A guerra moderna já não é definida apenas por blindados avançando em terrenos abertos, nem pela supremacia aérea de caças e bombardeiros. No século XXI, o campo de batalha foi redefinido por um ator até pouco tempo considerado secundário: o drone. A ascensão dos veículos aéreos não tripulados (VANTs), desde os mais simples quadricópteros comerciais até sistemas militares sofisticados com autonomia ampliada, representa uma ruptura tecnológica que desafia todas as concepções tradicionais de combate. Hoje, não se trata mais de “se” um exército enfrentará drones, mas de “quando” e “como” ele reagirá a essa ameaça.
O Brasil, com sua extensão continental e responsabilidades regionais, não pode se dar ao luxo de ignorar esta realidade. Torna-se cada vez mais imperativo que o Exército Brasileiro e o Corpo de Fuzileiros Navais iniciem, de maneira estruturada, a elaboração de uma doutrina nacional de combate a drones — uma capacidade que deve estar presente em cada batalhão de infantaria, artilharia e blindados.
O drone como arma assimétrica e disruptiva
Casos recentes demonstram a eficácia devastadora dos drones em cenários reais de conflito. No Cáucaso, durante a guerra de Nagorno-Karabakh (2020), a Armênia sofreu perdas catastróficas diante do uso coordenado de drones Bayraktar TB2 pelo Azerbaijão. Blindados, sistemas de defesa antiaérea e posições de artilharia armênias foram neutralizados por ataques de precisão a custos irrisórios se comparados ao valor das plataformas destruídas. O desequilíbrio não se deu pelo volume de forças, mas pela assimetria tecnológica e doutrinária.
Na Ucrânia, a guerra em curso oferece lições ainda mais dramáticas. Drones comerciais adaptados carregando granadas, drones kamikazes com sistemas de navegação autônoma e VANTs de longo alcance utilizados em enxames transformaram a dinâmica do combate. Não apenas tanques e veículos blindados, mas também unidades de infantaria em trincheiras e posições defensivas passaram a estar vulneráveis a ataques aéreos constantes e baratos. O resultado é a saturação do campo de batalha, onde cada movimento deve ser pensado levando em conta a ameaça permanente de vigilância e ataque aéreo por drones.
Esses exemplos são reveladores: a ameaça não se restringe a exércitos de ponta ou a conflitos de alta intensidade, mas já está ao alcance de grupos irregulares, milícias e até organizações criminosas. O drone tornou-se, ao mesmo tempo, uma arma de guerra convencional e uma ferramenta de guerra irregular.
O vazio doutrinário brasileiro
As Forças Armadas brasileiras, reconhecidas por sua capacidade adaptativa e pela tradição em operações de grande complexidade logística, ainda carecem de uma doutrina consolidada de combate a drones. A realidade é que nossas tropas de infantaria, artilharia e blindados encontram-se, hoje, expostas a uma ameaça crescente para a qual ainda não há um protocolo padronizado de resposta.
Não se trata apenas de adquirir sistemas antidrone, mas de integrar a mentalidade antidrone em cada nível da força. Isso exige repensar desde o adestramento individual, como reagir a um sobrevoo suspeito em uma patrulha, até as grandes operações conjuntas, onde o emprego coordenado de drones inimigos pode comprometer posições estratégicas e a segurança de colunas logísticas.
Esse vazio doutrinário cria um ponto cego perigoso. A falta de diretrizes pode levar a improvisações em campo, expondo tropas a riscos desnecessários e colocando em xeque a eficácia das operações.
A experiência internacional: lições e inspirações
Diversos países já reconheceram a urgência da ameaça.
-
Estados Unidos: vêm desenvolvendo sistemas integrados de defesa aérea de baixa cota, capazes de neutralizar drones com lasers, micro-ondas e interceptadores dedicados. Além disso, adaptaram seus programas de treinamento para incluir simulações com ameaças de VANTs em todos os níveis de adestramento.
-
Israel: um dos países que mais investe em contramedidas, opera sistemas como o Drone Dome, que combina radares, sensores eletro-ópticos e bloqueadores de frequência, proporcionando proteção em áreas urbanas e de fronteira.
-
Türkiye: além de ser produtora de drones como o Bayraktar TB2, vem testando sistemas antidrone de múltiplas camadas, conscientes de que a guerra futura exigirá tanto a capacidade de empregar drones quanto a de neutralizá-los.
Esses exemplos mostram que a doutrina antidrone não é mais opcional, mas parte indissociável da prontidão militar.
A urgência brasileira, de reflexão à ação
O Brasil, ao buscar se posicionar como potência regional e ator relevante no cenário internacional, precisa internalizar essas lições e transformá-las em medidas concretas. Isso significa:
-
Capacitação e treinamento: inserir o combate a drones no currículo de formação e aperfeiçoamento de praças e oficiais, garantindo que cada militar tenha consciência do risco e das medidas imediatas de reação.
-
Sistemas integrados de defesa: investir em tecnologias nacionais de detecção e neutralização, que combinem sensores acústicos, eletro-ópticos e de rádiofrequência, capazes de operar tanto em ambientes urbanos quanto em áreas de selva ou litoral.
-
Doutrina de integração: cada batalhão de infantaria, cada grupo de artilharia e cada unidade blindada deve incorporar uma célula antidrone, com pessoal e equipamentos dedicados, em perfeita integração com a defesa antiaérea tradicional.
-
Parcerias estratégicas: estimular a indústria nacional a cooperar com centros de pesquisa militar e universidades, garantindo transferência de tecnologia e autonomia no desenvolvimento de soluções.
O Brasil não pode esperar que um conflito ou crise revele sua vulnerabilidade. O drone não é o futuro do combate, é o presente. Ignorar essa realidade é comprometer a capacidade dissuasória nacional e expor nossos militares a riscos desnecessários.
O que está em jogo não é apenas a atualização de arsenais, mas a redefinição da própria lógica de combate. Ao estabelecer uma doutrina nacional de combate a drones, o Exército Brasileiro e o Corpo de Fuzileiros Navais estarão não apenas protegendo suas tropas, mas assegurando a soberania e a relevância estratégica do país no cenário internacional.
A reflexão deve começar agora. E mais que reflexão, deve transformar-se em prioridade.
por Angelo Nicolaci
GBN Defense - A informação começa aqui
0 comentários:
Postar um comentário