sexta-feira, 8 de março de 2013

Aleppo está lenta e constantemente sendo reduzida a escombros

 
 
Edifícios são destruídos por uma chuva de granadas que explodem. Estilhaços assassinos rasgam o ar. Na próxima esquina, padeiros trabalham enquanto as crianças vasculham os escombros na tentativa de encontrar cadáveres. Isso é Aleppo atualmente – uma cidade onde a morte faz parte do dia a dia.

Em Aleppo, cada passo é um problema. As ruas estão cheias de destroços e cacos de vidro provenientes dos edifícios destruídos e das janelas estilhaçadas. O som que se ouve durante um passeio por esta cidade devastada pela guerra síria distingue Aleppo de qualquer outra cidade do mundo.

Abu Jamal é um jovem combatente da Brigada Tempestade do Norte, uma unidade da resistência síria. Seus companheiros simplesmente o chamam de "sniper" (franco-atirador) porque ele passa seus dias rastejando sobre escombros e vidros quebrados, passando de um prédio para o outro em busca de uma posição de tiro.

Abu Jamal está posicionado em Bustan al-Basha, um bairro devastado pelas bombas e granadas. Quase nenhum civil mora nessa região hoje em dia. Alguns poucos combatentes convidam Jamal para tomar um chá com eles na frente de um prédio que costumava abrigar um banco. Eu também me sento em um banquinho na calçada. Abu Jamal me alerta: "Esse não é um bom lugar para sentar", diz ele, apontando para uma grande janela no primeiro andar. "A onda de choque das explosões pode estourar a vidraça da janela. Os pedaços de vidro que cairão dela podem matar você". Só para constar: quando passamos no mesmo local no dia seguinte, a janela está quebrada e o vidro dela está todo espalhado pela calçada e pela rua.

Há pedaços enferrujados de metal em todos os lugares. Esses estilhaços se originam de projéteis e bombas aéreas, cujo único propósito é matar. As explosões fazem com que esses detritos sejam arremessados zunindo pelo ar. Eles destroçam pessoas e abrem buracos enormes em seus crânios. Os estilhaços não fazem distinção entre combatentes e civis, homens e mulheres, velhos e crianças. Após o impacto com o solo, os pedaços, muitas vezes distorcidos em formatos bizarros, estão em brasa. Você pode queimar os dedos neles – as crianças de Aleppo já aprenderam a lição.

Retirando partes de corpos dos escombros
Se você quiser sobreviver nessa cidade que enlouqueceu, você precisa ficar atento aos escombros e metais voadores. Se uma bomba aérea explode em uma determinada região, as pessoas permanecem dentro de algum abrigo pelo menos 10 segundos após a explosão – esse é o tempo que leva para que os detritos lançados no ar a partir da cratera chovam de volta ao solo – muitas vezes, a partir de uma distância de centenas de metros e com força mortal.

Leva mais tempo para que a poeira cinzenta das explosões baixe. Ela se origina dos prédios que são pulverizados. As vítimas de ataques aéreos geralmente ficam cobertas com um pó fino da cabeça aos pés. Esse pó as deixa pálidas antes mesmo de a cor da vida se esvair de seus rostos.

Os bombardeios da artilharia e dos aviões são ocorrências diárias tão comuns hoje em Aleppo que as pessoas não deixam que eles as impeçam de seguir com suas vidas – desde que as explosões aconteçam longe o suficiente delas. Quando as bombas começam a cair por perto, não há caos e fúria direcionados ao presidente Bashar Assad e a sua força aérea nem aos rebeldes – cuja presença está fazendo com que Assad se vingue da população civil. Após os caças se afastarem, chamas de magnésio continuam queimando no céu, soltando uma fumaça branca. O magnésio destina-se a "distrair" os mísseis guiados pelo calor para que não atinjam os motores dos jatos.

Nas ruas, no entanto, homens e jovens começam a procurar mortos e feridos em um edifício que foi atingido e ficou parcialmente destruído. Parece que um terremoto atingiu o lugar. Os andares da construção estão pressionados e todos juntos, apertados como se fossem um acordeão. Os pisos de concreto são pesados demais para que as equipes de resgate consigam movê-los. Uma escavadeira é trazida para o local. Ela tenta romper os pedaços gigantes de detritos com um cabo de aço. Mas o cabo se parte.
Em outra região da cidade, um menino de 12 anos mais ou menos retira partes de um corpo dos escombros como se fosse a coisa mais normal do mundo. Ele envolve com cuidado os membros empoeirados e sangrentos em um cobertor de lã. "Você quer ver?", ele me pergunta. Eu recuso. De qualquer maneira, não há nada que permita identificar a pessoa morta.

Foco da Força Aérea está deixando de ser Aleppo
Quem consegue, se muda para o piso térreo ou para o porão de edifícios com pelo menos seis andares. Os ataques à bomba normalmente só destroem os quatro ou cinco andares superiores das construções. Qualquer piso abaixo desse nível oferece melhores chances de sobrevivência – a menos que o prédio seja atingido por um míssil balístico guiado, que recentemente Assad começou a disparar contra Aleppo. As ogivas desses mísseis – dependendo de seu tipo – têm entre 600 kg e 1.000 kg e são mais pesadas do que qualquer bomba lançada sobre Aleppo pela força aérea síria. Os projéteis, que têm 11 metros de comprimento, acabam com fileiras inteiras de casas, deixando apenas suas fundações e um rastro de poeira e morte.

Em contraste total com as cidades praticamente intocadas do oeste da Síria, que ainda são controladas pelo governo Assad, Aleppo está lenta e constantemente sendo reduzida a escombros. No entanto, nas últimas semanas, a intensidade dos bombardeios sobre a cidade tem realmente diminuído. A força aérea síria está se concentrando em várias bases militares sitiadas em todo o país. Helicópteros distribuem suprimentos, enquanto os pilotos dos caças miram as posições dos rebeldes ao atacar suas bases. A força aérea simplesmente não tem pessoal nem suprimentos suficientes para manter seus ataques a Aleppo.

Essa pode ser a razão pela qual muitos refugiados voltaram para a cidade. As ruas e os mercados estão cheios novamente, e a economia está se ajustando às novas circunstâncias. A guerra, aliada aos apagões cada vez mais frequentes, fez com que praticamente todas as fábricas fechassem as portas. Máquinas são frequentemente roubadas e vendidas em partes na Turquia. Uma fábrica de cigarros teve praticamente todos os seus equipamentos desmontados e levados embora. Os saqueadores só deixaram para trás toneladas de tabaco – talvez uma indicação de que eles pertenciam ao movimento salafista ultraconservador, que proíbe o fumo.

Apagões criam mercado para combustíveis contrabandeados
Abu Ahmed era dono de uma loja de roupas. A loja ainda está lá, localizada na esquina de uma rua, e ainda exibe algumas jaquetas de couro não comercializadas penduradas nas paredes. Mas o proprietário mudou de ramo e passou a vender produtos mais rentáveis: óleo para calefação, óleo diesel e gasolina. Os combustíveis de baixa qualidade chegam ao mercado negro de Aleppo a partir do Iraque.

O negócio é bom, já que os apagões têm feito o zumbido dos geradores movidos a gasolina onipresentes na cidade. "A demanda está alta", diz Abu Ahmed, "também por causa dos rebeldes e de suas caminhonetes. Agora eu consigo novamente cuidar muito bem da minha família. Ainda assim, as condições de vida são difíceis. Eu tenho que ficar de guarda dia e noite, e não temos energia elétrica em casa nem água corrente ou gás de cozinha ou aquecimento".

Em quase todos os cruzamentos, vendedores ambulantes engenhosos vendem geradores rotulados como "Made in Korea". Aparentemente também não há falta de carne e legumes, mesmo que muitas pessoas não possam pagar para ter esses alimentos na mesa. Mas os vendedores aprenderam que não podem trabalhar como antigamente, concentrando todos os seus negócios em uma única área de mercado. Mercados, padarias e hospitais, todos alvos favoritos da artilharia e dos ataques aéreos de Assad, agora são menos centralizados do que antes e ficam espalhados por toda a cidade. Mesmo no velho bazar de Aleppo, que atualmente é atravessado pela linha de frente e está parcialmente queimado e destruído, pequenas padarias escondidas estão produzindo fornadas de pão pita. Na periferia da cidade, um açougueiro abate animais para vender carne, deixando um pequeno rio de sangue escuro escorrer para a boca de lobo mais próxima, na rua.

Guerra urbana deixa sinais por toda a cidade
A todo lugar que se vá em Aleppo, montanhas de lixo estão se acumulando. Crianças as escalam e vasculham na tentativa de encontrar materiais recicláveis. Nos parques da cidade, os jovens serram as poucas árvores que restaram e as vendem como lenha para os moradores dispostos a pagar qualquer preço para se manterem aquecidos. Perto da linha de frente da batalha, mensagens manuscritas rabiscadas em placas alertam para os franco-atiradores do governo. Em algumas das áreas mais perigosas da cidade, como perto do Portão de Nasser, que leva para a parte antiga da cidade, os rebeldes estacionaram caminhões de lixo para servir como escudos contra balas.

Grandes lençóis pendurados acima das vielas mantêm as pessoas fora do campo de visão dos franco-atiradores. Ao longo da grande estrada que leva para fora da cidade, escavadores levantaram um monte de terra mais alto do que uma pessoa. Essa parede também serve como um escudo contra as balas, já que a base militar de Hanano fica a apenas cerca de 1,7 km de distância. "Ao contrário de nós, as tropas de Assad têm fuzis de grande calibre e conseguem disparar e nos acertar mesmo estando a dois quilômetros de distância", diz Abu Jamal, cujo trabalho como franco-atirador lhe deu alguma experiência no assunto. Vários veículos e civis foram alvejados enquanto tentavam atravessar a estrada, que têm várias pistas.

A ponte para pedestres que passa sobre a rodovia neste ponto foi fechada há muito tempo devido aos disparos feitos a partir da base militar. Só dá para ficar seguro atrás do monte. A apenas alguns metros para a esquerda ou para a direita dele, começa a zona da morte.
 
Fonte: UOL
Share this article :

0 comentários:

Postar um comentário

 

GBN Defense - A informação começa aqui Copyright © 2012 Template Designed by BTDesigner · Powered by Blogger