terça-feira, 23 de novembro de 2021

Thunder e Tejas, rivais também na Argentina?

Thunder e Tejas são rivais na Ásia. Será que também vão disputar um lugar na Argentina?


Algumas semanas atrás surgiu a notícia de que a compra do JF-17 para a FAA (Força Aérea Argentina) não foi fechada, como a notícia de que o Ministério da Defesa solicitou recursos no orçamento fez parecer, e o Ministério da Defesa da Argentina deu a entender que 5 aeronaves estão na disputa, mas não falou quais são.


Pouco tempo depois surgiram notícias de que a Índia ofereceu à FAA uma versão ‘personalizada’ do seu caça HAL Tejas, substituindo os componentes ingleses por outros. Com isso, os ingleses não poderiam barrar a venda, como já fizeram com outros caças, como o Gripen e o FA-50, em função do contencioso das Ilhas Falklands / Malvinas.


Mas quais são as características de cada um? São comparáveis, ou algum é muito superior ao outro?


Lançamos, no início de 2021, um artigo comparando as especificações do Gripen contra o JF-17 Block 2, e neste artigo vamos atualizar os dados do JF-17 com os dados do Block 3 que se tornaram públicos desde então, e contrastar com os dados do Tejas, lembrando que algumas destas especificações poderão mudar, especialmente no caso de substituição de componentes ingleses por outros.


Além disso, quaisquer escolhas da FAA provavelmente devem pelo menos contemplar a possibilidade de atacar as Ilhas, e isso vai ser considerado ao longo desta análise.



CAC/PAC JF-17 Thunder Block 3

Na época em que apresentamos o artigo sobre o JF-17 Block 2 ainda havia dúvidas sobre o uso da versão melhorada do RD-93, o RD-93MA, na versão Block 3. Agora não há mais dúvidas - o JF-17 Block 3 realmente usará o RD-93MA.


O novo motor apresenta não só um empuxo maior (da ordem de 10 a 15%), mas também apresenta melhor gestão térmica e maior vida útil (7.500 horas, comparável aos motores ocidentais). 


O aumento de potência, combinado com o uso maior de materiais compósitos, permitirá um aumento na capacidade de carga do JF-17, de 3,4 para 5,2 ton, e o MTOW (PMD, peso máximo de decolagem) também aumentará de 12,4 para 13,5 ton. Este aumento de capacidades causará um aumento mínimo no peso vazio, da ordem de uns 360 kg; as dimensões da aeronave permanecem inalteradas.


A razão potência-peso (considerando um par de mísseis PL-5 e SD-10 ou semelhantes, mais 3 mil libras / 1.361 kg de combustível interno) passa de 0,59 e 1,02 (seco e pós combustão, respectivamente) para 0,65 e 1,12. A carga alar, por sua vez, vai aumentar um pouco, de 70,8 para 73,8 lb/ft². Esta combinação de fatores significa que o Block 3 deverá manter ou até aumentar a agilidade em relação ao Block 2.


Outra mudança bastante significativa é a adição de um pequeno hardpoint sob a tomada de ar direita, semelhante à usada no Gripen, que servirá para levar LDP (pods de designação de alvos com laser), equivalentes aos Litening que a FAB já usa no AMX e que usará no Gripen. Com este hardpoint adicional, o JF-17 não vai perder os importantes hard points subalares e ventral, que antes eram necessários para o LDP. Isso melhora bastante a capacidade de ataque do JF-17.


Havia rumores de que o Block 3 viria com um IRST (sensor de buscas por infravermelhos) montado no nariz, ao estilo do IRST do Gripen E, mas esta informação acabou não se concretizando, provavelmente em função do reduzido volume disponível. Uma possibilidade que vem sendo proposta é a instalação de um IRST no novo hardpoint, ao estilo do Legion Pod americano, ou talvez de utilizar o LDP para designar alvos aéreos, como o LDP americano Sniper também pode fazer, embora com eficiência menor que um IRST dedicado. Há rumores de que a instalação no nariz talvez possa acontecer no Block 4, mas há pouquíssimas informações sobre o que virá neste futuro Block.


A velocidade máxima também subiu, de Mach 1,6 para Mach 2,0. Este aumento, embora expressivo, pode não ter muita relevância no uso operacional da aeronave, já que a velocidade máxima só é alcançada em condições especiais, que incluem a aeronave não levar armas.


O novo motor também é mais econômico e eficiente, o que, combinado com um aumento de 10% na capacidade interna de combustível (3.000 para 3.300 litros, 2,4 para 2,64 ton), possibilita um aumento nos alcances - o raio de combate aumentou de 1.400 para 1.550 km, e o alcance de traslado de 3.400 para 3.600 km. Lembre-se de que o termo ‘raio de combate’ é muito amplo, mas um valor entre 30 a 40% do alcance de traslado é uma estimativa útil. As versões iniciais do Thunder não dispõem de sonda REVO (reabastecimento em voo), mas o Block 3 virá com este acessório de fábrica.


De qualquer maneira, as Ilhas ficam a cerca de 700 km do continente, portanto um raio de combate de 1.000 km já seria mais que suficiente para ameaçá-las, e ao que parece o Thunder pode ultrapassar esta marca sem maiores dificuldades, talvez até sem precisar de apoio de REVO. A falta desta capacidade pesou muito na derrota argentina em 1982, como falamos neste artigo.


O alcance de traslado do JF-17, com 3 drop tanks (tanques descartáveis), é de 3.600 km. Note-se a ausência da sonda REVO neste Block 1. Os Block 3 terão sonda REVO de fábrica


O motor mais potente também gera mais energia elétrica, o que permitiu uma melhora nos sistemas de EW (guerra eletrônica) e o upgrade para um radar AESA (varredura eletrônica ativa) KLJ-7A . O radar do Block 3 é refrigerado a ar, o que reduz sua eficiência quando comparado a radares refrigerados a líquido, como o Uttam do Tejas Mk1A, do qual falaremos logo mais. Também se confirmou o uso de sistemas de mira no capacete (HMS), o que aumenta significativamente a eficiência da aeronave em dogfights.


Para uso antinavio, a China ofereceu o C-802, um míssil equivalente às últimas versões do Exocet, com alcance da ordem de 200 km. É um alcance muito significativo, mais do que suficiente para preocupar os ingleses em relação às Ilhas. Além do C-802, o Thunder pode levar uma ampla gama de armas ar-superfície chinesas e paquistanesas, e provavelmente poderá levar diversas armas padrão OTAN, caso haja recursos para a integração. O Thunder Block 3 também conta com os PL-5 e PL-12 para combate WVR (dentro do alcance visual).


JF-17 com maquetes do C-802 sob as asas


Mas nem tudo são flores. A China não deve vender o moderno míssil ar-ar BVR (além do alcance visual) PL-15, o que significa que o JF-17 ficaria restrito aos PL-10 para combate BVR que, embora excelentes, não são o suficiente para fazer frente aos Meteor disponíveis para os Eurofighter ingleses estacionados nas Ilhas. Ao que parece a China também não vai fornecer o poderoso CM-400AKG antinavio supersônico, que seria uma excelente arma contra quaisquer meios navais na região.


Os sistemas do Block 3 são bem melhores do que os instalados nas versões anteriores, e certamente representam um salto colossal para a Argentina, que atualmente só conta com um punhado de A-4 Skyhawk modernizados, cuja disponibilidade é cada vez menor.


O Thunder Block 3 já está voando desde dezembro de 2019, e os relatos são de que os testes vêm ocorrendo sem maiores problemas. Espera-se que a produção seriada comece ainda em 2021, e os primeiros exemplares operacionais sejam entregues à PAF (Força Aérea do Paquistão) já em 2022.


Isso significa que, dependendo dos acordos feitos, a Argentina já poderia, em teoria, contar com o Thunder Block 3 no ano que vem, caso o Paquistão aceitasse mudar o cronograma de entregas para a PAF, numa estratégia semelhante à adotada pela França em vendas recentes do Rafale.


Um ponto importante a ressaltar: caso a Argentina escolha o Thunder, terá que mudar toda a estrutura da FAA do 'estilo ocidental' para o 'estilo oriental', com doutrinas de operação e manutenção completamente distintos. Mas, como o embargo inglês praticamente impede a compra de aeronaves do 'estilo ocidental', esta mudança provavelmente será inevitável.



HAL Tejas Mk1A

O GBN já falou sobre o Tejas, então neste artigo vamos nos concentrar na variante Mk1A, que está prestes a entrar em testes para a IAF (Força Aérea Indiana). A versão Mk1A corrige muitos dos defeitos do Mk1 e adota um sistema de produção mais evoluído, e a IAF encomendou 83 unidades desta versão no início de 2021. O Tejas utiliza uma série de componentes britânicos, principalmente o assento ejetor, mas a Índia ofereceu à Argentina uma variante do Mk1A com tais componentes substituídos.


Entre os upgrades da versão Mk1A em relação ao Mk1 temos:


  • Radar AESA

  • Capacidade REVO (Reabastecimento em voo)

  • Upgrades nas suítes de aviônicos e de EW

  • Melhor capacidade BVR

  • Melhorias na linha de produção

  • Melhorias nos procedimentos de manutenção


O destaque positivo vai para o radar Uttam Mk1 AESA que, ao contrário do KLJ-7A do Thunder Block 3, é refrigerado a líquido. Isso abre a possibilidade de uma performance maior do radar, e seria uma vantagem importante para o Tejas.


Como o Tejas apresenta os mesmos pesos do Thunder Block 3, com um MTOW de 13,5 ton e vazio de 6,6 ton, e o motor F404 apresenta empuxos parecidos aos do RD-93 usado no Thunder Block 2, a razão potência-peso do Tejas é de 0,65 (seco) e 1,03 (PC), valores próximos aos do Thunder Block 3.


Mas o Tejas, graças à sua asa em delta, leva uma enorme vantagem em termos de carga alar - nas condições especificadas acima (3 mil lb de combustível, 2 mísseis WVR + 2 mísseis BVR), a carga alar do Tejas é de apenas 44,9 lb/ft², valor consideravelmente menor que os quase 74 lb/ft² do Thunder Block 3. Isso dá ao Tejas um potencial maior em termos de agilidade, mas também traz, potencialmente, desvantagens em relação ao voo a baixas altitudes.


Deve-se lembrar que parte do sucesso dos ataques argentinos na guerra de 1982 deveu-se justamente aos voos a altitudes assustadoramente baixas dos argentinos.


O Tejas Mk1 já usava sistemas HMS e mísseis BVR, e espera-se que o Mk1A expanda ainda mais esta capacidade, além da possibilidade de usar diversas armas israelenses, ocidentais e indianas, inclusive uma versão menor do poderoso míssil antinavio supersônico BrahMos, que causaria muitos problemas aos britânicos.


Concepção artística do Tejas com mísseis BrahMos-NG, uma versão reduzida, mas ainda supersônica, do enorme BrahMos atualmente lançado a partir dos Su-30MKI da IAF


Mas o Tejas tem um problema muito sério - seu alcance.


O alcance de traslado do Tejas Mk1 é apontado como sendo de apenas 1.700 km. O raio de combate varia e muito dependendo do perfil da missão e cargas externas, mas as estimativas de 30 a 40% do alcance de traslado, no caso do Tejas, dá em torno de 500 a 600 km, um valor muito baixo para um país tão grande como a Argentina, e que seria insuficiente para cobrir as Ilhas de modo eficaz.


Não é um problema intransponível - os Super Etèndard e Skyhawk tinham alcances até menores e ainda assim deram muita dor de cabeça aos ingleses em 1982, especialmente quando apoiados por REVO - mas ainda assim é uma limitação que deve ser levada em conta.


Embora o Tejas Mk1 não tenha sonda REVO, todos os Mk1A sairão de fábrica com esta capacidade.


Primeiro teste de REVO num Tejas Mk1. Todos os Tejas Mk1A virão com sonda REVO


Em resumo, o Tejas Mk1A é um caça muito melhor que o Mk1 que o antecedeu e, se oferecido a um preço vantajoso, pode ser uma boa opção para a Argentina.


O Tejas Mk2 seria uma opção ainda melhor, mas ainda está em uma fase muito inicial do desenvolvimento, e a Argentina provavelmente não vai querer adquirir um caça que não esteja pelo menos nos testes iniciais, como o Tejas Mk1A e o Thunder Block 3.


Cabe aqui um outro questionamento - e a substituição de componentes ingleses?


Na indústria aeronáutica em geral, a segurança é um fator chave no desenho e emprego dos sistemas, e isto se aplica também aos sistemas militares. A substituição de quaisquer componentes considerados críticos - o assento ejetor certamente se enquadra nesta categoria - exige um processo de homologação e certificação, que não é fácil, rápido nem barato.


Portanto, a oferta indiana de substituir os componentes britânicos por outros (russos, chineses, indianos...) tem que ser analisada sob a perspectiva de que, no mínimo, vai levar algum tempo para se concretizar. E, mesmo que funcione, resultará em custos adicionais no programa Tejas (que já tem problemas notórios de cronograma e orçamento).


Caso o governo indiano resolva arcar com estes custos, é possível sim que a Argentina consiga o Tejas a um custo bastante vantajoso, mas isso com certeza vai demorar um pouco, já que o Tejas Mk1A não fez seu primeiro voo ainda (no momento em que este artigo foi escrito, novembro de 2021, a previsão era de que este voo aconteceria em março de 2022), com as primeiras entregas previstas para 2024.


A substituição de componentes ingleses muito provavelmente causará atrasos neste cronograma, então é mais realista estabelecer o ano mínimo para que o Tejas Mk1A esteja disponível para a FAA como sendo 2025 ou além, mesmo que a IAF aceitasse mudar o cronograma de entregas do Mk1A.


Isso não é um desafio intransponível, já que a introdução da futura aeronave argentina certamente levará alguns anos, mas deve ser levado em conta na decisão.


Outro ponto que deve ser levado em conta é a inexperiência indiana em termos de exportação de aeronaves de combate, o que pode levantar dúvidas sobre a capacidade de manter o Tejas em boas condições de uso na longe da Índia.


Por último, mas não menos importante, qual é o padrão de operação do Tejas? Mais próximo do 'estilo oriental', ou do 'estilo ocidental'? A Índia é um país sui generis em vários aspectos, e o padrão de operação da IAF não foge à regra. A IAF é uma das poucas forças que opera, em quantidades apreciáveis, aeronaves dos dois 'estilos', então não está claro qual padrão o Tejas vai adotar. É totalmente possível que adote o 'estilo indiano', que ainda não está claramente definido o que é.


O que é certo é que ele será equipado com armas israelenses, como o Derby e o Python de combate aéreo. É bem provável que outras armas 'ocidentais' também acabem sendo integradas ao Tejas.



E agora?


Até não muito tempo atrás, a Argentina parecia que estava limitada ao JF-17, mas agora começam a surgir notícias de que outros concorrentes estão na disputa, e o Tejas parece uma opção interessante.


Além das questões puramente técnicas e práticas - cronogramas, capacidades das plataformas, adaptação dos argentinos a novos fornecedores… - há que se lembrar de questões internas e externas da Argentina, que podem influenciar mais do que as plataformas em si.


Além da crise econômica, que se agravou bastante durante a pandemia de covid-19, a Argentina também está numa situação política bastante tumultuada, e tudo é possível nas próximas eleições presidenciais. É difícil saber quais serão as prioridades do próximo governo, mas não é impossível que aquisições de armas acabem sendo postergadas ou até canceladas, como já aconteceu outras vezes.


Um fator externo que pode ajudar a manter um novo caça nos holofotes é a recente investida chilena em relação à demarcação das fronteiras na Terra do Fogo, disputa que quase levou Argentina e Chile a uma guerra aberta nos anos 1980. Este foi um dos últimos atos de política externa de Sebastián Piñera na presidência do Chile, que acabou de passar por eleições gerais.


Se a assertividade chilena permanecer sob o governo recém eleito, a Argentina provavelmente será forçada a entrar numa corrida armamentista, já que as FFAA (Forças Armadas) argentinas em geral, e a aviação militar em especial, estão no ponto mais lastimável da História do país desde a independência, e não teriam a menor chance contra as FFAA chilenas, muito melhor equipadas.


Caso a Argentina embarque nesta corrida armamentista, a escolha de um novo caça se tornará ainda mais urgente do que já é - como dissemos acima, a FAA não conta com mais do que um punhado de Skyhawks, que embora muito aguerridos já sentem o peso da idade.


Outro ponto importante será a postura do próximo governo argentino em relação às Ilhas, já que parece cada vez menos provável que a ‘novela’ da escolha do novo caça termine antes das eleições presidenciais de 2023, especialmente quando as eleições legislativas de 2021 impuseram a Fernández a perda da maioria absoluta no Legislativo, e provavelmente vai ter dificuldades para aprovar quaisquer pautas na segunda metade do seu governo.


Lembre-se que o ex-presidente Fernando Macri tentou chegar a um acordo com a Inglaterra em relação às Ilhas, mas não obteve sucesso; Fernández, por sua vez, tratou de reacender a questão, com várias falas que foram muito mal recebidas em Londres. Caso o próximo governo chegue a um acordo neste sentido, é possível que as restrições inglesas acabem, e aeronaves como o Gripen e o FA-50, que já foram preteridos em função dos componentes ingleses, voltem à 'lista de compras' dos argentinos.


A sorte está lançada!


*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)

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