sábado, 3 de outubro de 2020

A "rodovia Trump" para a paz no Oriente Médio

No dia 15 de setembro, foram assinados os Acordos de Abraão, em que Emirados Árabes Unidos e Bahrein estabelecem relações diplomáticas formais com Israel. Falamos dos acordos com mais detalhes em outro artigo: Acordos entre Israel e países árabes - 72 anos em 1 mês

Assinatura dos Acordos de Abraão. Da esquerda pra direita: Ministro das Relações Exteriores do Bahrein, Abdullatif Al Zayani; Primeiro Ministro de Israel, Binyamin Netanyahu; Presidente dos EUA, Donald Trump; Ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Abdullah bin Zayed

Tais acordos, mediados pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, representam a mudança mais significativa dos paradigmas diplomáticos referentes ao conflito árabe-israelense desde os Acordos de Paz de Oslo, de 1993.

Não faltou quem dissesse que os Acordos de Abraão significam o abandono dos palestinos à própria sorte; a PA (Autoridade Palestina, estabelecida pelos Acordos de Oslo), inclusive, chegou a cogitar seu desligamento da Liga Árabe quando seu pedido de moção de repúdio foi rejeitado pela Liga.

Entretanto, não é de conhecimento de muitas pessoas a sequência de eventos que levou ao abandono dos Acordos de Oslo, pelo menos na prática.

A seguir, vamos explicar, resumidamente, como surgiram os Acordos de Oslo, e aonde o processo degringolou.

IMPÉRIO OTOMANO, MOVIMENTO SIONISTA, IMPÉRIO BRITÂNICO E MANDATO DA PALESTINA

O povo judeu, cuja permanência na região tem cerca de três mil anos, ansiava por reestabelecer o antigo Estado de Israel. O Movimento Sionista surgiu no final do Século 19, com base na percepção, pelos judeus, de que eles precisavam de um território em que pudessem ser parte majoritária da população. O povo judeu foi perseguido, ao longo da História, em praticamente todos os países em que estiveram. Embora o judaísmo seja uma religião incrivelmente diversa e complexa, a Eretz Israel (Terra de Israel) e, principalmente, a cidade de Jerusalém, eram pontos de convergência aos quais mesmo os judeus não praticantes do judaísmo podiam convergir.

Sob a égide do Movimento Sionista, os judeus do mundo todo começaram a se organizar e a articular com as potências do final do Século 19 e início do Século 20, especialmente a Inglaterra, o reestabelecimento de Israel no Levante, região onde se encontram varios países, inclusive os atuais Israel, Líbano e Síria, já foi parte de vários países e impérios ao longo da História. Um deles foi o poderoso Império Otomano, que dominou boa parte do Oriente Médio por vários séculos, e o Levante por cerca de 400 anos. Sob domínio otomano, o Levante era uma região relativamente pouco desenvolvida e populada do Império.

Um aspecto fundamental do Movimento Sionista foi a migração maciça de judeus para o Levante. O afluxo financeiro trazido pelos judeus levou a um grande desenvolvimento do Levante, que por sua vez atraiu um grande fluxo migratório árabe, principalmente de regiões como os atuais Egito e Síria.

O Império Otomano já estava em franca decadência no início do Século 20, e se aliou à Alemanha na Primeira Guerra Mundial. A Guerra acelerou ainda mais a derrocada otomana, e em 1916 a Revolução Árabe, apoiada pelo Reino Unido, acabou por tirar do Império Otomano a posse do Levante.

A contribuição do Movimento Sionista ao esforço de guerra britânico foi coroado, em 1917, pela Declaração de Balfour. Neste documento, o PM (Primeiro Ministro) britânico, Lorde Balfour, estabelecia que a Inglaterra se comprometia, oficialmente, a ajudar na criação do Estado de Israel no Levante, no lugar onde hoje se encontram Israel e Jordânia, além de partes de outros países, como as Colinas de Golã.

Entretanto, em função dos acordos costurados para a Revolução Árabe e outros acordos da Primeira Guerra, Inglaterra e França tinham se comprometido a dividir a região entre vários players. Os Acordos Sykes-Picot, assim chamados em função dos nomes dos MRE (Ministros das Relações Exteriores) do Reino Unido e da França, respectivamente, dividiu a região em Mandatos, ou áreas sob a influência inglesa e francesa. Partes do Levante ficaram sob influência inglesa, especialmente os atuais Israel, Jordânia e Egito, e outras partes ficaram sob influência francesa. O Tratado de Sèrves, assinado após a Primeira Guerra em 1918, consolidou os Acordos Sykes-Picot. Israel ficou sendo parte do Mandato da Palestina.

Essa divisão acabou aumentando a já milenar confusão do Oriente Médio, com grupos étnicos e religiosos divididos em fronteiras artificiais, e grupos com rivalidades antigas frequentemente compartilhando o mesmo território.

Ou seja, a influência ocidental não criou as tensões no Oriente Médio, mas exacerbou muitas delas. Uma dessas tensões foi o não cumprimento da Declaração de Balfour, com populações árabes e judias dividindo o território nas próximas décadas. Por exemplo, a Jordânia conquistou sua independência em 1925, ficando assim com cerca de 75% do que deveria ser território de Israel.

Uma solução posterior, aventada por vários diplomatas, e cofirmada pela Comissão Peel, de 1937, era a criação de dois países, um para os judeus e outro para os árabes. Israel ficaria, então, com cerca de 15% do território originalmente destinado aos judeus. Mas a oposição árabe à criação do país judeu impediu o estabelecimento de Israel até sua independência em 1947, confirmada pela ONU em 14 de maio de 1948, em sessão da presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, que até hoje é muito querido em Israel.

Na época, o país tinha cerca de 1 milhão de habitantes, com aproximadamente metade disso de judeus e metade de árabes, além de outros grupos.


A "QUESTÃO PALESTINA" E O TERRORISMO

A confirmação da independência de Israel pela ONU acabou levando a um ataque conjunto dos árabes no dia seguinte, 15 de maio de 1948, a chamada Guerra da Independência. Ao final dessa guerra, Israel acabou conquistando boa parte do seu atual território, mas a região da Faixa de Gaza ficou ocupada pelos egípcios, e a região da Cisjordânia ficou ocupada pela Jordânia, inclusive boa parte de Jerusalém. Ambas as ocupações eram consideradas ilegais, mas permaneceram ainda assim.

A Guerra da Independência acabou por criar uma troca de populações - cerca de 400 mil árabes fugiram ou foram expulsos de Israel, enquanto que cerca de 800 mil dos judeus habitantes de países árabes da região (Egito, Síria, Iraque, Marrocos...) foram expulsos, e cerca de 400 mil deles acabaram emigrando para Israel. Ou seja, o número de árabes que saíram e de judeus que entraram em Israel foi mais ou menos o mesmo.

Vários árabes acabaram ficando no país judeu, e muitos deles quiseram retomar a divisão do Mandato da Palestina segundo os parâmetros da Comissão Peel. Israel, obviamente, não queria dividir território que era internacionalmente reconhecido como seu, criando tensões com os árabes que não queriam ficar sob domínio judeu. Ademais, os refugiados árabes queriam voltar a Israel, mas isso era impossível, tanto pelo fato de Israel não querer absorver tamanha população potencialmente hostil, como pelo fato de que os judeus que chegaram ao país acabaram se alojando nas casas e cidades deixadas pelos árabes.

Esta situação ficou conhecida como "questão palestina" - ou seja, a percepção, entre os árabes, que Israel ocupa território que deveria ser usado para a fundação do Estado da Palestina, muito embora tal Estado nunca tenha existido na história, com os árabes da região recusando a alcunha de palestinos, já que o termo, por séculos, foi usado como sinônimo de judeus.

Bandeira Palestina em 1924. Note-se a Estrela de Davi, antigo símbolo do judaísmo

Essas tensões internas levaram a que, em 1964, três anos antes da Guerra dos Seis Dias, os palestinos organizassem o grupo jihadista Fatah, liderado por Yasser Arafat, tinha como objetivos resolver a "questão palestina". O Estatuto original do Fatah excluía, de modo textualmente explícito, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, mesmo com as ocupações não sendo reconhecidas internacionalmente, conforme explicado anteriormente.

Ou seja, o Fatah queria estabelecer a Palestina no lugar de Israel. O terrorismo era sua principal ferramenta. Outros grupos terroristas começaram a surgir.

  

GUERRA DOS SEIS DIAS, GUERRA DO YOM KIPPUR E OS ACORDOS DE CAMP DAVID

 Na Guerra dos Seis Dias (1967), Israel conseguiu ocupar e manter vastos territórios, inclusive a Península do Sinai (que eram do Egito) e as Colinas de Golã (que eram da Síria). O resultado foram os "Três nãos de Khartoum", nomeados assim por terem sido resultantes de uma reunião de emergência da Liga Árabe na capital sudanesa: não negociar com Israel, não fazer paz com Israel, não reconhecer o Estado de Israel. Essa resolução iniciou um processo bastante prolongado de isolamento de Israel, especialmente entre os países árabes, que de certo modo permanece até hoje.

Os países árabes não se conformaram com as perdas, e começaram a se preparar para retomar os territórios perdidos. Em 1973, na Guerra do Yom Kippur, apesar de não conseguirem recuperar seus territórios, os árabes mostraram que a simples manutenção desses territórios era insuficiente para Israel se manter em segurança, e que era necessário, de alguma forma, negociar com os árabes, apesar dos "Três nãos".

Em 1979, com mediação dos EUA, Israel e Egito (país árabe mais populoso) assinaram os Acordos de Camp David, sob a fórmula "terra por paz": Israel abriu mão de partes dos territórios conquistados em 1967, em troca de um profundo acordo de paz com o Egito. Para garantir as necessidades israelenses em termos de segurança, a Península do Sinai (que foi cedida ao Egito) seria uma DMZ (região desmilitarizada), ou seja, a presença militar egípcia seria bastane reduzida, e quaisquer movimentações militares à região teriam que ser acordadas com Israel. Isso aconteceu algumas vezes, para enfrentamento de grupos jihadistas como o ISIS (Estado Islâmico).

Algo que foi muito significativo foi o fato de o Egito se recusar a receber de volta a Faixa de Gaza, dizendo que a área deveria fazer parte do futuro Estado da Palestina. Isso teria implicações profundas nos anos seguintes.

Os Acordos de Camp David tiveram profundo impacto no Oriente Médio. Da esquerda pra direita: Presidente do Egito, Anwar Sadat; Presidente dos EUA, Jimmy Carter; PM de Israel Menachen Begin

O acordo foi muito significativo porque esabeleceu um novo paradigma: quebrou os "Três nãos" através da fórmula "terra por paz". Embora houvesse muita desconfiança e ceticismo, o acordo segue firme e forte, 4 décadas após sua assinatura. Mas não foram só flores.

Apesar de expressivos, os Acordos de Camp David não eram bem vistos nem pela população árabe em geral, nem pelos governantes árabes, e não conseguiram quebrar o impasse dos "Três nãos".

O Egito foi suspenso da Liga Árabe pouco depois da assinatura dos Acordos, e ficou suspenso por quase 10 anos. Ainda em função dos Acordos, Sadat foi assassinado em 1981.

O receio de que a mesma situação ocorrese em outros países acabou por sepultar de vez as perspectivas de novos acordos.

E ao longo de todo o processo, os ataques terroristas do Fatah seguiam cada vez mais intensos e frequentes, com Israel contra-atacando com dureza.

 

A PRIMEIRA INTIFADA E OS ACORDOS DE OSLO

Esses ataques e contra-ataques culminaram, em 1987, na Primeira Intifada (intifada é um termo árabe que equivale a 'levante popular'), em que o Fatah e outros grupos jihadistas atacaram, de forma coordenada, os colonos israelenses nos diversos assentamentos judaicos nos Territórios (Faixa de Gaza e Cisjordânia, que antes da Guerra dos Seis Dias estavam sob ocupação, não reconhecida internacionalmente, do Egito e da Jordânia, respectivamente). Esses ataques se prolongaram até 1993, com a morte de cerca de 300 israelenses e 2 mil palestinos. O segundo maior grupo terrorista era o Hamas, cujo principal polo é a Faixa de Gaza, enquanto o Fatah é mais presente na Cisjordânia.

O Presidente dos EUA na época, Bill Clinton, conseguiu costurar um acordo sob a fórmula "terra por paz". Para dar mais legitimidade ao processo, a União Europeia foi chamada a fazer parte, assim como a ONU e outros órgãos internacionais.

Os Acordos de Oslo marcaram uma grande mudança diplomática no Oriente Médio. Da esquerda pra direita: PM de Israel Yitzhak Rabin; Presidente dos EUA, Bill Clinton; Presidente da recém-criada PA (Autoridade Palestina), Yasser Arafat

Resumidamente, os Acordos de Oslo estabeleciam que:

  • O Fatah se transformou na PA, e deveria cessar os ataques terroristas, além de impedir ataques de outros grupos palestinos, inclusive o Hamas
  • Israel reconheceria a PA como a única representante legítima interina dos palestinos, a ser substituída pelo Estado da Palestina ao final do processo
  • A PA reconheceria a existência e a legitimidade do Estado de Israel
  • A PA assumiria, gradativamente, as funções de um governo, e uma das principais missões seria encerrar a agressividade palestina contra Israel, desarmando as diversas facções insurgentes
  • Haveria um governo palestino de transição, cujo período seria de 5 anos, em que Israel passaria, gradativamente, as responsabilidades de governo dos Territórios Palestinos à PA
  • Israel cederia determinados territórios, inclusive boa parte de Jerusalém e Hebron, para o estabelecimento do futuro Estado da Palestina
  • Os "três nãos" encerrariam quando o Estado da Palestina fosse estabelecido, e os países árabes fariam seus acordos de paz com Israel. A Jordânia fez um acordo de paz com Israel logo em seguida, e assim como o Egito, abriu mão da Cisjordânia, para que partes daquele territóirio fossem alocadas para o Estado da Palestina

Como se pode perceber, ao final do processo, deveriam existir dois países soberanos e independentes - Israel e Palestina - compartilhando certos recursos, especialmente hídricos, e algumas cidades, principalmente Jerusalém e Hebron, seriam compartilhadas entre os dois países. Mas um fato ainda mais significativo era que a paz entre árabes e israelenses dependia não apenas do paradigma "terra por paz", mas também o paradigma "a rodovia para Riyadh (capital da Arábia Saudita) passa por Ramallah (capital da PA)”, que atrelava a paz entre árabes e israelenses à resolução do conflito palestino-israelense.

A "rodovia Ramallah-Riyadh" inspirou muitos países e movimentos, como o BDS (boicotes, divestimentos, sanções), que visavam forçar Israel a “ser mais flexível” e fechar um acordo de paz com os palestinos.

 

SEGUNDA INTIFADA, ELEIÇÕES GERAIS PALESTINAS E A ASCENSÃO DO HAMAS AO PODER NA FAIXA DE GAZA

Os Acordos não eram unanimidade nem entre israelenses, nem entre palestinos - tanto que o PM Yitzhak Rabin foi assassinado, por um israelense, pouco tempo depois da assinatura dos Acordos.

A rejeição aos Acordos dentro da PA também era, e continua sendo, muito significativa, apesar do reconhecimento internacional e relaxamento de restrições de segurança que acompanharam os Acordos

Yasser Arafat, líder da PA à época, foi duramente criticado por vários líderes palestinos, pois uma das cláusulas dos Acordos era o reconhecimento da legitimidade do Estado de Israel, algo que até hoje muitos palestinos rejeitam.

Pressionado por seus pares, Arafat decidiu, ainda antes da Cúpula de Camp David, que aconteceu em 2000, que iria romper com os Acordos, conforme relatado por sua então esposa, Suha Arafat. Entretanto, ele não via como fazer isso sem se complicar frente aos parceiros internacionais dos Acordos, especialmente os EUA, cuja pressão aumentou ainda mais depois da Cúpula.

O PM israelense na época, Ariel Sharon, forneceu o pretexto perfeito ao visitar, sob pesada escolta, o Monte do Templo, lugar mais sagrado do judaísmo. Acontece que, sobre o Monte do Templo, os muçulmanos construíram a Esplanada das Mesquitas, que incluem a Mesquita de al Aqsa e o Domo da Rocha (famoso por sua cúpula dourada), e também a consideram um local sagrado.

Revivendo os antigos rumores de que “os judeus querem destruir al Aqsa”, Arafat conseguiu, com grande habilidade, convocar a Segunda Intifada, um levante popular palestino que semeou destruição e morte por todo o território israelense por mais de 4 anos, entre setembro de 2000 e janeiro de 2005; a morte de Arafat em 11 de novembro de 2004 ajudou a “esfriar” a Intifada.

O saldo da Segunda Intifada foi terrível - mais de 1 mil israelenses e mais de 3 mil palestinos mortos, além de grande destruição de propriedades.

Além disso, os israelenses não só reimpuseram como endureceram as restrições de movimentos dos palestinos que existiam antes dos Acordos de Oslo, inclusive com a construção de uma barreira de segurança que corta muitas cidades ao meio.

Mas um resultado intangível, embora seja também inegável, persiste até hoje - a quebra da confiança entre as partes. As eleições gerais palestinas iriam complicar ainda mais a situação.

Os acordos entre Israel e a PA para acabar com a Intifada incluíam a retirada israelense da Faixa de Gaza, concluída em 2005, e a realização de eleições gerais palestinas no ano seguinte.

As eleições gerais palestinas incluíram, por pressão dos EUA, o Hamas, apesar de o grupo ser reconhecido por muitos países como uma organização terrorista. O discurso belicista do Hamas, invocando os tempos em que Arafat executava ações terroristas bastante ousadas, tinha (e ainda tem) grande apelo junto aos palestinos, o que lhe assegurou a vitória nas eleições. A PA se recusou a endossar a vitória do Hamas.

Na Cisjordânia, a presença maciça da PA impediu que o Hamas assumisse o poder, mas na Faixa de Gaza, aonde a presença do Hamas era (e é) mais forte lhe assegurou a vitória, após uma breve guerra civil; a retirada israelense da região facilitou muito o trabalho do Hamas, que governa a faixa de Gaza desde então.

O resultado foi um cisma entre a PA e o Hamas, que dura até hoje, e significa que, na prática, os palestinos tem 2 entidades sub-governamentais - o território sob governo da PA (Cisjordânia) e o território sob governo do Hamas (Faixa de Gaza).

Assim que assumiu o poder na Faixa de Gaza, o Hamas passou a lançar inúmeros ataques contra Israel, que por sua vez respondeu com uma forte ação militar, seguido por um cessar fogo muito frágil, seguido por outra rodada de ataques…

Ao todo, houve 5 conflitos maiores, fora diversas outras escaramuças, desde 2006. Milhares de foguetes e morteiros foram disparados pelo Hamas, que Israel respondeu com ataques aéreos, de artilharia, blindados…

Além das milhares de baixas entre o Hamas e centenas de baixas entre os Israelenses, um número enorme de civis palestinos foram atingidos, em grande parte devido ao costume do Hamas em se esconder em meio à população civil.

 

CONSEQUÊNCIAS DA SEGUNDA INIFADA

Além da destruição e perda de vidas, a Segunda Intifada gerou, entre os palestinos, um grande ressentimento, e a perda da confiança entre os israelenses. A barreira de segurança, os postos de controle militares, as incursões noturnas, prisões e baixas, que lhes foram infligidos pelos israelenses, fez com que os palestinos não vejam nos israelenses um parceiro para a paz.

Entre os israelenses, os ataques terroristas (que na Primeira Intifada se restringiram aos assentamentos israelenses na Cisjordânia e na Faixa de Gaza) se espalharam por todo o território israelense, gerando uma grande sensação de medo e insegurança na população.

Ademais, muitos dos proponentes dos acordos de paz asseguraram à população em geral que, se os palestinos tivessem seu próprio território, haveria paz. Mas os contínuos ataques a partir da Faixa de Gaza mostraram que a realidade é bem mais complexa do que isso.

Por fim, o fato de a Segunda Intifada irromper durante um processo de negociação dos Acordos levou muitos israelenses a concluir que não se pode confiar nos palestinos ainda que haja acordos assinados com eles.

O resultado final dessa desconfiança mútua é uma total falta de vontade, de ambas as partes, em negociar acordos de paz.

Israel ainda fez propostas aos palestinos, as quais foram rejeitadas. Os palestinos fizeram uma proposta aos israelenses, que também rejeitaram a proposta.

Por conseguinte, a Segunda Intifada e as guerras contra o Hamas, e a insegurança e medo que geraram entre os israelenses, mais o ressentimento entre os palestinos e a desconfiança mútua, resultaram em uma situação em que é muito difícil achar pontos de concordância entre os palestinos e os israelenses.

Entre os palestinos, a certeza de que Israel não faria acordos com os árabes lhes dava a sensação de que o tempo estava a seu favor, portanto eles não estavam dispostos a fazer concessões. Pelo contrário - suas demandas aumentavam a cada rodada de negociações. Algumas demandas vistas como inegociáveis como palestinos - o “direito de retorno”, as “fronteiras pré Guerra dos Seis Dias” e dividir Jerusalém como capital do futuro Estado Palestino, são vistas como inconcebíveis até mesmo pelo israelense mais disposto a fazer acordos.

O “direito do retorno” é o conceito palestino, sem precedentes na História, de que os descendentes dos refugiados da Guerra de Independência (1948) e Guerra dos Seis Dias (167), cujo número de uns 5 a 6 milhões iguala ou supera a população atual de Israel, tem o mesmo direito à terra que seus antepassados. Isso é inaceitável aos israelenses devido ao temor que, uma vez que sejam maioria, os palestinos persigam os judeus da mesma forma como outros povos fizeram ao longo da história. Ou seja, eles temem que o Movimento Sionista seja desfeito pela “bomba demográfica” do “direito do retorno”, portanto os israelenses não vão conceder neste ponto. O que os israelenses já propuseram é garantir o retorno dos refugiados ainda vivos, cujos números, atualmente, não passa de algumas dezenas de milhares de pessoas, mas os palestinos rejeitam veementemente essa possibilidade.

Em relação às “fronteiras pré Guerra dos Seis Dias”, a questão da segurança israelense é reforçada pelo fato que a ocupação jordaniana na Cisjordânia usava tais fronteiras para assegurar um terreno elevado, que lhes permitia bombardear as maiores cidades israelenses com facilidade. Os constantes ataques do Hamas causam relativamente poucas baixas porque o entorno da Faixa de Gaza é relativamente pouco povoado, mas o entorno da Cisjordânia concentra milhões de pessoas, portanto os israelenses não querem ceder neste ponto. O que os israelenses propõem são novas fronteiras, vistas como inaceitáveis pelos palestinos.

Já a divisão de Jerusalém é vista como inaceitável por boa parte dos israelenses devido aos fatos mencionados acima em relação ao Movimento Sionista. O que já foi proposto, e considerado pelos palestinos (mas depois rejeitado), foi a possibilidade de estabelecer Abu Dis, uma cidade da região metropolitana de Jerusalém, como capital do futuro Estado Palestino. A posição palestina em relação a Jerusalém fez com que, por décadas, nenhum país estabelecesse sua embaixada em Jerusalém, escolhendo, ao invés disso, a cidade de Tel Aviv, a segunda maior cidade israelense.

Entre os israelenses, a superioridade militar, a segurança reinante depois da Segunda Intifada, mais a desconfiança em relação aos palestinos, fazia com que a população não tivesse disposição nenhuma em fazer concessões. A pressão internacional, ao invés de mudar a opinião pública israelense, a consolidava cada vez mais, devido ao receio de que a concessão de territórios, que era vista como condição sine qua non para quaisquer acordos, resultassem em ataques parecidos aos que o Hamas executa ao redor da Faixa de Gaza.

A "rodovia Ramallah-Riyadh" se manteve bloqueada por três décadas, dos anos 1990 até o final dos anos 2010.

 

TRUMP E “A ARTE DA NEGOCIAÇÃO”

Em 2016, Donald Trump venceu as eleições nos EUA, e imediatamente começou a quebrar o paradigma “Ramallah-Riyadh”. Ele reconheceu muito rapidamente que, se o paradigma antigo não resultou em avanços significativos em 3 décadas, era preciso tentar outro caminho, bem ao estilo do seu livro best seller “A Arte da Negociação”.

Capa do livro A arte da Negociação

Algumas mudanças de paradigmas que já estavam em andamento à época que Trump chegou ao poder, foram rapidamente reconhecidos e explorados por ele:

  • A 'questão palestina' perdeu a proeminência que teve entre os países árabes nos anos da Segunda Intifada. Isso ocorreu por várias razões, como a percepção de que a liderança palestina é corrupta e intransigente, tendo recusado propostas que outros povos, como os curdos, aceitariam sem pestanejar

  • Outro fator que levou à mudança de prioridades dos países da região foi a 'Primavera Árabe', nome dado a uma sequência de levantes populares em vários países da região, em função da estagnação econômica e tensões étnico religiosas, inclusive entre as vertentes do islamismo. Com vários países afundando em crises internas, algumas delas graves a ponto de virarem guerras civis, muitos povos começaram a se preocupar muito mais com seus próprios problemas do que com os problemas palestinos

  • O Irã, cuja política expansionista é cada vez mais assertiva, se aproveitou dos problemas de vários países para aumentar sua influência na região. Os governantes destes países, receosos da expansão iraniana, viram em Israel um poderoso aliado, já que as capacidades militares e de Inteligência israelenses são bastante robustas, e concluíram que a 'causa palestina' é menos importante que os benefícios de uma aliança com Israel

  • Aproximar-se de Israel, cuja tecnologia avançada pode beneficiar vários países da região, tem ainda o benefício de melhorar o acesso aos EUA, fortes aliados de Israel. A ameaça iraniana torna tal aproximação ainda mais atraente

A genialidade que fez Trump ganhar bilhões no mundo dos negócios o levou a enxergar uma oportunidade única de alavancar o processo de paz, ainda que a "rodovia Trump" evitasse totalmente a "rodovia Ramallah-Riyadh".

A "rodovia Trump" vê nos países árabes do Golfo Pérsico, especialmente EAU, Bahrein, Arábia Saudita, um caminho mais promissor que a resolução da "questão palestina". Ou seja, a "questão palestina", na visão de Trump, é uma questão à parte dos acordos de paz entre árabes e israelenses, e como tal deve ser negociado à parte, sem impedir que outros acordos sejam fechados.

Uma das primeiras ações de Trump para construir sua "rodovia" foi o reconhecimento do fato que Jerusalém é a capital de Israel - independente da opinião pessoal, não há como negar que a sede do Governo, o Knesset (Parlamento), a sede das IDF (Forças de Defesa de Israel), a sede do Poder Judiciário… todos estão em Jerusalém. A transferência da Embaixada Americana foi anunciada em dezembro de 2017 e concluída em 14 de maio de 2018, aniversário dos 70 anos do estabelecimento do Estado de Israel.

Outra ação americana, também estratégica, foi não apenas suspender o envio de dinheiro à PA até que ela tomasse medidas favoráveis à paz, mas também convencer os países árabes a fazer o mesmo, aproveitando a percepção de corrupção generalizada na liderança palestina.

Esse movimento americano causou espanto na comunidade internacional, mas também forçou os palestinos a reconhecer que o tempo não está, afinal, a seu favor. Até o cisma PA-Hamas quase foi superado!

Como se fosse pouco, Trump ainda conseguiu costurar, com sua genialidade bilionária, acordos de paz entre Israel e países árabes - em 4 anos de governo, Trump conseguiu fechar, até o momento, dois acordos de paz (o mesmo que os 72 anos anteriores) e outros parecem bastante próximos de serem concluídos ainda este ano.

 

CONCLUSÃO

Embora a situação ainda esteja em andamento, e portanto seja difícil antever os obstáculos na "rodovia Trump", além de críticas e incertezas quanto à viabilidade e a longevidade de tais ações, não há como negar que, até o momento, os resultados desta mudança são muito expressivos.

Um exemplo disso é que, no dia 02/10, o vice MRE sudanês declarou, em uma entrevista a um jornal israelense, que está querendo fazer um acordo com Israel aravés da "rodovia Trump".

Fica aqui a torcida para que muitos acordos de paz sejam costurados entre árabes e israelenses!

 

 

REFERÊNCIAS

https://thehill.com/opinion/international/514475-pompeo-carves-out-new-us-alliance-system-in-middle-east?amp&__twitter_impression=true

https://www.timesofisrael.com/fatah-hamas-say-theyve-agreed-to-hold-palestinian-elections-in-coming-months/

https://www.jpost.com/arab-israeli-conflict/palestinian-funding-from-arab-countries-dropped-by-85-percent-in-2020-643343

https://www.jpost.com/arab-israeli-conflict/the-second-intifada-a-defining-event-that-reshaped-the-nation-642644

http://www.gbnnews.com.br/2020/09/acordos-entre-israel-e-paises-arabes-72.html

https://edition.cnn.com/2013/09/03/world/meast/oslo-accords-fast-facts/index.html

https://www.timesofisrael.com/we-need-israel-top-official-says-sudan-will-have-ties-with-jerusalem/amp/?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter&__twitter_impression=true

Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel).

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