para adquirir mais unidades, é preciso lembrar que, na última década, os russos conseguiram fabricar 18 aeronaves por ano, em média, com a produção tendo atingido seu o pico em meados da década de 2010. Poucas unidades saíram da linha de produção nos últimos anos.

A fabricação do Su-30 multifuncional preenche parcialmente o gap de capacidade que surgirá com a retirada dos Su-24. Apenas 134 unidades foram feitas até agora, e usar o Su-30 como substituto do Su-24 significa que eles não estariam disponíveis para outras missões.

O Su-24 ainda é um dos vetores mais importantes para a Rússia, mas já pode ser considerado obsoleto

Su--34

A frota de caças pesados da família Su-27 parece estar na melhor forma - relativamente. Durante a última década, foram produzidos 134 Su-30, e 98 dos 128 Su-35 adquiridos eram novos de fábrica. Some-se a estes mais 22 Su-27 modernizados, e temos um total de 247 aeronaves, que podem permanecer em serviço ativo por um tempo relativamente longo, com disponibilidade satisfatória.

A VVS opera 380 jatos Su-27 agora. O que foi dito acima significa que mais de 130 são aeronaves antigas, que precisam ser substituídas em breve. 30 deles seriam substituídos pelos jatos Su-35S ainda encomendados mas aindanão fabricados.

O que seria usado para substituir os 100 exemplos restantes? Teoricamente, o Su-57.

Isso acontecerá apenas se a produção em série da plataforma de nova geração não sofrer mais atrasos. Até o momento, 78 unidades foram encomendadas.Eles devem ser entregues nos próximos 7 anos. Até agora, um único exemplar de pré-serie foi entregue, embora o programa PAK-FA / Su-57 já esteja ativo há vários anos.

A frota de interceptores Mig-31 também enfrenta alguns problemas. A última aeronave do tipo foi entregue em 1994, ou seja, 27 anos atrás. Os Mig-31 foram atualizados para o padrão MiG-31BM ou MiG-31K (plataforma de transporte para o míssil hipersônico Kh-37M2 Kindzhal).

Isso não altera o fato de que a maioria dessas aeronaves tem mais de 30 anos, chegando gradativamente ao fim de seu ciclo de vida. Apenas o desenvolvimento de uma plataforma de substituição - que deve acontecer dentro do programa PAK-DP / MiG-41 - é uma solução de longo prazo viável.

Considerando os vários problemas no programa Su-57, é difícil avaliar quando tal plataforma poderia nascer e se os desafios técnicos, por exemplo relacionados aos motores, seriam superados. Circunstâncias semelhantes também surgiram no caso do programa PAK-FA.Será que os russos dispõem da tecnologia adequada para a plataforma PAK-DP, o que evidentemente não é o caso dos motores Su-57? Os recursos também estariam disponíveis?

As plataformas CAS também estão em um estado relativamente ruim - aqui, o Su-25 é o principal ativo, 197 dos quais atualmente permanecem em serviço. Embora oficialmente a fábrica ainda esteja operacional e derivados do projeto estejam sendo oferecidos, nenhuma plataforma nova do tipo foi entregue às Forças Russas desde 2010. A aeronave de treinamento de combate Yak-130 pode ser uma solução aqui - 113 exemplos foram entregues às Forças Armadas russas entre 2010 e 2020. No entanto, é muito mais provável que os UCAV ('drones de combate') MALE (média altitude / grande autonomia) e os UCAV a jato (como o S-70 Okhotnik, utilizando um design de asa voadora) substituíssem os Su-25.

Não existe substituição em vista para os bombardeiros estratégicos. Os Tu-22M foram fabricados até 1997 - no entanto, nenhum plano específico foi colocado em prática, quando se trata de um sucessor em potencial. Os russos estão atualmente executando o programa de bombardeiros de nova geração PAK-DA, com o vôo inaugural do protótipo esperado para 2023. A linha do tempo, no entanto, parece ser altamente otimista. Mesmo que o protótipo faça seu vôo inaugural no prazo, pode levar anos até que essas aeronaves se tornem parte dos estoques russo. Não se espera apenas que o bombardeiro PAK-DA substitua o Tu-22M, como também, a longo prazo, os Tu-160 "Blackjack". A fabricação deste último foi reiniciada, mas apenas um ou dois exemplares foram entregues, com o uso de componentes que datam da época da URSS.

O Mig-41 será assim?

A frota de aeronaves de apoio também parece sofrer. A Rússia opera atualmente 15 plataformas AEW. Apenas um foi entregue durante a última década. Dos 19 navios-tanque Il-78, 6 foram entregues nos últimos 10 anos. No caso de 114 aviões caegueiros Il-76, apenas seis têm menos de 10 anos. A tentativa de reiniciar a fabricação do An-124 acabou sendo um fracasso.

Como podemos ver - o ritmo de substituição das aeronaves legado por novas na VVS e na Marinha Russa - embora retratado como a taxa de substituição do modelo, em oposição à USAF - ainda é bastante insuficiente. A fabricação de jatos de 4+ gerações não é uma alternativa inteligente para fazer frente aos programas de 5ª geração, como o F-35 ou o F-22. É mais uma expressão da falta de habilidade para fabricar plataformas mais avançadas.

Apesar dos investimentos e esforços financeiros - que levaram à introdução de quase 400 aeronaves de combate novas ou modernizadas em serviço na VVS nos últimos anos - ainda parece que manter o potencial atual permaneceria impossível.

Números decrescentes

Isso não aconteceria mesmo no caso das pesadas plataformas multifunção / superioridade aérea, com o melhor financiamento disponível. A frota sofreria com uma redução quantitativa de 10-20%. No entanto, dado o lançamento da fabricação em série do Su-57 aqui, a situação pode não ser tão ruim.

Cortes radicais, no entanto, podem ser esperados no caso do componente de ataque da Força Aérea - atualmente operando quase 300 Su-24 Fencer legados, e apenas um pouco mais de 100 Su-34 Fullback novos.

Uma queda completa pode ser esperada no caso das plataformas de caça leve, já que não existe substituto para o Mig-29. Apesar da estréia do Su-75 barulhento, não há um sucessor relevante da Fulcrum à vista. Enquanto isso, empregar o MiG-35 nessa função é caro (dois motores), e não é suficiente a longo prazo, pois o desempenho dessa aeronave é, na melhor das hipóteses, comparável ao F-16 Block 70/72.

A situação é semelhante para a frota de interceptores, mas a atualização do MiG-31BM pode estender a vida útil do Foxhound.

Novos designs

A Força Aérea Russa atualmente baseia seu potencial exclusivamente em projetos que datam dos tempos da URSS e pertencentes à geração 4+. O Su-57 pode ser uma exceção aqui - talvez a frota de caças pesados ​​possa consistir em aeronaves de 5ª geração.

Os programas restantes (Su-75, PAK-DA, MiG-41, PAK-VTA / Il-106 de transporte aéreo) parecem não ter a viabilidade necessária, pelo menos no futuro próximo. Em pelo menos alguns casos, podem ocorrer problemas técnicos [N.T. como a queda recente do protótipo do Il-112]. Em todos os casos, o financiamento pode representar um grande problema.

Devido ao custo, os EUA ou a China também não seriam capazes de lidar com todos os programas citados de uma só vez, especialmente se uma qualidade comparável às plataformas dos EUA fosse esperada. O custo de P&D é uma coisa, encomendar centenas de novas aeronaves para garantir a substituição 1:1 das plataformas legadas, chegando ao fim de seus ciclos de vida, é outra questão candente aqui.

As perspectivas de exportação podem ser vistas como uma oportunidade em potencial - a Rússia pode encontrar clientes em potencial e confiáveis, ou mesmo parceiros, para seus programas de desenvolvimento. Até agora, Moscou não teve muito sucesso aqui, especialmente na era do embargo americano imposto aos países que importam os produtos da indústria de defesa russa.

O programa HAL FGFA, perseguido em conjunto pela Índia e Rússia, e girando em torno da plataforma PAK FA, pode ser um bom exemplo aqui, à semelhança do anúncio de um projeto que visa o desenvolvimento de um caça leve em conjunto com os Emirados Árabes Unidos, baseado no MiG-29.

Diminuição de Números e Significância

Parece então que, no futuro próximo, assistiremos a grandes cortes na aviação militar russa, resultantes de deficiências tecnológicas e financeiras.

A forma quantitativa das unidades de caças-bombardeiros sofreria grandes cortes (talvez da ordem de 50%), as unidades de caças leves também sofreriam reduções (isso se refere ao MiG-29), enquanto a frota de interceptores pode sofrer estagnação, na melhor das hipóteses.

As lacunas podem ser preenchidas, até certo ponto, por plataformas não tripuladas como o S-70 Okhotnik, voado e testado desde 2018, ou plataformas MALE menos avançadas. Independentemente do acima exposto, parece que a capacidade de dissuasão da Rússia está sendo e será gradualmente reduzida.

O status da Aviação russa e o status do orçamento de Defesa da Rússia também influenciam o nível de treinamento dos pilotos russos. Eles acumulam muito menos horas de vôo do que seus colegas chineses ou da OTAN, por exemplo.

Isso pode ter um impacto no número de acidentes aéreos na última década. Desde o início de 2010, a Rússia perdeu 46 aeronaves, incluindo 8 que eram novas: 11 Su-24s, 10 MiG-29s (incluindo dois perdidos por mercenários na Líbia), 7 Su-27s, 6 Su-25s, 3 Tu-22s , 3 Su-30s, 3 Su-34s, 1 Su-35S, 1 Su-33 e 1 Su-57. Os números mencionados constituem vários percentuais das aeronaves recém-produzidas, embora se refiram apenas às perdas irrecuperáveis ​​divulgadas - incluindo as de combate. Eles não retratam o uso e desgaste,e danos que, no longo prazo, também podem contribuir para o descomissionamento dos ativos da Força Aérea.



Observação: este importante artigo foi, compreensivelmente, muito mal recebido pela Força Aérea Russa, que publicou uma réplica ao artigo. Publicaremos a tréplica em outro post no GBN Defense como sendo a Parte 2.

Tradução e adaptação: Renato Henrique Marçal de Oliveira*


*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)

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