A Marinha do Brasil (MB) realizou um exercício inédito de proteção aos cabos submarinos de fibra óptica, infraestrutura considerada hoje um dos principais alvos estratégicos em cenários de guerra híbrida, ciberconflitos e disputas geopolíticas. Conduzida entre os dias 20 e 24 de maio, a operação colocou o país na vanguarda de um tema crítico para a segurança internacional: a defesa das redes que transportam aproximadamente 95% de todo o tráfego mundial de dados.
Embora a opinião pública ainda associe a internet majoritariamente a satélites e sistemas terrestres, a realidade é que quase toda a comunicação digital global, incluindo transações financeiras, comunicação entre governos, redes sociais, sistemas militares, logística e serviços críticos, trafega pelo fundo do mar. No Brasil, essa rede permite a circulação diária de dados essenciais a cerca de 134 milhões de brasileiros, garantindo desde pagamentos bancários até a operação do mercado financeiro.
O país possui 154.951 quilômetros de cabos submarinos inseridos em sua Amazônia Azul. Globalmente, são 447 cabos que totalizam mais de 545 mil milhas náuticas, conectando continentes e moldando fluxos de poder econômico, político e militar. Apesar de sua importância estratégica, essa infraestrutura permanece vulnerável.
Um alvo sensível na guerra híbrida e na disputa entre potências
Nos últimos anos, o tema tornou-se prioridade para OTAN, União Europeia e grandes potências, especialmente após incidentes e suspeitas envolvendo sabotagens. O caso mais emblemático foi a destruição parcial dos gasodutos Nord Stream, no Mar Báltico, em 2022, que acendeu alerta para ataques subaquáticos como instrumento de pressão geopolítica. Episódios semelhantes ocorreram no Atlântico Norte, Oriente Médio e Extremo Oriente, levando países como Reino Unido, França, EUA, China e Rússia a intensificarem capacidades militares para patrulhar e proteger cabos estratégicos.
A guerra híbrida, combinação de sabotagem, ciberataques, desinformação e pressão econômica, tornou os cabos submarinos um vetor prioritário de vulnerabilidade global. A simples interrupção de um cabo pode gerar prejuízos bilionários e paralisar bolsas de valores, comunicações diplomáticas e sistemas governamentais.
O Capitão de Fragata Paulo Ricardo Rodrigues dos Santos, Chefe do Departamento de Operações Especiais do Comando Naval de Operações Especiais (CONOpEsp), destaca que a transmissão de dados subaquática segue sendo a forma mais econômica, segura e eficaz de operar a economia global. Todos os dias, cerca de 15 trilhões de dólares circulam por essas redes. Empresas como Google, Meta, Amazon e Microsoft investem diretamente na expansão e redundância dos cabos transoceânicos.
Apesar dos avanços, o oficial alerta: a dependência tornou-se um ponto crítico. Uma falha ou ataque pode comprometer a soberania digital e a estabilidade econômica de qualquer país.
Brasil em posição estratégica no Atlântico Sul
A posição geográfica brasileira projeta o país como um ator central no tráfego global de dados. Fortaleza (CE) é hoje o segundo maior hub de cabos do planeta, conectando a América do Sul à América do Norte, Europa e África. Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ) e Santos (SP) completam a malha de hubs nacionais. Essa relevância desperta atenção, interesse econômico e, consequentemente, riscos.
A Marinha conduz ações constantes de monitoramento por meio do Comando de Operações Marítimas e Proteção da Amazônia Azul (COMPAAz) e dos Distritos Navais. Sempre que comportamentos suspeitos de embarcações são identificados, um protocolo de alerta e investigação é imediatamente acionado. A preocupação é crescente: sabotagens, espionagem subaquática, interceptação de dados e interferência em cabos tornaram-se estratégias plausíveis em conflitos modernos.
Autoridades de defesa classificam a proteção dos cabos como um novo eixo da soberania marítima e digital brasileira. Além das telecomunicações, plataformas de petróleo, gasodutos, oleodutos, refinarias e usinas hidrelétricas dependem dessa rede para operar de forma segura e integrada.
O exercício inédito brasileiro
O treinamento realizado pela Marinha reuniu navios, Mergulhadores Escafandristas, Mergulhadores de Combate, Comandos Anfíbios e embarcações do Comando em Chefe da Esquadra, integrando ações de contraterrorismo, defesa de infraestrutura crítica e resposta a sabotagem. Pela primeira vez, o foco incluiu simultaneamente tanto os cabos no leito marinho quanto as estações terrestres, ampliando a capacidade de proteção ponta a ponta.
Além da simulação de ataques, o exercício testou a doutrina inspirada no modelo europeu “conhecer, vigiar e agir”, com fases voltadas ao aperfeiçoamento de legislação, vigilância marítima, inteligência oceânica, uso de satélites, sensores e protocolos de resposta rápida. Incidentes reais ocorridos nos últimos quatro anos no Brasil e no mundo serviram como base para os cenários.
A operação também envolveu órgãos como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e empresas de telecomunicações, entre elas a Claro. A coordenação interagências é considerada fundamental, refletindo a compreensão moderna de que proteger cabos submarinos não é apenas responsabilidade militar, mas um esforço conjunto entre Estado, iniciativa privada e organismos internacionais.
Fragilidades, custos e o futuro da proteção
Os sistemas têm vida útil aproximada de 25 anos. A instalação de cada cabo pode custar 10 milhões de dólares, enquanto a manutenção ao longo de sua operação ultrapassa 1 bilhão de dólares. Qualquer incidente exige a suspensão do cabo, transporte até um navio especializado, reparo e reinstalação, um processo lento e caro.
Entre os principais desafios futuros estão:
• diversificação física de rotas para reduzir vulnerabilidade
• aceleração do processo de reparo
• aumento da resiliência contra sabotagem e espionagem
• modernização dos sensores e sistemas de vigilância oceânica
• expansão de capacidades navais e cibernéticas combinadas
A tendência mundial aponta para maior militarização da proteção de cabos, ampliação da vigilância subaquática e fortalecimento de parcerias internacionais. Países líderes já investem em submarinos não tripulados, sensores acústicos, inteligência artificial e veículos autônomos para vigiar redes críticas.
O Brasil começa a dar passos nesse mesmo sentido, buscando ampliar seus meios navais, sistemas de monitoramento e integração entre defesa cibernética e marítima. A realização deste exercício inédito marca um movimento estratégico de preparação frente às novas ameaças do século XXI.
por Angelo Nicolaci
colaboração: Prof. Luiz Reis (Tudo Sobre Defesa)
GBN Defense - A informação começa aqui
com Marinha do Brasil






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