segunda-feira, 18 de março de 2024

LIFT - Conheça as melhores opções para o Brasil (atualizado)


Em 18 de dezembro de 2020, a FAB (Força Aérea Brasileira) inaugurou uma nova era: aconteceu o primeiro voo do Saab F-39E Gripen, no Brasil, com um piloto da FAB (foto acima). O caça, com o número de cauda 4101, decolou do Aeroporto Internacional de Navegantes, em Santa Catarina, às 10h35 e pousou na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, às 13h15.


O Gripen é, até o momento, o caça mais avançado em operação na América Latina, e traz a FAB para o século 21, operando plataformas do mesmo nível de países "de ponta", fenômeno esse que não acontecia desde a Segunda Guerra Mundial, com o venerável caça-bombardeiro Republic P-47 Thunderbolt.


O venerável Republic P-47 Thunderbolt nas cores do famoso "Senta a Pua" do Brasil na Segunda Guerra Mundial

Mas, como diz o ditado, “uma andorinha só não faz verão”, e o mesmo se aplica a qualquer sistema de armas, mesmo uma tão avançada como é o caso do Gripen E/F. A FAB está bem ciente disto, e já se prepara para integrar o Gripen a outros elementos que amplificam sua efetividade e possibilitará o emprego pleno de suas capacidades e tecnologias, como nosso Embraer E-99 AEW&C (Alerta Aéreo Antecipado) e R-99 (sensoriamento remoto), nossas aeronaves de patrulha marítima P-3AM (ou seus substitutos) e os novos cargueiros/reabastecedores táticos KC-390, além de outros elementos que estão em processo de obtenção, como é o caso dos futuros KC-30, baseados na plataforma Airbus A330-200, os quais terão por missão o REVO (Reabastecimento Estratégico) e Transporte de Pessoal e Carga. As capacidades do Gripen ganham maior amplitude através da sinergia com estes meios da FAB.


Concepção artística de dois F-39 Gripen fazendo REVO (reabastecimento em voo) com um KC-30

Entretanto, uma lacuna permanece em aberto nas capacidades de nossa Força Aérea, e até o momento não há no horizonte qualquer sinal de uma resposta a esse vácuo existente com a ausência de uma aeronave para desempenhar o papel de  LIFT (aeronave para treinamento e caça leve).


Depois da desativação dos saudosos Xavantes em 2013, o meio mais avançado que a FAB dispõe no campo de qualificação e preparo de seus pilotos é o AT-29 “Super Tucano”, que embora seja uma excelente aeronave de treinamento e ataque leve, é incapaz de simular fielmente as amplas capacidades de caças modernos como é o caso de nossos Gripen E/F, dentre outros aspectos por não possuir o mesmo desempenho proporcionado por uma aeronave a jato.


Super Tucano
Xavante

 O mercado internacional possui várias opções que atendem a esta necessidade, onde encontramos algumas aeronaves muito interessantes para desempenhar papel de LIFT. Neste artigo vamos falar sobre algumas delas, levando em conta estritamente os critérios técnicos, considerando aeronaves que ainda estejam em produção e não sejam consideradas obsoletas ou defasadas tecnologicamente, como é o caso dos MB-339, que ficarão de fora da lista, bem como treinadores turboprop, os quais não se enquadram no perfil que analisamos aqui como uma hipotética opção para cobrir a lacuna existente na FAB. Como de costume, uma tabela com a ficha técnica comparativa de cada aeronave constará ao final do artigo.


Alguns modelos ficarão de fora, já que suas perspectivas de mercado não são boas, como o FAdeA IA-63 Pampa, cuja única exportação foi cancelada por suspeitas de corrupção, e a versão de 3ª geração está num ritmo de produção muito lento, devido aos problemas financeiros da Argentina e o Textron Scorpion, que ainda não conquistou nenhum cliente.


Ademais, sistemas que não se enquadram no padrão da OTAN serão desconsideradas - por exemplo, aeronaves de origem chines ou russa. O motivo para isso é que a FAB adota o padrão da OTAN, portanto a adoção de um novo padrão exigiria mudanças consideráveis na estrutura da Força, envolvendo custos vultosos.


A título de comparação, o Embraer EMB-326 “Xavante” tinha as seguintes características:

  • Monomotor
  • Subsônico
  • Sem fly-by-wire
  • Sem radar, data link ou previsão para armas e sistemas avançados
  • Sem canhão interno

 

Leonardo M-345 HET (Treinador de Alta Eficiência) e M-346 Master

M-345
M-346

O M-345 é um treinador avançado, que voou pela primeira vez em 2018. É um derivado do vetusto SIAI-Marchetti S.211, o qual voou pela primeira vez em 1981, e que ainda está em serviço nas Filipinas. A SIAI-Marchetti hoje em dia faz parte do Grupo Leonardo, que também faz o M-346, do qual falaremos mais adiante. O M-345 já iniciou seu serviço com a Força Aérea Italiana.


O M-345 é impulsionado por um único motor, o Williams FJ44-4M-34, de 3.400 lbf de empuxo. Pode levar 1,2 ton de armas externamente, incluindo pods com canhões (ele não leva armas internamente). Entretanto, até o momento, não há previsão de um radar interno, o que o limita à função de treinamento básico e avançado e ataque leve, em tempo bom - exatamente como o saudoso Xavante. Assim como o Xavante, ele também não tem fly-by-wire.


Já o M-346 Master é um treinador avançado, o qual surgiu nos idos de 1993, fruto de uma cooperação entre a Rússia e a Itália,  qual desenvolvia o YAK-130, aeronave de treinamento avançado que tinha por objetivo substituir os MB-339 italianos e os Aero L-39 russos, a nova aeronave binacional ganhou os céus em 1996, porém, diferenças  entre as partes levaram a saída dos italianos do programa no ano 2000, os quais optaram pelo desenvolvimento da variante italiana desta plataforma, dando origem ao M-346, o qual tinha por alvo o mercado ocidental, enquanto a variante russa, YAK-130, tinha por foco os tradicionais clientes de Moscou.


O primeiro M-346 voou em 15 de julho de 2004, o qual apresentava inúmeros avanços e capacidades superiores ao seu antecessor (MB-339),o bimotor italiano possui um desempenho formidável, podendo atingir a velocidade de 1.255 Km/h (Mach 1.15), sendo adotada pela Força Aérea Italiana, que opera 18 aeronaves do tipo como seu treinador avançado, o qual também foi adotado por Israel, que opera 30 aeronaves, as quais foram objeto de uma negociação envolvendo uma troca de aeronaves e satélites entre os dois países, sendo denominado M-346 “Lavi”, sendo operados também na Polônia e Cingapura.


O M-346 resultou em outras variantes, as quais incorporam capacidades multifunção, sendo capazes de realizar tanto missões de treinamento avançado, como também missões de combate, o caso das variante M-346 LCA (Light Combat Aircraft) desenvolvida em 2015 mirando o programa de substituição da frota de Su-22 da Polônia, a variante M-346 FT (Fighter Training) capaz de alternar entre missões de treinamento e combate, a qual incorporou novos recursos que incluem um novo sistema tático de dados e capacidade de armamento diferente da variante LCA, porém, não incorporaram mudanças em sua estrutura, e por último temos a variante M-346 FA (Fighter Attack), desenvolvida em 2017, capaz de cumprir com missões de combate nos cenários ar-ar e ar-superfície com uma carga útil de 2 toneladas distribuída por 7 estações de armas , incorporando um avançado radar Grifo-346, sistemas de  contra-medidas e recursos furtivos, incluindo grades na admissão dos motores e revestimentos de absorção radar em pontos críticos da fuselagem. Esta variante tem como alvo forças que possuem um orçamento restrito, oferecendo uma solução capaz de prover treinamento avançado e capacidades de combate.


Inclusive durante a LAAD 2019, o GBN Defense apurou que a Leonardo ofertou o M-346 à FAB, apontado como uma solução adequada para substituição das aeronaves de ataque A-1 em serviço com a FAB, apresentando um envelope de missão que permitiria à FAB cobrir sua necessidade de treinamento para os futuros pilotos de F-39 Gripen E/F, como plataforma de treinamento avançado que cobriria a lacuna entre o A-29 e o F-39, somando a sua capacidade de prover treinamento avançado, a capacidade de executar todas as missões hoje incumbidas ao A-1, sendo um verdadeiro LIFT. Lembrando que o Gruppo Leonardo possui um longo histórico de cooperação com as Forças Armadas brasileiras, atuando em diversos setores da indústria de defesa, particularmente na aviação, parcerias com os italianos resultaram no EMB-326 Xavante e AMX A-1.


Escrevemos um artigo mais extenso analisando o M-346, e como é de fato um projeto muito interessante à FAB.


KAI T-50/TA-50/FA-50 Golden Eagle

FA-50

A Força Aérea da Coreia do Sul (ROKAF) lançou em 1992, um programa destinado a criar uma aeronave nacional supersônica, visando substituir seus antigos A-37 e T-38 nas funções de ataque leve e treinamento avançado, para realizar a conversão de seus pilotos para os F-15 e F-16.


Após anos de cancelamentos, relançamentos e estudos, o primeiro voo do T-50 ocorreu em 2002. A Lockheed Martin colaborou no desenvolvimento da aeronave, que tem vários elementos comuns ao F-16, incluindo um sistema fly-by-wire.


Há muitas versões do T-50, do “básico” T-50 ao mais completo FA-50, uma aeronave de ataque leve com excelentes capacidades, incluindo radar EL/M-2032, data link e possibilidade de montar pods de ECM (contra-medidas eletrônicas), LDP Litening e até foram propostas integrações de armas como o MBDA Meteor, que também está previsto para nosso F-39. De todas opções aqui apresentadas, é a única que pode utilizar um canhão interno, no caso uma versão derivada do M61 Vulcan, o A50, de 3 canos, calibre 20mm.


BAE Systems Hawk

Hawk

O T2 é a última versão do onipresente Hawk, fabricado pela Hawker Siddeley, voou pela primeira vez em 1974. Apesar da idade do projeto original, o Hawk T2 é bastante moderno e inclui diversas melhorias, algumas das quais estavam presentes em versões avançadas de países como Arábia Saudita e África do Sul, a ponto de ser a aeronave que treinará os pilotos britânicos de F-35.


Tanto na África do Sul como na Tailândia, os Hawk são empregados como treinador pelos pilotos dos Gripen C/D destes países. Um derivado do Hawk, o T-45 Goshawk, é o LIFT padrão da US Navy. O Hawk possui versões avançadas que atuam como um dos meios principais de nações como a Malásia (Hawk 208). O Hawk já foi usado em combate por vários países, registrando bons resultados.


O Hawk também é subsônico, e apresenta boas capacidades de armas, além de contar com um avançado data link para troca de dados, capaz de usar dados obtidos por radares de outras aeronaves. Algumas versões do Hawk usam radares internos, então seria uma questão de opção. Não tem fly-by-wire.


Aero L-39 NG e L-159 ALCA

L-159
L-159

A República Tcheca não é muito conhecida como fabricante de armas. Entretanto, a Aero Vodochody é uma das mais antigas fabricantes de aeronaves do mundo, e faz excelentes treinadores a jato desde a década de 1950. O L-39 Albatros, que voou pela primeira vez em 1968, foi uma das principais aeronaves de treinamento dos países do Pacto de Varsóvia durante a Guerra Fria, e foi exportado para muitos países. O L-39NG é praticamente uma aeronave nova, embora incorpore muito do L-39.


O L-39NG é uma aeronave avançada e de custos baixos, o que a tornaria uma ótima opção para a FAB, se bem que a idade do projeto original dificulte futuros upgrades, mas aí nos cabe apontar outra opção da República Tcheca, o L-159, “descendente” do L-39, sendo o treinador avançado que forma os pilotos dos Gripen daquele país.


O L-159 é uma excelente opção de LIFT, o qual pode incorporar uma variante do radar Grifo que equipa nossos F-5EM, capaz de levar uma ampla carga de armas em até 7 estações de armas, sendo inclusive compatível com o LDP (pod de designação de alvos a laser) Litening, o mesmo que será empregado pelo F-39. Porém, esta aeronave não tem data link e é subsônica.

Nenhum dos dois pode levar um radar interno, nem tem fly-by-wire.


Boeing / Saab T-7A Red Hawk

T-7A

A USAF opera como treinador desde 1961, o T-38 Talon, antecessor do nosso F-5. Porém, no ano de  2003 deram início a estudos para substituí-lo, e em 2015 o programa T-X foi oficialmente lançado, o qual atraiu diversos fabricantes do mundo inteiro que se uniram a indústrias norte americanas para oferecer um novo treinador avançado. Nesta disputa se sagrou vencedora a proposta da joint Boeing/Saab que ofereceu o T-7A Red Hawk, aeronave que voou pela primeira vez em 2016.


O T-7A incorpora as mais avançadas tecnologias de produção, incluindo fly-by-wire, o que o torna bastante fácil e barato de operar e manter. Servirá para formar os futuros pilotos da USAF por várias décadas, sendo a plataforma que irá preparar os futuros operadores do F-35, sendo apontado como um dos melhores treinadores no mercado.


O fato de ser feito pela própria fabricante do Gripen ajudaria muito na sua integração com o nosso F-39. Até o momento não há previsão para uma versão armada, o que pode complicar suas chances na FAB. Outro ponto que pode complicar as coisas pro T-7 é o fato de ainda estar em desenvolvimento, que está sendo conturbado. Vale lembrar, também, que programas militares levam bastante tempo, então a menos que a FAB faça um processo “sumário”, o T-7 pode muito bem ser um candidato viável até lá.


TAI Hürjet

Hürjet

Os turcos vêm desenvolvendo diversas armas interessantes, como o Hürjet, um LIFT muito moderno, que voou pela primeira vez em 25 de abril de 2023.


Entre outros atrativos, o Hürjet já apresenta um WAD (display de tela ampla) feito pela brasileira Akaer, o mesmo usado no nosso Gripen. Apresenta fly-by-wire.


Em termos de desempenho e capacidades gerais, o Hürjet é bem semelhante ao TA-50 sul-coreano - supersônico, pode ser equipado com radar, tem 7 hard points para armas, inclusive o motor é o mesmo, uma variante do excepcional GE F404.


Entretanto, ao contrário do TA-50, o Hürjet não tem, pelo menos por enquanto, a capacidade de levar um canhão interno.


CONCLUSÃO

Embora este artigo comente sobre as características técnicas, não podemos esquecer que questões políticas e econômicas podem sobrepujar as questões militares, e geralmente o fazem.


Lembrando que capacidades adicionais resultam em custos adicionais de aquisição e/ou operação, a FAB precisa responder algumas perguntas antes de escolher:

  • Um treinador desarmado ou com capacidades extras, como ataque leve e/ou reconhecimento?
  • Precisamos de aviônicos avançados, como o data link?
  • Precisamos da capacidade de transportar pods avançados como o Litening?
  • Subsônico ou supersônico?
  • Monomotor ou bimotor?
  • Canhão interno ou externo?
  • Com ou sem radar?
  • Já em operação em outros países, ou ainda em desenvolvimento?
  • Teremos a pretensão de fazer upgrades futuros ou não?

Estas e outras perguntas ajudarão a definir a aeronave que vai preparar os pilotos que terão sob seu comando o caça mais moderno da América Latina, e que por muitas décadas deverá preparar os pilotos que vão proteger os céus brasileiros voando o F-39 E/F.


A tabela a seguir tem as especificações das aeronaves mencionadas no texto, e o Xavante para comparação; observe-se que estes dados são aproximados, pois dependem da configuração escolhida pelo cliente.


(clique aqui para uma versão de tamanho maior)


Por Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)


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