Anunciada no
saudoso ano de 2013, com pompa e circunstância, em S. Julião da Barra, pelo
Ministro da Defesa Nacional, com a presença dos quatro chefes militares em
cenário de fundo, a putativa reforma das Forças Armadas veio finalmente à
superfície, com a publicação em 29 de Dezembro das leis orgânicas das três forças
do Estado Maior General das Forças Armadas e do Ministério de Defesa, culminando
um longo processo legislativo, iniciado em 2012, que passou pela revisão do Conceito
Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), das Leis de Defesa Nacional (LDN) e da
Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas (LOBOFA).
Numa breve
apreciação inicial, poderá afirmar-se que dando voz à tradicional sabedoria dos
portugueses “o que começa mal acaba pior”. De fato, logo em 2012, com as
discussões da “Reforma 2020” inspirada no modelo de forças armadas da Dinamarca
ficou evidente o irrealismo do padrão comparativo. Depois, com a revisão do
CEDN, elaborada por 26 das mais capazes personalidades da área, ressaltou a
discrepância entre as posições do grupo e a vontade redutora do poder político
denunciada com amargura pelo seu presidente, Senhor Professor Luís Fontoura, de
boa memória, um homem sério que já nos deixou e a quem presto a minha
homenagem. Mais tarde, já em 2014, com a aprovação pela Assembléia da
República, após alargadas audições na Comissão de Defesa Nacional, das LDN e da
LOBOFA, em que, pela primeira vez na democracia se quebrou o consenso
partidário que sempre presidiu a todas a reorganizações anteriores.
Note-se que,
apesar de este assunto não merecer grande divulgação midiática e atenção por
parte dos portugueses, se trata verdadeiramente da última parcela de soberania
que, de fato, ainda nos resta, pois que as outras eufemisticamente designadas
por “partilhadas” já cá não estão.
Interessa notar
que as Forças Armadas são certamente a Instituição que mais se reformou na
democracia, passando de um modelo basicamente orientado para a guerra na
África, com cerca de 240.000 homens despendendo aproximadamente 45% do
Orçamento de Estado, para um modelo de segurança cooperativa e de “operações de
apoio à paz”, com cerca de 30.000 efetivos que agora nos custa cerca de 1% do
PIB. Compare-se com as parcerias público-privadas, com o que aconteceu no BPN,
no BPP, no BES, na PT, etc…
Mas as Forças
Armadas como pilar do Estado não podem, nem devem, estar permanentemente
sujeitas a mudanças. A última reforma tinha ocorrido em 2009, sendo que, cumprindo
com a melhor tradição que nos demonstra que uma coisa é estar na oposição e
outra, muito diferente, é estar no governo, o interlocutor da altura, agora
imbuído do mais reformador espírito, entendeu que a quebra do consenso então
ocorrido era um imperativo de Estado, que o tempo da reforma tinha que ser o de
fim do mandato governamental e que havia que reformar porque sim e, talvez,
porque outros já o tinham feito…
Sem qualquer
avaliação dos resultados, pois a última reforma ainda não estava sequer completamente
implementada, aparece então a denominada “Reforma 2020” que, em minha opinião,
e numa visão macro, tinha dois objetivos explícitos – racionalizar a despesa,
aumentando a percentagem afeta à componente
operacional e
conferir mais poder ao CEMGFA; e um, não explicitado, que se traduzia em,
cedendo a uma campanha organizada, sabe-se lá com que objetivos, retirar a
Autoridade Marítima à Marinha, deixando à conveniência o exercício da autoridade
de Portugal no seu Mar.
O futuro dirá com
mais certeza em que medida o novo quadro legal é adequado, exequível e
aceitável, mas o ponto de partida não é brilhante. Com efeito, muito antes da
implementação da reforma, a percentagem de orçamento afeta à componente pessoal
atingiu 85% em detrimento da componente Operação e Manutenção e de
Investimento, precisamente ao contrário do nela se preconizava. Verifica-se um
aumento irracional e desproporcionado dos poderes do CEMGFA em detrimento dos
do próprio Ministro, dos Chefes Militares e dos órgãos de conselho, sempre
grandes moderadores de iniciativas inadequadas em tempo de Paz e perigosíssimas
em situações de emergência ou conflito. O CEMGFA para além de funções
esdrúxulas no ensino e na saúde é onisciente e onipresente no plano estratégico,
no operacional e até no táctico. Quase que se cria um quarto ramo, colocando na
sua dependência perto de 2.000 homens permanentemente e 600 em funções de
Conselho!!! Pretende-se igualar o que é muito diferente, tornando idêntica a
estrutura da Marinha do Exército e da Força Aérea não atendendo à sua especificidade.
Arvora-se o CEMGFA em Comandante dos Ramos em vez de, como deveria ser, em
Comandante de Forças. Continua a duplicação com funções afins no Ministério no
EMGFA e nos Ramos.
Finalmente, tendo
sido minimizada pela força dos fatos e da razão, a tentativa de retirar a
Autoridade Marítima da Marinha complicou-se todo o quadro legal e operativo
conferindo-lhe a responsabilidade de «exercer a autoridade do Estado nas zonas
marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e no alto mar, garantindo o cumprimento
da lei no âmbito das respectivas competências», mas retirando da lei orgânica
os órgãos próprios do Sistema de Autoridade Marítima atinentes a essas funções.
Muito mais
haveria a dizer. Quase tudo negativo. Resta-me a consolação, e não só a mim, de
que o que veio a prevalecer é, sem dúvida, “melhor” do que o que constava nas
versões iniciais. Afinal, sempre é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique…
pior.
Fonte: JDRI
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