No mês de abril de 1965, a grave crise político-social na República Dominicana, assolada por uma série de golpes, assassinatos e tentativas de revolução, resultou na deposição do presidente, na formação de uma junta militar e no estabelecimento de um governo paralelo, principiando uma guerra civil generalizada. Era o contexto da Guerra Fria e todo conflito local gerava profunda rivalidade ideológica e extremismos, atraindo, em todas as partes do globo, a atenção das potências dominantes, que, por sua vez, intervinham segundo os seus interesses econômicos e geopolíticos, em variados graus de intensidade e repercussões.
Tendo o chefe da junta militar da República Dominicana solicitado auxílio aos Estados Unidos da América para garantir a vida e a propriedade da população de seu país, ameaçada pela ação de guerrilhas comunistas patrocinadas por soviéticos, chineses e cubanos, a Organização dos Estados Americanos (OEA), criada há menos de duas décadas e destinada à defesa, integração e cooperação entre os países do continente, resolveu atuar de maneira direta e decisiva. Assim, com amparo no Tratado de Assistência Recíproca, firmado pelos países americanos na convenção do Rio de Janeiro, em 1947, foi criada, no dia 23 de maio de 1965, a Força Interamericana de Paz da OEA (FIP/OEA). Composta por tropas de diversos países do continente e sob um comando único, tinha por finalidade de atuar na República Dominicana e restaurar sua normalidade democrática, proporcionando um ambiente seguro e estável de paz e plena defesa dos direitos humanos.
Para alcançar este estado final desejado, a FIP foi organizada com um Estado-Maior, uma Força Norte-Americana e uma Brigada Latino-Americana, esta última composta majoritariamente por tropas brasileiras, contando, além disso, com pequenos efetivos de Honduras, do Paraguai, da Nicarágua e da Costa Rica. Tanto o comando geral da FIP, quanto o comando das forças latino-americanas, ficaram a cargo de dois generais e de um coronel brasileiros, todos veteranos da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Com larga experiência profissional, estes oficiais do Exército haviam sido testados exitosamente nos combates em solo italiano, liderando os pracinhas brasileiros em diferentes situações, ombro a ombro com os Aliados na Segunda Guerra Mundial, lutando e vencendo o inimigo nazifascista no Teatro de Operações do Mediterrâneo, em prol da liberdade e da democracia.
Nesse contexto, se sucederam no comando da FIP os Generais de Exército Hugo Panasco Alvim e Álvaro Alves da Silva Braga. No ano em que se comemoram oito décadas das vitórias brasileiras no Velho Continente, é relevante destacar que, dentro da estrutura da FEB, estes dois generais atuaram, respectivamente, como o Comandante do I Grupo do 1º Regimento de Artilharia Pesada Curta, atual 11º Grupo de Artilharia de Campanha (Grupo Montese), e como o Chefe da 3ª Seção (Operações) do Estado-Maior da Infantaria Divisionária. Antes da FIP, o General Panasco Alvim já havia comandado a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), estabelecimentos de ensino bastante tradicionais, de importância estratégica para a Instituição e com projeção a nível nacional e internacional. Após a FIP, ressalta-se, igualmente, que o General Braga foi Ministro do Superior Tribunal Militar.
O núcleo da tropa brasileira, batizado formalmente de Destacamento Brasileiro da Força Armada Interamericana (Decreto nº 56.308, de 21 de maio de 1965), ficou imortalizado pela sigla FAIBRÁS e teve como unidade base o I Batalhão do Regimento Escola de Infantaria (REI), atual 57° Batalhão de Infantaria Motorizado Escola. Seu efetivo, integrado também por um grupamento de fuzileiros navais, representou um total de 1.200 militares, substituídos a cada seis meses de operações, em três rotações de tropa.
O grande nome da FAIBRÁS foi, certamente, o então Coronel Carlos de Meira Mattos, Comandante desse Destacamento e, cumulativamente, da Brigada Latino-Americana. Na FEB, vale lembrar que o então Capitão Meira Mattos foi oficial de Estado-Maior da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária e, depois, Comandante da 2ª Companhia do 1º Batalhão do 11º Regimento de Infantaria, tomando parte do quarto ataque ao Monte Castelo, cuja conquista talvez reflita a mais emblemática vitória dos brasileiros na Itália. Após a FAIBRÁS, o General de Divisão Meira Mattos deu continuidade à sua já notável carreira, comandando a AMAN e exercendo os cargos de Vice-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e de Vice-Diretor do Colégio Interamericano de Defesa. Consagrado historiador militar e geopolítico, publicou diversos e importantes livros e artigos, que se tornaram leitura obrigatória para os estudiosos do tema e interessados no assunto. Atuou de forma marcante como membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, inspirando gerações de renomados alunos civis e militares, brasileiros e estrangeiros. Atualmente, empresta seu prestigiado nome à estrutura acadêmica de excelência existente na ECEME, o Instituto Meira Mattos (IMM).
Em setembro de 1965, passados somente quatro meses do emprego da FIP em território dominicano, foi empossado um novo governo de transição e aceito um armistício entre os grupos em conflito. Em junho de 1966, foram realizadas as eleições gerais no país e, após um total de dezesseis meses de atuação, a FIP deixou a República Dominicana, em setembro de 1966. A FAIBRÁS foi formalmente extinta logo na sequência, no Rio de Janeiro, dia 30 do mesmo mês, em uma marcante e simbólica cerimônia no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. Cabe salientar que a FIP foi a única missão de paz com tropas operada pela OEA até os dias de hoje. Entre 1965 e 1966, divididos em três contingentes, o Brasil enviou quase quatro mil soldados das três Forças Armadas ao país amigo, o que incluiu dezenas de militares especialistas em logística e em diversas áreas da administração.
O efetivo brasileiro, portanto, representou uma considerável parte do total da tropa empregada na República Dominicana. Como marca de sacrifício, a FAIBRÁS deixou um saldo de quatro mortos, oito feridos com gravidade, além de vários veteranos com marcas irreversíveis físicas e emocionais, testemunhas presentes de uma guerra jamais esquecida. Faz-se oportuno lembrar que, congregando esses homens na manutenção da memória e na solidariedade mútua, existe atualmente a Associação dos Veteranos da FAIBRÁS, cujo presidente é o Sr. Jorge Alves da Conceição.
Hoje, 60 anos depois, é com um misto de justiça, honra, orgulho e satisfação que cada cidadão brasileiro, de pele verde-oliva ou não, deve render elevado preito de respeito e gratidão aos soldados brasileiros que combateram na República Dominicana, com comprometimento, efetividade e abnegação, superando dificuldades, derrotando o oponente em terras caribenhas e enaltecendo o nome do Exército, das Forças Armadas e do Brasil.
AUTORES:
GENERAL DE BRIGADA ANDRÉ LUIZ DE SOUZA DIAS - Formado em 1996, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), é oriundo da Arma Infantaria. Atualmente, comanda a 6° Brigada de Infantaria Blindada, com sede em Santa Maria-RS. Nessa mesma Brigada, foi o Comandante da Companhia de Comando, em 2010-11, e do 29º Batalhão de Infantaria Blindado, no biênio 2019-20. Além do Curso de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro, realizou o Curso de Estado-Maior das Forças Armadas da Espanha e o de Altos Estudos Nacionais da Bolívia. Possui os Mestrados Acadêmicos em Operações Militares e em Ciências Militares, ambos no Brasil, em Política de Defesa e Segurança Internacional, na Espanha, e em Segurança, Defesa e Desenvolvimento, na Bolívia. É membro da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (ANVFEB) e do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB).
DANIEL MATA ROQUE - Cineasta e Historiador. Doutor em Ciências, em estágio pós-doutoral na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa e professor do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias do Exército Brasileiro. Diretor da Pátria Filmes e do Festival Militum. Associado Titular do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - Seção Rio de Janeiro, exercendo cargos de diretoria nas duas instituições. Desde o ano de 2018 ocupa a 2ª Vice-Presidência da Direção Central da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira. É membro do Corpo de Pesquisadores Associados do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército.
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