O cenário naval global evolui em velocidade acelerada. Plataformas autônomas deixaram de ser experimentais e consolidaram-se como multiplicadores de força essenciais. As principais marinhas do mundo convergem para o mesmo entendimento: o futuro do combate naval, da vigilância marítima e da projeção expedicionária será fortemente determinado pela capacidade de integrar vetores não tripulados em larga escala.
Essa transição não é apenas tecnológica, é doutrinária. Envolve novas formas de pensar presença, dissuasão e superioridade marítima. Países que lideram essa transformação percebem que meios autônomos ampliam capacidades estratégicas com custos controlados e riscos humanos drasticamente reduzidos.
A Türkiye é hoje exemplo emblemático dessa ruptura. O TCG Anadolu, originalmente concebido como navio de assalto anfíbio, tornou-se plataforma pioneira ao integrar sistemas não tripulados UAVs e UCAVs, entre eles o Kızılelma, cuja demonstração de superioridade aérea simulada contra um F-16 redefiniu o papel da aviação embarcada autônoma. Portugal avança com o navio multifuncional João II, totalmente preparado para operar UUVs, USVs e UAVs. A Coreia do Sul abandona a ideia de um porta-aviões tradicional para abraçar o conceito de porta-drones. A China testa embarcações com catapultas eletromagnéticas dedicadas a UCAVs.
A convergência é inequívoca: a próxima geração de navios combinará meios tripulados e autônomos, em alguns casos, será inteiramente dedicada aos autônomos.
Oportunidade para o Brasil: o que o mundo está fazendo já está alinhado com nossas necessidades
O Brasil possui uma das maiores Zonas Econômicas Exclusivas do planeta, uma área de interesse marítimo superior a 5,7 milhões de km², vulnerável a pesca predatória em escala industrial, crimes transnacionais, exploração irregular de recursos e crescente interesse geopolítico de atores extrarregionais.
Para cobrir, monitorar e proteger essa imensidão, a Marinha do Brasil necessita de meios de longo alcance, grande autonomia, baixo custo de operação e rápida projeção. Nesse contexto sistemas não tripulados, como UAVs, UCAVs, USVs e UUVs não são “complementos”, são necessidades estruturantes.
E, dentro dessa realidade, surge o ponto fundamental: O NAM Atlântico é a plataforma ideal para que o Brasil ingresse de forma imediata e viável na era das operações navais autônomas.
Por que o NAM Atlântico? Uma análise de viabilidade completa
A discussão sobre transformar o NAM Atlântico em um vetor capaz de operar sistemas não tripulados não é uma ideia futurista ou teórica. Trata-se de avaliar, com pragmatismo o que já existe, o que é possível adaptar e quais retornos essa evolução pode trazer para a Marinha do Brasil. O Atlântico foi concebido como um navio de grande flexibilidade operacional, projetado para acomodar helicópteros de diferentes portes, tropas e módulos diversos. Essa versatilidade o coloca em posição privilegiada para absorver, com baixo custo e alto impacto, a doutrina emergente de operações navais autônomas.
Ao observar as adaptações realizadas em navios de outras marinhas, como feito pela Türkiye, Portugal e pela Coreia do Sul, torna-se evidente que a transição para um navio multimissão, voltado ao emprego intensivo de sistemas não tripulados, depende mais de integração do que de reconstrução. O NAM Atlântico atende exatamente a esse perfil: já é uma plataforma robusta, madura, com volume interno suficiente e capacidade de convés adequada para se tornar um multiplicador de força no Atlântico Sul. A seguir, uma análise detalhada que explica por que essa transformação é não apenas possível, mas viável e vantajosa.
- Estrutura existente favorável: O Atlântico conta com um convoo generoso, um hangar amplo e compartimentos internos que permitem arranjos modulares. Essas características reduzem drasticamente os custos de adaptação e eliminam a necessidade de intervenções estruturais profundas. As modificações necessárias são essencialmente incrementais:
- Instalação de módulos dedicados para manutenção de UAVs e UCAVs
- Criação de pontos reforçados de lançamento e recuperação
- Integração de enlaces de dados seguros (SATCOM, LOS e BLOS)
- Áreas controladas para armazenamento e preparação de USVs compactos e UUVs
- Atualização incremental do sistema de comando e controle para operar vetores simultâneos
Importante destacar: todas essas adaptações podem ser implementadas sem comprometer os papéis originais do navio, como operações anfíbias, missões humanitárias e apoio logístico. A capacidade porta-drones não substitui suas funções, ela as amplia.
- Baixo custo operacional e alta disponibilidade: Enquanto helicópteros embarcados possuem custos por hora de voo elevados e exigem manutenção intensiva, os drones oferecem vantagens operacionais e financeiras significativas:
• menor consumo de combustível
• manutenção simplificada e rápida
• menor desgaste estrutural ao longo do tempo
• reposição mais barata em caso de perdas ou danos
Essa equação permite ampliar a presença da Marinha no Atlântico Sul sem ampliar proporcionalmente os custos, garantindo maior vigilância e permanência com orçamento controlado.
- Permanência e alcance superiores: UAVs podem permanecer no ar por mais de 20 horas, mantendo vigilância contínua sobre áreas críticas. UCAVs armados podem alcançar distâncias muito além do raio de ação dos helicópteros, realizando interdição, apoio aéreo e reconhecimento em profundidade.
Paralelamente:
• USVs oferecem patrulha autônoma por longos períodos e podem operar em áreas de risco sem exposição humana
• UUVs executam tarefas de guerra antissubmarino, inspeção do leito marinho e coleta de inteligência com eficiência e discrição
Somados, esses sistemas criam um ganho de capacidade difícil de replicar apenas com meios tripulados.
- Modularidade e flexibilidade, doutrina adaptável: O NAM Atlântico poderia ser configurado conforme a missão, adotando composições modulares:
• Pacote de vigilância com UAVs de grande autonomia
• Pacote de interdição com UCAVs armados
• Pacote ASW com UUVs especializados
• Pacote de guerra de minas e patrulha avançada com USVs
Essa modularidade cria um navio capaz de se transformar conforme o contexto estratégico, sem perder sua função central.
- Maturidade industrial e possibilidade de parcerias estratégicas: O Brasil já possui empresas aptas a produzir e integrar UAVs, bem como crescente capacidade para desenvolver USVs e UUVs sob demanda, conforme visto durante o “ARAMUSS-2025”, evento pioneiro de tecnologia marítima não tripulada é realizado em Salvador no início deste mês de novembro. Essa maturidade técnica permite avançar em um projeto de adaptação com elevado conteúdo nacional.
Parcerias externas podem acelerar esse processo:
• Com a Türkiye, aproveitando a experiência única na integração de UCAVs embarcados, além de sua indústria de drones avançados e sistemas não tripulados.
• Com Coreia do Sul e Espanha, especialistas em sistemas modulares e navios multipropósito
• Com empresas nacionais para desenvolver soluções específicas para o ambiente amazônico e marítimo brasileiro. Essa agenda impulsiona a Base Industrial de Defesa e amplia a soberania tecnológica do país.
Ganhos imediatos para a Marinha do Brasil
A transformação do NAM Atlântico em um vetor multimissão capaz de operar sistemas não tripulados (UAVs, UCAVs, USVs e UUVs) produziria efeitos diretos e mensuráveis sobre a capacidade naval brasileira. Entre os principais ganhos estratégicos e operacionais, destacam-se:
• Elevação significativa da consciência situacional, com sensores distribuídos cobrindo áreas marítimas muito superiores às alcançáveis apenas por meios tripulados;
• Presença persistente a custos reduzidos, permitindo manter vigilância contínua em pontos críticos da Amazônia Azul com menor desgaste de pessoal e plataformas;
• Projeção de poder ampliada, ao integrar sistemas não tripulados de ataque, esclarecimento e guerra eletrônica que estendem o raio de ação do navio-mãe;
• Fortalecimento da capacidade expedicionária, inclusive em operações de paz, apoio humanitário, operações anfíbias e resposta a crises;
• Dissuasão mais robusta, sobretudo frente a ameaças assimétricas, ilícitos transnacionais e atores não estatais tecnologicamente capazes;
• Desenvolvimento de doutrina própria, alinhada às melhores práticas internacionais, mas adaptada às necessidades marítimas do Brasil e à singularidade de seu teatro de operações;
• Estímulo direto à Base Industrial de Defesa, que poderia participar tanto da adaptação do navio quanto do desenvolvimento e integração de sistemas autônomos nacionais;
• Aderência ao novo paradigma global, em que navios-mãe com enxames de sistemas não tripulados se tornam centrais na competitividade naval das próximas décadas.
Uma decisão que define uma geração
A adaptação do NAM Atlântico para operar sistemas autônomos não representa um projeto futurista ou experimental, trata-se de uma solução madura, viável e comparativamente econômica, capaz de produzir impacto estratégico imediato.
Com investimentos bem direcionados em convés, controle de missão, integração C4ISR e módulos dedicados a sistemas não tripulados (UAVs, UCAVs, USVs e UUVs), o navio pode assumir função equivalente aos drone carriers em desenvolvimento e adotados por forças navais de referência, como a Royal Navy, a US Navy, a China e a própria Türkiye.
Ao optar pela integração de meios autônomos ao seu principal navio capitânia, a Marinha do Brasil se posiciona para assumir protagonismo real no Atlântico Sul, ampliar drasticamente seu alcance operacional, reduzindo custos de presença e projeção, além de iniciar um ciclo tecnológico capaz de reposicionar o País no ranking global de poder marítimo.
O NAM Atlântico pode e tem condições de tornar-se o marco inaugural de uma nova era para o Poder Naval brasileiro: uma era em que meios tripulados e autônomos operam em plena sinergia, expandindo a capacidade dissuasória, projetando soberania sobre a Amazônia Azul e garantindo ao Brasil uma relevância marítima compatível com seu tamanho e vocação estratégica.
por Angelo Nicolaci
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