A Marinha do Brasil alcançou, no último 8 de agosto, mais um marco do seu Programa Fragatas Classe Tamandaré com o lançamento da Jerônimo de Albuquerque (F-201), segunda fragata da Classe Tamandaré. A cerimônia, realizada no estaleiro em Itajaí (SC), reuniu o Vice-Presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, cuja esposa apadrinhou a embarcação no tradicional batismo, o Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen, além de autoridades civis, militares e representantes da indústria.
Construída sob o conceito modular MEKO, com tecnologia transferida pela alemã Thyssenkrupp Marine Systems (TKMS) e significativa participação de empresas brasileiras, a Jerônimo de Albuquerque é fruto de um processo que combina engenharia de precisão e cronograma rigoroso. Após o batimento de quilha em junho de 2024, a embarcação avançou na montagem de seus blocos e agora segue para a etapa de “load out”, quando será cuidadosamente transferida para um dique flutuante, submerso de forma controlada até que o navio alcance sustentação própria na água. A partir daí, será atracada no cais para receber integração de sistemas, armamentos e sensores, além de acabamento interno. A última fase será a das provas de mar, quando suas capacidades operacionais serão avaliadas em condições reais.
Com deslocamento de cerca de 3.500 toneladas, 107 metros de comprimento e autonomia estimada em 5.500 milhas náuticas, a Jerônimo de Albuquerque é projetada para operar em múltiplos cenários, desde defesa antiaérea, antinavio (ASuW) e antissubmarino (ASW) até missões de presença e patrulha na vasta Amazônia Azul. Seu armamento inclui o canhão OTO Melara de 76 mm, metralhadora de 30 mm, mísseis antinavio MANSUP, lançadores verticais para mísseis antiaéreos Sea Ceptor, torpedos, além de sistemas de guerra eletrônica e radares AESA Hensoldt TRS-4D. O convoo e o hangar permitem a operação de helicópteros como o SH-16 Seahawk ou o Super Lynx, ampliando sua versatilidade.
O Programa Classe Tamandaré prevê a entrega de quatro unidades até 2028, sendo a primeira, a Tamandaré (F-200), lançada em 2024. O projeto não só reforça a capacidade naval como também estimula a indústria nacional, gerando empregos qualificados e incorporando tecnologia de ponta ao parque industrial brasileiro. Empresas como Akaer, Atech e Omnisys têm participação direta na construção, o que cria um efeito multiplicador sobre setores estratégicos.
Apesar desse avanço, a realidade é que quatro fragatas estão muito aquém do necessário para um país com mais de 5,7 milhões de km² de mar sob sua responsabilidade. A presença contínua no Atlântico Sul, a proteção de plataformas de petróleo, rotas comerciais e fronteiras marítimas exige que parte da frota esteja em operação enquanto outra está em manutenção ou treinamento. Nesse cenário, o ideal técnico-operacional apontaria para, no mínimo, doze navios desse porte, garantindo rotatividade e cobertura adequadas.
O maior obstáculo não é a capacidade da indústria ou a competência da Marinha, mas sim a falta de previsibilidade orçamentária e de proteção contra cortes sucessivos. Sem recursos estáveis, programas estratégicos sofrem atrasos, encarecem e perdem competitividade. Nos últimos dez anos, o orçamento de defesa brasileiro foi reduzido proporcionalmente, ficando em torno de 1,1% do PIB, distante da meta de 2% prevista para países da OTAN. Essa instabilidade desestimula fornecedores, atrapalha o planejamento de longo prazo e impede que se consolide uma base industrial sólida.
Investir em defesa não é despesa improdutiva, é fomento econômico, geração de empregos, desenvolvimento tecnológico e fortalecimento da soberania. Quando se corta recursos de um programa como a Classe Tamandaré, não se adia apenas a entrega de um navio, perdem-se oportunidades de inovação e de qualificação de mão de obra. É por isso que se faz urgente uma política de blindagem orçamentária para projetos estratégicos, garantindo que mudanças políticas não desmontem investimentos de longo prazo.
A Necessidade de Realismo Estratégico é Vital
A alegria do lançamento da Jerônimo de Albuquerque precisa vir acompanhada de realismo estratégico. Como já dissemos acima, as quatro fragatas encomendadas, por mais modernas que sejam, não oferecem presença persistente suficiente para um país com centenas de milhares de quilômetros quadrados de mar a proteger. Manutenções, modernizações, rotação de tripulações, treinamentos e períodos em doca são exigências inevitáveis: enquanto um navio está em manutenção outro precisa ocupar sua patrulha, sem unidades extras, a cobertura fica intermitente e a capacidade de resposta fragilizada. Por isso propõe-se, com base em raciocínio técnico-operacional, algo em torno de doze fragatas, permitindo rotatividade adequada e presença contínua.
A questão orçamentária é central e não apenas na ponta do investimento inicial. Garantir fragatas prontas para operar exige orçamento recorrente e previsível para todo o ciclo de vida dos navios: o que deve cobrir manutenção preventiva e corretiva, disponibilidade de peças e munição, modernizações periódicas, centros de apoio logístico, treinamento continuado das tripulações e investimento em infraestrutura portuária e de apoio. Cortes pontuais que preservem a construção, mas estrangulem os recursos de custeio e manutenção, transformam navios modernos em peças de desfile: belos no cais, porém incapazes de manter níveis sustentados de prontidão e operação. Assim, o financiamento deve contemplar desde o casco novo até a última troca de hélice programada ao longo do seu ciclo de vida operacional.
Sem previsibilidade e blindagem orçamentária, cronogramas se alongam, custos explodem e a cadeia produtiva perde dinamismo. Programas de defesa, quando tratados como investimento estratégico, geram retorno econômico, empregos qualificados, inovação, todo um ecossistema de fornecedores locais e potencial de exportação, além do objetivo primordial: a defesa da soberania. Tratar o orçamento de defesa como variável sujeita a cortes cíclicos é desperdiçar esse potencial e arriscar a segurança marítima do Brasil.
O lançamento da Jerônimo de Albuquerque é motivo de orgulho, mas também um lembrete claro: proteger a Amazônia Azul, garantir presença e dissuasão e consolidar a indústria de defesa exigem mais do que boas intenções e eventos simbólicos. É preciso ampliar a armada, assegurar financiamento estável e transformar a atual reestruturação naval em um compromisso duradouro com a soberania e o desenvolvimento nacional.
Por Angelo Nicolaci
GBN Defense - A informação começa aqui
0 comentários:
Postar um comentário