Um novo capítulo na modernização da artilharia foi escrito nos campos de provas de Yuma, no Arizona. Testado com sucesso em agosto e divulgado pela General Atomics Electromagnetic Systems (GA‑EMS), o Projétil de Manobra de Longo Alcance (LRMP) calibre 155 mm, mostrou capacidade para atingir alvos a distâncias inéditas para munição de artilharia convencional, operando em cenários sem sinal de GPS.
Lançado a partir do obus rebocado M777 usando cartuchos de pólvora M231, o LRMP combina conceitos aerodinâmicos e de propulsão passiva para estender o alcance operacional. Suas asas articuladas e o perfil de seção triangular Reuleaux permitem manobras controladas em voo, inclusive descidas controladas, que aumentam tanto a precisão quanto a capacidade de engajar alvos em movimento. A empresa informa que o projétil alcança recorrentemente perto de 120 km em condições operacionais, com possibilidade teórica de alcance máximo em torno de 150 km.
Para a indústria, o teste consolida uma tendência: a artilharia tradicional está recuperando atribuições que antes eram domínio exclusivo de foguetes e mísseis. “Este marco reflete nosso compromisso em fornecer tecnologias de ponta para sistemas de artilharia”, disse Scott Forney, presidente da GA‑EMS, destacando a importância de munições produzidas em massa, acessíveis e resistentes a um ambiente operacional cada vez mais contestado. Segundo a empresa, o LRMP foi projetado para integração com as plataformas de artilharia já em serviço, abrindo caminho para rápida adoção e escalabilidade.
O alcance e a capacidade de manobra colocam o LRMP em posição estratégica: unidades equipadas com obuses 155 mm recuperariam um espectro de efeitos em profundidade sem necessidade de reposicionar frequentemente os lançadores, reduzindo exposição e logística. Além disso, a capacidade de operar sem GNSS aumenta a resiliência diante de interferências eletrônicas, um requisito hoje central nos teatros contestados.
A Marinha dos Estados Unidos já demonstrou interesse prático: em dezembro de 2024 concedeu contrato à GA‑EMS para acelerar a adaptação do LRMP à aplicação naval. A versão marítima ampliaria o leque de emprego, defesa de aproximação, apoio naval de fogo e emprego em cenários de segurança marítima, potencialmente equipando fragatas, corvetas ou plataformas navais com efeitos de longo alcance e precisão.
Tecnicamente, o LRMP explora soluções relativamente simples e robustas: formato aerodinâmico que favorece alcance sem propulsão auxiliar, superfícies de controle para correção de trajetória e integração com sistemas de orientação inercial e sensores que não dependem exclusivamente de GNSS. Essa escolha de arquitetura facilita compatibilidade com sistemas de carregamento existentes e reduz a necessidade de mudanças logísticas profundas nas unidades de artilharia.
Do ponto de vista operacional, especialistas consultados em análises recentes apontam que munições como o LRMP podem transformar a artilharia em um multiplicador de alcance e letalidade, especialmente em operações deflagradas em profundidade ou contra vetores móveis. A plateia estratégica é ampla: exércitos que ainda dependem de obuses convencionais ganhariam uma opção de efeito quasi‑míssil sem os custos e complexidade de programas balísticos.
Críticas e desafios permanecem. Produzir em massa, garantir custos aceitáveis por unidade, homologar interoperabilidade entre plataformas e validar desempenho em condições variadas (clima, solo, interferência eletrônica) são etapas que precedem a adoção em larga escala. Também existe o debate sobre o papel das munições de longo alcance em ambientes urbanos e de fronteira, onde riscos colaterais e regras de engajamento impõem restrições.
Ainda assim, o LRMP simboliza um movimento claro: a artilharia, historicamente chamada de “rainha das batalhas”, está retomando protagonismo tecnológico. Ao aproximar a precisão dos mísseis com a economia e flexibilidade dos obuses, projéteis manobráveis de longo alcance prometem reconfigurar como forças armadas projetam poder de fogo em teatros contemporâneos.
Comparação de munições guiadas de 155 mm
LRMP (Long‑Range Maneuvering Projectile) — General Atomics EMS
* Calibre: 155 mm.
* Orientação: guiagem inercial/sensores + superfícies de controle (manobrabilidade em voo); projetado para operar em ambientes com interferência GNSS (GPS‑denied).
* Alcance: capacidade operacional anunciada em torno de 120 km (com alcance teórico estimado até ~150 km).
* Plataforma de tiro: compatível com obuses 155 mm atuais (testado a partir de M777 com cartucho M231); versão naval em desenvolvimento mediante contrato da US Navy.
* Destaque: projétil manobrável “quase‑míssil” com ênfase em resistência a interferência GNSS e emprego em profundidade sem necessidade de foguete assistido.
M982 Excalibur — BAE / Raytheon
* Calibre: 155 mm.
* Orientação: GPS + navegação inercial (alta precisão em condições com sinal GNSS).
* Alcance: tipicamente entre ~40 km (configurações 39–52 cal) até cerca de 70 km em versões e tubos mais longos (58 cal).
* Plataforma de tiro: obuses 155 mm compatíveis; já em uso operacional por diversos países.
* Destaque: alta precisão (CEP medido em poucos metros) — porém sensível a interferência GNSS, o que levou a discussões sobre eficácia em teatros com guerra eletrônica.
Vulcano 155 GLR — Leonardo / Diehl (família Vulcano)
* Calibre: 155 mm (versão GLR guiada).
* Orientação: GNSS + correção inercial/trajectory shaping; versões com guiagem de alta precisão.
* Alcance: guiada (GLR) típico até ~70 km (depende do sistema de artilharia e configuração).
* Plataforma de tiro: projetada para integração com obuses terrestres e sistemas navais (família prevista para múltiplos calibres).
* Destaque: foco em precisão e capacidade naval/terrestre com perfil de trajetória otimizado; menos alcance que LRMP, compensado por robustez de guiagem GNSS.
Krasnopol / K155M (guiada russa) — KBP
* Calibre: 152/155 mm (variantes).
* Orientação: laser semi‑ativo (Krasnopol padrão) e variantes com guiagem GNSS/laser; projetada para atacar alvos pontuais (blindados/fortificações).
* Alcance: variantes históricas entre ~20–25 km; versões mais recentes (Krasnopol‑D / K155M) relatam alcance estendido dependendo do sistema de artilharia (até 43–60 km em plataformas específicas).
* Plataforma de tiro: sistemas de artilharia russos (canhões rebocados e automotores).
* Destaque: projetil focado em precisão terminal por laser; diferente da filosofia de longo‑glide/alcance do LRMP.
Observações finais rápidas
* Arquitetura e emprego: LRMP aposta em alcance extremo e manobrabilidade sem propulsão auxiliar (perfil de glide com superfícies de controle e formato otimizado), visando atingir alvos em profundidade e mover‑alvos em ambientes GNSS‑denied.
* Comparativo operacional: Excalibur e Vulcano oferecem precisão comprovada com dependência maior de GNSS (ou laser), alcance moderado a longo (até ~70 km em melhores condições). LRMP promete multiplicar o alcance (x2–x3) e reduzir dependência de GNSS — mas ainda precisa de validação em emprego massivo, custos unitários e desempenho em todos os cenários.
Por Angelo Nicolaci
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