domingo, 3 de dezembro de 2023

As origens da expropriação dos palestinos: o Mandato Britânico

O conflito Israel-Palestina nasceu das ruínas do Império Otomano na Primeira Guerra, e se estendeu nos tempos do Mandato Britânico e da Segunda Guerra

As regiões que hoje conhecemos como Israel e Palestina foram, entre 1920 e 1948, um único Estado: o Mandato Britânico da Palestina. Durante os quatro séculos anteriores, a região esteve nas mãos do Império Otomano, que foi derrotado durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pelo Império Britânico e pela rebelião dos seus próprios súditos árabes, que buscavam sua independência.

O Império Britânico assume o controle da Palestina

Na época do início do Mandato Britânico da Palestina, na década de 1920, a população árabe constituía 93% da população do território e a população judaica aproximadamente 7%. Enquanto uma parcela da população judaica habitava a região há séculos, uma grande parte chegou a partir do final do século XIX, sob o impulso do movimento sionista, e fundou no local as suas próprias cidades (como Tel Aviv) e comunidades agrícolas. 

O movimento sionista, inspirado nos movimentos nacionalistas que floresciam na época, pretendia a criação de um Estado-nação judeu no território onde o antigo reino de Israel tinha se desenvolvido três milênios antes (e onde ainda existem os locais mais sagrados do judaísmo, como o Muro das Lamentações, considerado um vestígio do Templo de Salomão). A maioria dos colonos sionistas era oriunda da Leste da Europa – onde os judeus eram perseguidos e atacados – e acreditava que a migração para a Palestina e a criação de um Estado próprio lhes daria a segurança que não tinham no velho continente, bem como oportunidades de escapar da pobreza em que se encontravam.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Império Britânico tinha feito duas promessas contraditórias sobre o futuro da região da Palestina. Por um lado, no contexto do crescimento do nacionalismo árabe e da resistência contra os otomanos, tinha oferecido ao Xarife de Meca a formação de um Estado árabe unido em todas as regiões do Oriente Médio onde eles eram a maioria demográfica. Esta promessa incluía a Palestina, uma região de grande importância para as culturas árabe e islâmica devido à presença em Jerusalém (Al Quds em árabe) de alguns dos seus locais mais sagrados, como a Mesquita de Al Aqsa.

Por outro lado, os britânicos, através da Declaração Balfour, de 1917, tinham oferecido ao movimento sionista o estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu, o que foi interpretado pelos judeus como a promessa da tão desejada criação de seu próprio Estado. Desta forma, Londres deu luz verde para prosseguirem com seu projeto de colonização, que já não necessitava do consentimento das potências regionais ou da sociedade árabe, pois podia apoiar-se diretamente na ocupação militar imperialista europeia. 

Para o Império Britânico, esta aliança foi benéfica porque a colonização judaica permitiu assegurar o seu próprio controle na região com uma população aliada para contrapor o nacionalismo árabe e, ao mesmo tempo, obter o apoio da comunidade judaica na Europa para os seus interesses na guerra mundial.

É importante notar que a promessa feita aos árabes de um Estado unido e independente nunca foi cumprida. Em vez disso, procederam à divisão com a França (através dos acordos Sykes-Picot de 1916) dos territórios otomanos, estabelecendo as fronteiras do atual Oriente Médio. 

Assim, após o fim da guerra, a Liga das Nações (precursora da atual ONU) concedeu ao Império Britânico um mandato sobre a Palestina a partir de 1920. Para os britânicos, o Oriente Médio era uma região estratégica: era a rota entre a Europa e as suas colônias no Extremo Oriente – especialmente a Índia – e o Império já controlava o Egito e a sua passagem interoceânica (o Canal de Suez). O controle da Palestina era, portanto, uma peça importantíssima no seu esquema imperialista global.

A colonização sionista se aprofunda

A aliança estabelecida entre o Império Britânico e o movimento sionista permitiu que a migração judaica para a região se desenvolvesse intensamente ao longo das três décadas do Mandato Britânico da Palestina: o Yishuv (comunidade judaica na Palestina) chegou a constituir um terço da população de todo o Mandato e a controlar – através da compra de terras – 12,75% da terra arável e 6% da área total do país. Ela tinha também a sua própria organização proto-governamental, a Agência Judaica para a Palestina.

Neste processo de colonização – que já tinha se iniciado ao final do período otomano – muitos camponeses árabes, arrendatários e meeiros foram expulsos das terras que tinham trabalhado durante gerações, depois das organizações sionistas terem-nas comprado dos seus proprietários árabes. Isso ocorreu porque eles impuseram uma política de trabalho judaico – ou seja, um boicote ao trabalho árabe e aos seus produtos – com o objetivo de formar uma sociedade completamente independente da população original. O mesmo boicote também excluiu os trabalhadores árabes das empresas criadas pelo Yishuv nas cidades e no campo, o que contribuiu para o empobrecimento da sociedade árabe palestina em seu conjunto.

Os árabes viam a migração judaica e as mudanças demográficas, sociais, econômicas e culturais como uma ameaça à sua própria subsistência na região, uma questão agravada pelo fato de essa migração ter sido possibilitada pelo domínio imperialista britânico e pelo Yishuv ser um aliado e defensor da metrópole. A esta situação somavam-se os preconceitos etno-religiosos de ambas as comunidades e a presença de correntes político-ideológicas de extrema-direita (do lado árabe, o Grande Mufti de Jerusalém Amin al-Husayni professava abertamente o antissemitismo e era aliado de Hitler, enquanto do lado judeu existiam correntes como o sionismo revisionista de Zeeb Jabotinsky, admirador de Mussolini). 

As tensões foram crescendo ao longo do Mandato Britânico, incluindo amplos massacres intercomunitários. Neste contexto se desenvolveram as forças de autodefesa judaicas, como o Haganah, que mais tarde se tornaria a espinha dorsal das forças armadas israelenses. 

Mas a instabilidade foi aumentando, sobretudo após o triunfo de Hitler na Alemanha, que provocou a fuga de centenas de milhares de judeus da Europa Oriental durante a década de 1930. Muitos deles emigraram para a Palestina – até porque os EUA e outros países ocidentais restringiram a migração para lá – acelerando o processo de mudança demográfica e de aquisição de terras. Em paralelo ao empobrecimento contínuo da população árabe palestina, esta situação acabaria desencadeando a chamada Grande Revolta Árabe (1936-1939), que culminou em uma greve geral com ações de insurreição e de guerrilha. A revolta foi reprimida em conjunto pelas forças britânicas e do Yishuv, resultando em milhares de árabes mortos.

Os confrontos da década de 1930 romperam definitivamente a convivência entre a comunidade árabe e o Yishuv, e levaram o Império Britânico a reavaliar o futuro da região. Neste contexto é que surgiram as primeiras propostas de divisão da Palestina em dois Estados (Comissão Peel), e o Mandato Britânico acabaria impondo limites à imigração judaica e à compra de terras – através do chamado "Livro Branco" de 1939 – para evitar uma ruptura definitiva com a comunidade árabe, cujo apoio necessitava nas vésperas da Segunda Guerra Mundial para garantir seu abastecimento a partir de  todo o Oriente Médio. 

Mas esta decisão, por sua vez, provocou uma ruptura no outro extremo do polo: o Yishuv passou a ver a potência dominante como um entrave ao projeto de construção da nação do povo judeu, começando assim sua contestação ao domínio britânico. 

Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a posição do Império Britânico na Palestina tornou-se insustentável e o futuro do Mandato começou a ser discutido nas recém-formadas Nações Unidas. Esta situação acabou conduzindo à divisão do território, à fundação do Estado de Israel, à expulsão em massa dos palestinos e ao início de um estado de guerra permanente.


Fonte Opera Mundi

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