O Irã, tradicional aliado militar da Rússia no Oriente Médio, deu um passo inédito ao escolher sistemas de defesa aérea chineses HQ-9B para reconstruir sua rede antiaérea, amplamente destruída pelos ataques israelenses. A decisão evidencia a insatisfação iraniana com a performance dos sistemas russos S-300, levantando dúvidas sobre o futuro de outras parcerias no âmbito de defesa entre Teerã e Moscou, como a aquisição de caças Su-35, que também está em xeque.
A aquisição iraniana dos HQ-9B foi revelada pelo site Middle East Eye, que citou autoridades regionais com acesso direto ao acordo. As entregas começaram logo após o término do cessar-fogo informal entre Irã e Israel, no dia 24 de junho. Segundo as informações, o Irã pagará as baterias com petróleo, moeda de troca que lembra acordos da Guerra Fria, consolidando ainda mais a dependência iraniana da China, seu principal parceiro comercial.
A derrocada dos S-300 no Irã
Durante anos, o Irã apresentou os S-300 PMU-2 como um símbolo de sua capacidade defensiva. Comprados da Rússia em 2007 por US$ 1 bilhão, os sistemas demoraram quase uma década para serem entregues, chegando apenas em 2016, em meio a uma série de embargos internacionais.
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S300PMU-2 se mostraram ineficientes no Irã |
Porém, a realidade dos combates recentes expôs a fragilidade desses sistemas frente à guerra moderna. Nos ataques israelenses de abril e outubro de 2024, os S-300 foram amplamente neutralizados por mísseis de cruzeiro e drones, mesmo com o Irã alegando que suas defesas haviam derrubado várias aeronaves inimigas.
No mais recente conflito de 12 dias entre Irã e Israel, encerrado em junho, as Forças de Defesa de Israel (IDF) provavelmente eliminaram o que restava dos S-300 iranianos. Segundo fontes israelenses, as baterias russas falharam repetidamente em detectar ou interceptar aeronaves furtivas F-35 e mísseis israelenses. Ainda que a mídia estatal iraniana tenha alegado o abate de quatro F-35, três deles supostamente derrubados pelo sistema de defesa aérea iraniano Bavar 373, nenhuma prova concreta foi apresentada. Especialistas apontaram que as imagens divulgadas pelo governo iraniano eram visivelmente manipuladas.
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Bavar 373 |
Diante da destruição praticamente total de suas defesas de médio e longo alcance, Teerã foi forçado a buscar uma alternativa, e a resposta veio da China.
O HQ-9B: uma nova aposta para o Irã
O sistema HQ-9B, fabricado pela China, emprega mísseis superfície-ar de longo alcance baseado em tecnologia russa, mas com significativas melhorias em eletrônica e capacidade de travamento de alvo. Seu alcance pode chegar a 260 km, superior aos cerca de 195 km dos S-300 PMU-2.
O HQ-9B também emprega radares do tipo AESA (Active Electronically Scanned Array) e sensores infravermelhos passivos, o que teoricamente o torna mais eficiente contra aeronaves furtivas como o F-35. Além disso, possui maior resistência a bloqueios e interferências eletrônicas, uma vulnerabilidade notória dos sistemas russos, agravada pela guerra eletrônica cada vez mais presente nos conflitos modernos.
A China é hoje o destino de quase 90% das exportações de petróleo bruto iraniano, uma dependência econômica que também se reflete no campo de defesa. Ainda não foi revelado oficialmente quantos lançadores HQ-9B o Irã recebeu.
O futuro incerto dos caças Su-35 no Irã
Além dos sistemas antiaéreos, o Irã também repensa suas aquisições aéreas. Os caças russos Su-35, cuja venda ao Irã foi amplamente noticiada, ainda não foram entregues. A performance abaixo do esperado do Su-35 na guerra da Ucrânia, onde enfrentou dificuldades contra drones, mísseis ocidentais e caças de nova geração, reforçou as dúvidas em Teerã.
A imprensa iraniana e chinesa sugere que o Irã já analisa seriamente a compra do aeronaves chinesas J-10C. O Defa Press, veículo alinhado às Forças Armadas iranianas, publicou um artigo pedindo oficialmente a aquisição do J-10C como alternativa mais eficiente. De acordo com reportagens de 2021, o Irã teria interesse em até 36 exemplares da aeronave, também em troca de petróleo e gás natural.
O J-10C é uma aeronave de quarta geração, equipada com radar AESA e mísseis PL-15E de longo alcance, capaz de rivalizar com muitos caças ocidentais. A China tem promovido agressivamente essa aeronave como alternativa de baixo custo para países sancionados ou com restrições ao mercado ocidental.
Segundo fontes, durante uma visita recente à China, o ministro da Defesa iraniano, Aziz Nasir Zadeh, teria formalizado o interesse na compra dos J-10C.
Uma ruptura estratégica com Moscou
O que antes era uma sólida parceria militar entre Rússia e Irã agora se desfaz diante dos olhos da comunidade internacional. A guerra na Ucrânia, que escancarou limitações graves nos equipamentos russos, e o fracasso dos S-300 no Oriente Médio geraram um forte desgaste da imagem de Moscou como fornecedor de armas confiáveis.
Países como Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, por exemplo, recusaram-se a adquirir os S-300 e S-400, preferindo sistemas ocidentais, ou no máximo o Pantsir-S1 russo para defesa de ponto. A perda do Irã, seu maior cliente militar na região, representa um duro golpe para a indústria de defesa russa.
Já a China, discreta e pragmática, se fortalece como a nova provedora estratégica de armamentos no Oriente Médio, ampliando sua influência em uma das regiões mais voláteis do planeta.
Análise do GBN sobre o novo cenário
O caso do Irã escancara as transformações no teatro moderno de operações:
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Fim da supremacia russa: A defesa aérea russa, antes símbolo de invencibilidade, tornou-se ineficiente diante de caças furtivos, mísseis de cruzeiro e guerra eletrônica. A destruição dos S-300 no Irã não é um fato isolado, mas o reflexo direto da inadequação desses sistemas à guerra moderna, como também visto na Ucrânia.
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Ascensão chinesa na guerra tecnológica: A China, além de prover armamentos mais baratos, oferece soluções que integram eletrônica avançada, sensores redundantes e robustez contra bloqueios eletrônicos, características hoje essenciais para sobrevivência no campo de batalha. O HQ-9B é, essencialmente, um “S-300 aperfeiçoado” para o século XXI.
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Dependência e pragmatismo iraniano: A escolha iraniana é pragmática. Ao invés de insistir na parceria com Moscou, o Irã busca o que há de mais eficaz dentro das restrições que enfrenta, mesmo que isso aprofunde sua dependência da China. Em meio a constantes ameaças de Israel e dos EUA, a prioridade de Teerã é garantir capacidade real de dissuasão, e não apenas propaganda.
Comparativo Técnico: S-300 PMU-2 vs HQ-9B
Característica | S-300/PMU-2 (Rússia) | HQ-9B (China) |
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Alcance Máximo | 195 km | Até 260 km |
Teto |
Até 27 km | Até 50 km |
Radar Principal | Radar phased array (30N6E, não AESA) | Radar AESA + sensor infravermelho passivo |
Missil | Até Mach 4 | Mach 4,2 a 4,7 |
Capacidade Contra Stealth | Limitada | Otimizada para aeronaves furtivas e mísseis |
Resistência EW | Moderada, vulnerável a interferências | Alta resistência, com rastreamento redundante |
Histórico Operacional | Fraco no Oriente Médio e na Ucrânia | Sem combate real, mas robusto em testes e simulações |
Status no Irã | Virtualmente destruído | Entrando em operação (primeiras baterias entregues) |
O HQ-9B não é apenas uma substituição técnica, ele representa uma mudança de eixo geopolítico no Oriente Médio, com a China ampliando sua influência regional em detrimento da Rússia. Em meio a um cenário de drones, mísseis furtivos e guerra eletrônica, Teerã escolheu um caminho pragmático: sobreviver ao custo da autonomia.
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