domingo, 9 de agosto de 2020

Catástrofe no Líbano: O que originou a tragédia?

 
Momento da gigantesca explosão que devastou Beirute

  

Em torno das 18h em Beirute (12h em Brasília), o que parecia ser um pequeno incêndio acabou por causar uma explosão grande que foi seguida por uma explosão colossal no Porto de Beirute, o principal do País. Embora as informações ainda sejam incompletas, o que é normal após tragédias de tal magnitude, cerca de 200 pessoas morreram, milhares ficaram feridas, e danos extensos se espalharam pela cidade, a tal ponto que cerca de 300 mil dos 400 mil habitantes da capital estão desabrigados. Grandes depósitos de grãos, presentes no Porto e aguardando a distribuição, também foram destruídos, aumentando os problemas que já assolavam o país antes da catástrofe. [1]

Embora as cenas de destruição sejam bastante intensas e chocantes, a catástrofe poderia tem sido muito pior.

Mas uma pergunta não quer calar - por quê a tragédia aconteceu? Neste artigo, usando nossos conhecimentos em química e informações de várias fontes, vamos analisar as informações disponíveis até o momento (09/08), evitando ao máximo possível divagar sobre teorias da conspiração e suposições que não possam ser baseadas em fatos - e não, não foi uma explosão nuclear ou ataque com mísseis, bombas... [1-5]

Entretanto, cumpre informar que, sem informações detalhadas sobre os materiais presentes no Porto no momento das explosões, todas as informações são baseadas em análise de vídeos divulgados nas redes sociais. É possível que as análises estejam erradas, mas dada a experiência dos analistas referenciados ao longo do texto, é pouco provável.

 

 
Embora a nuvem de Wilson (também chamada nuvem de condensação) seja normalmente associada a explosões nucleares, ela pode acontecer em explosões convencionais, dadas as condições adequadas (temperatura, umidade, carga explosiva)

 

CRONOLOGIA DAS EXPLOSÕES

Foram 3 as explosões que destruíram o porto de Beirute, e vamos explicar um pouco sobre cada uma, com base nos vídeos disponíveis. Boa parte da análise a seguir é baseada na referência [2], que tem sólido fundamento científico.

Primeiramente, várias pequenas explosões mostram o que à primeira vista parecem ser fogos de artifício explodindo. Entretanto, fogos de artifício emitem fumaça preta e depois várias centelhas coloridas, mas a fumaça de tais pequenas explosões tem uma única cor - branca. [2]

 

 
Sequência de eventos da explosão. Observe-se a nuvem marrom-avermelhada e a nuvem de Wilson.


Uma classe de compostos químicos deixa fumaça branca - HE (explosivos de alta potência) e/ou combustível de foguetes. As características da primeira leva de pequenas explosões indicam que se tratava, muito provavelmente, de um depósito de munições militares leves - para fuzis, metralhadoras, morteiros, etc. [2]

As pequenas explosões acabaram por causar uma segunda explosão, relativamente grande, e com a característica fumaça branca, que indicam a provável presença de um depósito de munições mais pesadas - mísseis, bombas, etc. - ou combustível para foguetes / mísseis. A física de tais explosões também explica por que algumas testemunhas relataram sons como de motores de jatos - a queima e explosão de tais substâncias pode gerar tais sons. [2 - 4]

Por fim, a segunda explosão acabou por causar a detonação do que seria um lote de aproximadamente 2750 toneladas de AN (nitrato de amônio) de alto grau de pureza, tipicamente usado como matéria prima de explosivos para mineração ou fins paramilitares. AN também pode ser usado como fertilizante, mas o grau de pureza é bem menor. [2]

Cálculos de especialistas apontam que essa enorme quantidade de AN seria suficiente para liberar energia equivalente a 1 kiloton, ou seja, cerca de 1000 toneladas de TNT. Para efeitos de comparação, a bomba atômica que arrasou Hiroshima ao final da Segunda Guerra mundial tinha potência equivalente a aproximadamente 15 kilotons. [4]

Entretanto, e felizmente, ao explodir o AN gera uma onda de pressão ao invés da onda de choque típica dos HE - a onda de pressão se propaga a velocidade subsônica, enquanto a onda de choque se desloca a velocidade supersônica. A diferença não é apenas acadêmica - se a explosão tivesse sido causada por HE ao invés de AN, as ondas de choque teriam causado muito mais mortes, já que as ondas de choque podem causar danos graves aos órgãos internos. [4]

Outra consequência da queima / explosão de AN é a geração de fumaça marrom-avermelhada de óxidos de nitrogênio, compostos bastante tóxicos, o que é bem visível tanto na foto de abertura do artigo como em fotos de Beirute horas depois da explosão. [2 - 4]

 

 
Fumaça marrom-avermelhada nos céus de Beirute após a explosão, característica de óxidos de nitrogênio


Um expert italiano, Danilo Coppe, diz que as cores da fumaça também indicam a presença de lítio, o que reforça as suspeitas de armamentos no local. Ele também declarou que não faz sentido armazenar munições, ou tamanha quantidade de AN, perto dos silos de grãos, pois os grãos também podem originar fogos e explosões, e armazenar substâncias potencialmente inflamáveis junto aos grãos é muito perigoso. Além disso, armazenar tanto material explosivo no centro de uma grande cidade é perigoso, como ficou demonstrado na tragédia. [5]

Uma TV israelense, sem citar fontes, diz que o nitrato de amônio seria utilizado para atacar Israel numa eventual "Terceira Guerra do Líbano" [6], citando exemplos de depósitos do mesmo material encontrados, após indicação do Mossad, na Grã-Bretanha [7] e Alemanha. [8]

 

DE QUEM ERA O AN?

Mais importante do que saber o que aconteceu é saber quem foi responsável para que a hecatombe acontecesse em primeiro lugar. E o Hizballah é um forte candidato a ser dono do material.

O Hizballah (também grafado Hezbollah, 'Partido de Alá') é uma organização reconhecida como terrorista por diversos países, e cujas conexões com o Irã são muito bem conhecidas. Um dos objetivos do Irã (e por consequência do Hizballah) é a destruição de Israel. O Hizballah também é acusado de atacar judeus, mesmo os que não são cidadãos israelenses, ao redor do mundo. [9; 10]

Depois da Primeira (1982-2000) e da Segunda Guerra do Líbano (2006), o Hizballah cresceu em poder e influência no Líbano, de tal maneira que formou um verdadeiro Estado paralelo no país. As tradicionalmente fracas LAF (Forças Armadas do Líbano) não tem o poder de fogo necessário para impedir o Hizballah de fazer o que bem pretende no país. [9; 10]

Com tamanho poder no País, foi natural a associação entre um possível depósito de armas no Porto de Beirute e o Hizballah. A descoberta de túneis quando dos trabalhos de busca por sobreviventes e controle de incêndios e limpeza dos estragos reforça tais suspeitas. [11] Aumentando ainda mais as suspeitas, o governo libanês - do qual o Hizballah é parte importante - recusou pedidos para uma investigação multinacional. [12]

Ademais, as apreensões de AN em vários países, entre eles Reino Unido e Alemanha, podem ter vindo deste depósito, hipótese que foi levantada pela TV israelense mencionada anteriormente [6], mas também por outros analistas, inclusive árabes. [13 - 18].

Finalmente, mas não menos importante, a população libanesa, que já estava à beira de uma guerra civil antes da catástrofe, irrompeu em protestos, muitos deles violentos, inclusive "enforcando" imagens de Nassan Nasrallah, o líder do Hizballah. Isso indica que muitos libaneses também suspeitam fortemente do grupo. [19]

 

CONCLUSÃO

Com as informações disponíveis até o momento, fica difícil acreditar no discurso de Nasrallah em que ele nega qualquer possibilidade de o grupo terrorista ser o dono do AN e/ou das prováveis armas que estavam no Porto na hora da explosão. [20]

A preocupação é que, sem a presença de investigadores internacionais, quaisquer esforços de investigação sejam cooptados pelo Hizbollah [12] para aumentar ainda mais seu poder. Mas não está claro se a população libanesa vai acreditar em tal investigação [19], o que aumenta o risco de uma nova guerra civil no país, ou que o Hizbollah use os resultados como desculpa para perseguir inimigos, ou justificar uma nova guerra contra Israel.

Uma coisa é certa - a situação no Líbano deve se complicar, e logo.

 


Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel).


REFERÊNCIAS

[1]https://www.bellingcat.com/news/mena/2020/08/04/what-just-blew-up-in-beirut/

[2]https://www.centerforsecuritypolicy.org/2020/08/07/lebanon-what-happened/

[3]https://www.bellingcat.com/news/mena/2020/08/07/the-beirut-explosion-is-it-a-bird-is-it-a-plane-is-it-a-faked-video-of-a-missile/

[4]https://www.wired.com/story/tragic-physics-deadly-explosion-beirut/

[5]https://www.corriere.it/esteri/20_agosto_05/beirut-esperto-esplosivi-la-nuvola-arancione-scoppi-ecco-perche-credo-ci-fossero-anche-armi-6da4a01e-d71b-11ea-93a6-dcb5dd8eef08.shtml

[6]https://www.timesofisrael.com/israel-tv-hezbollah-apparently-wanted-beiruts-ammonium-nitrate-for-israel-war/

[7]https://www.timesofisrael.com/uk-said-to-have-covered-up-fact-it-foiled-2015-hezbollah-bomb-plot-near-london/

[8]https://www.timesofisrael.com/mossad-gave-berlin-intel-on-hezbollah-ops-on-german-soil-ahead-of-ban-report/

[9]https://www.cfr.org/backgrounder/what-hezbollah

[10]https://www.washingtonexaminer.com/weekly-standard/the-secret-history-of-hezbollah

[11]https://threadreaderapp.com/thread/1292475515308310530.html

[12]https://www.france24.com/en/20200808-lebanon-s-aoun-international-probe-into-beirut-blast-would-dilute-the-truth

[13]https://www.centerforsecuritypolicy.org/2020/08/05/depose-hezbollah/

[14]https://english.alarabiya.net/en/News/middle-east/2020/08/06/Hezbollah-affiliates-stored-ammonium-nitrate-in-northwest-London-Cyprus-Report

[15]https://english.aawsat.com/home/article/2435211/jebril-elabidi/beirut-hezbollah-and-ammonium-nitrate

[16]https://asiatimes.com/2020/08/more-questions-than-answers-in-ashes-of-beirut/

[17]https://asiatimes.com/2020/08/lebanon-blast-so-many-questions-so-few-answers/

[18]https://www.arabnews.com/node/1716981

[19]https://www.washingtonpost.com/world/beirut-braces-for-protests-as-grief-over-blast-turns-to-fury-resign-or-hang/2020/08/08/5c050e3e-d8e2-11ea-a788-2ce86ce81129_story.html

[20]https://www.reuters.com/article/us-lebanon-security-blast-hezbollah/hezbollah-denies-storing-weapons-at-beirut-port-depot-idUSKCN2532GP



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