domingo, 4 de junho de 2023

Uma Nova Escola de Sargentos para formar o líder de pequena fração preservando valores e tradições


É inegável a importância do líder para a condução de qualquer grupo na obtenção de melhores resultados. Na profissão militar, o exercício da liderança é ainda mais relevante, uma vez que a existência do líder conduzindo a sua fração é fundamental para a motivação e para o sucesso em combate.

No século XVIII, o político e diplomata francês Charles-Maurice de Talleyrand resumiu essa importância ao afirmar: “temo mais um exército de cem ovelhas lideradas por um leão do que um exército de cem leões liderados por uma ovelha”. Bem mais tarde, no século XX, essa realidade permaneceu imutável para os militares e o Professor Emérito da Harvard Bussiness School, John P. Kotter, autor de vários livros de liderança, atestou que “ninguém descobriu ainda como gerenciar pessoas de forma eficaz em uma batalha, elas devem ser lideradas”.

Adentramos no século XXI, na chamada Era do Conhecimento, sem que a necessidade de formar líderes militares sofresse alteração. E, nesse diapasão, a atual Escola de Sargentos das Armas (ESA), referência principal na formação dos sargentos de carreira do Exército Brasileiro, que compõem 62% do efetivo profissional da Instituição, substituiu, em 2019, os dizeres garrafais estampados no Pátio Principal da Escola, “Sargento, elo fundamental entre o Comando e a Tropa” para “Aqui são forjados líderes de pequena fração”.

Uma Nova Escola para formar líderes

A partir de 2020, o Exército Brasileiro decidiu estudar a viabilidade de implantação de uma Nova Escola, uma escola única que possa centralizar toda a formação e graduação dos sargentos de carreira, sendo capaz de otimizar processos e métodos educacionais modernos.

Apesar da concepção transformadora a ser estabelecida, essa Nova Escola deverá preservar os valores e as tradições do Exército Brasileiro na formação dos seus sargentos. A educação militar sustenta-se no tripé ensino, pesquisa e internalização/desenvolvimento de valores e atitudes, particularmente daqueles afetos diretamente à profissão militar, como o patriotismo, a honra, a lealdade, o amor à verdade, a fé na missão, a dedicação, a disciplina, o respeito aos preceitos hierárquicos, entre outros. Esses mesmos valores e atitudes são, também, fundamentais para o exercício da liderança.

Warren Bennis, considerado um dos pioneiros do estudo da liderança contemporânea, afirmou que o “líder tem que possuir competência, visão e virtude”. Portanto, a Nova Escola, além da qualidade do ensino oferecido, deverá ser capaz de trabalhar os valores do Exército Brasileiro a ser internalizados por seus alunos, preservando as tradições militares: aquelas que caracterizam o Exército e o militar brasileiro e aquelas que ajudam a desenvolver o espírito de corpo, tão caro à efetividade no combate e que reforça a motivação para o enfrentamento das agruras da guerra.

A Nova Escola trará uma série de vantagens para a formação profissional e, em consequência, para a Instituição Militar, quando comparada ao atual modelo com formação em 16 diferentes organizações militares.

A primeira grande vantagem é a possibilidade do estabelecimento de um ambiente modelar, referência a servir de inspiração para os sargentos ali formados. O antigo provérbio latino verba movente, exempla trahunt evidencia a verdade de que a convivência diária em um local que sirva de bom exemplo será a imagem que influenciará o modo de proceder dos futuros profissionais da Força Terrestre.

A escolha do local onde se instalará a Nova Escola, depois de extensa busca em todo o território nacional, na região metropolitana do Recife, destaca mais uma vantagem da Nova Escola: permitirá trazer maior equilíbrio na distribuição das escolas de formação e pós-graduação, hoje muito concentradas na região sudeste, o que permitirá um melhor recrutamento em âmbito nacional. Além disso, resgatará o marco simbólico da formação de parcela expressiva dos profissionais da Força no território que é berço da nacionalidade e gênese do Exército Brasileiro.

A terceira vantagem diz respeito à criação do espírito de turma. Nos dias atuais, os alunos cursam o primeiro ano em 13 diferentes unidades escolares e se dirigem para 3 diferentes escolas para o período de qualificação no segundo ano. Embora pertençam à mesma turma de formação, muitos nem se conhecem. Ao reuni-los em um mesmo local, por um período de 2 anos em regime de internato, verdadeiros irmãos de profissão serão formados, e essa irmandade estabelecida será sustentáculo de apoio e superação nos momentos mais difíceis. O espírito de turma será a moldura para o desenvolvimento do espírito de corpo, tão salutar para os profissionais das armas.

Ao centralizar todos os alunos em um mesmo local, o trabalho a ser desenvolvido para a assimilação e internalização de valores e atitudes comportamentais será facilitado, e essa quarta vantagem da Nova Escola é fator significativo. Primeiramente porque o padrão de demonstração, observação e exigência comportamentais poderá ser praticado de forma uniforme para todos. A presença de um único Comandante da Escola, em elevado nível de oficial-general, somada à existência de um grupo único do Corpo Permanente a conduzir as ações, trará reflexos positivos para o ambiente escolar. Além disso, a presença dos alunos do 2º ano junto aos do 1º, hoje inexistente, facilitará o convívio diário e a transmissão de informações, comportamentos e modelos culturais a serem assimilados pelos mais novos.

A Nova Escola apresenta como quinta vantagem a possibilidade de oferecer melhores condições para a seleção e concentração de instrutores, hoje uma das grandes carências, particularmente no 1º ano, distribuído em 13 diferentes locais. Os instrutores e monitores conduzem o dia a dia da instrução militar e são não somente os transmissores de conhecimento, mas também a referência e o exemplo para os alunos, ou seja, têm influência direta em suas formações. Quanto mais amplo, mais diversificado e mais qualificado o quadro de instrutores e monitores, melhor a qualidade da formação. As vantagens da guarnição de Recife, no que diz respeito à qualidade de vida e de suporte à família militar, serão atrativos para o Corpo Permanente.

A sexta vantagem diz respeito ao chamado senso de pertencimento. A Nova Escola irá impressionar pela sua magnitude e imponência. O candidato, que passa por rigoroso processo de seleção, sentir-se-á orgulhoso de frequentar um ambiente escolar de tamanha importância para o Exército Brasileiro, estabelecimento que será referência nacional e internacional na formação de praças. O aluno irá perceber o quanto o Exército investe na sua formação. Esse sentimento de pertencer, de ser acolhido e de ser importante para a Instituição trará reflexos positivos para que a Força Terrestre tenha profissionais verdadeiramente comprometidos com os seus serviços em prol da Instituição e, por extensão, da nossa Pátria.

A Nova Escola permitirá a incorporação de processos educacionais modernos, e essa sétima vantagem é fundamental para o profissional a ser formado na Era do Conhecimento. A existência das estruturas adequadas e devidamente equipadas, de laboratórios diferenciados, de simuladores e de outros equipamentos, associada à capacidade já mencionada de seleção e retenção de um Corpo Permanente qualificado, trará melhoras significativas na qualidade da instrução a ser ministrada. Além disso, a sua localização próxima à Recife permitirá intercâmbio com outros centros educacionais de referência.

Uma outra vantagem significativa, a oitava, será a economicidade. A dispersão em 16 diferentes locais obriga a existência de processos redundantes e de muitos deslocamentos dos alunos e instrutores. A logística para dar suporte é mais complexa e cara. A economicidade se dará não somente no aspecto material, mas também em pessoal, haja vista a necessidade atual de profissionais com idêntica capacitação para a mesma atividade desenvolvida em 16 diferentes locais.

Por fim, destaca-se como nona vantagem, a existência de um campo de instrução contíguo à Nova Escola. Um dos processos pedagógicos mais praticados nas escolas militares é o aprender fazendo, com contínuas idas ao campo para colocar em prática os ensinamentos teóricos. A maioria dos atuais estabelecimentos de ensino formadores possui campo de instrução afastado da sede da escola, dificultando os deslocamentos e, por vezes, impossibilitando a realização do exercício prático. A Nova Escola possuirá um campo de instrução contíguo, com dimensão e diversidade topográfica compatíveis para a realização de diferentes exercícios necessários para a formação de 14 diferentes especialidades militares, combatentes e logísticas.

Para concluir

Ao decidir pela construção de uma Nova Escola de Sargentos para a formação de parcela expressiva de seus profissionais, líderes de pequena fração, o Exército Brasileiro tomou uma decisão estratégica de investir no que lhe é mais caro: a qualidade do seu quadro de profissionais. Investir no seu pessoal é assegurar a melhoria da Força com solidez.

Decidiu, para tanto, oferecer estruturas modernas e muito mais apropriadas. No entanto, preservará o diferencial da formação militar que é o desenvolvimento e a internalização de valores, bem como a preservação das tradições que enriquecem e destacam a Instituição Militar. Tudo levando em conta que esses são aspectos fundamentais para a formação do combatente, líder de pequena fração, que a Nação precisa para cumprir a sua principal missão constitucional de defender a Pátria.


Por General de Divisão R1 Joarez Alves Pereira Junior - Formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1982. Cursou a Escola de Comando e Estado-Maior (ECEME) em 1997/98. No exterior realizou o Curso Básico de Inteligência, no Forte Huachuca; o Curso da Escola de Guerra, no War College; e o Curso de Política e Estratégia da National Defense University; todos nos Estados Unidos da América. Foi instrutor da AMAN e da ECEME e comandou a Escola de Administração do Exército e Colégio Militar de Salvador. Exerceu a função de Adjunto do Adido do Exército junto à Embaixada do Brasil em Washington. Comandou a 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, em Bagé-RS e a 6ª Região Militar, em Salvador-BA. Foi Subchefe do Estado-Maior do Exército para Assuntos Internacionais. Exerceu, como última função no serviço ativo, a Vice Chefia do Departamento de Educação e Cultura do Exército. Atualmente é o Coordenador Executivo do Grupo de Trabalho que irá realizar o planejamento para a implantação de uma Nova Escola de Formação e Graduação de Sargentos de Carreira do Exército Brasileiro.


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