quinta-feira, 18 de maio de 2023

Aumento de bismuto na Polônia - prova da "Nova Chernobyl" ou do "Pastel de vento"?

Publicamos, ontem, um artigo falando sobre o "Pastel de vento" em relação às notícias do suposto aumento na radiação gama após o ataque contra o depósito de munições em Khmelnytskyi, em função de uma hipotética presença de munições com DU (urânio empobrecido) naquele lugar.

Em paralelo a tais notícias apocalípticas, surgiram outras, falando sobre o "spike" (aumento supostamente anormal) do nível de bismuto-214 em Lublin, conforme apontado pela Universidade Marie Skłodowska, Polônia.

Sites sensacionalistas, citando pesquisadores de tal Universidade - cujos nomes, convenientemente, não foram citados - diziam que este aumento era a "prova incontestável" da presença de DU em Khmelnytskyi.

Sou químico e trabalho há mais de 20 anos em pesquisas científicas, então estou bastante familiarizado com o método científico de pesquisa e divulgação de resultados.

Vamos aplicar alguns conceitos científicos na análise desta "prova incontestável", lembrando que a ciência é a arte da contestação - nenhuma verdade é considerada absoluta, e todas elas podem e devem ser questionadas.

BISMUTO-214

Conforme explicado no artigo "Pastel de vento", o urânio-238 é um elemento pouco radioativo e presente na natureza.

Conforme explicado neste artigo, o urânio-238 apresenta uma série de decaimentos, conhecida como a série radioativa do urânio, que consiste nos diversos átomos-filho que surgirão a partir do seu decaimento.


Observe-se que o átomo-filho bismuto-214 está presente nesta série, perto do final. Observe-se também, três posições acima, o radônio-222, outro átomo-filho da série radioativa do urânio.

Pois bem, a Universidade Marie Skłodowska detectou um aumento na concentração de bismuto-214 poucos dias depois do ataque a Khmelnytskyi. Mas isto não significa, necessariamente, que o radioisótopo em questão veio do suposto DU presente naquele evento.

Mas, então, de onde ele veio?

HIPÓTESE CIENTÍFICA

Segundo este site, "Uma hipótese científica é uma explicação provisória e testável para um fenômeno no mundo natural".

Ou seja, qualquer explicação provisória deve ser testada, conforme o método científico, para que seja comprovada ou refutada.

Vamos então submeter a explicação provisória "o aumento da concentração de bismuto-214 pode ser associado ao ataque a Khmelnytskyi" a alguns dos testes utilizados no método científico.

O primeiro teste é questionar a origem do bismuto-214. Ele de fato pode ser gerado a partir de munições de DU. Entretanto, como o urânio-238 também está presente na natureza, fontes naturais tanto do urânio-238 como de seus átomos-filho devem ser analisados e descartados como uma explicação razoável para o spike de bismuto-214.

O segundo teste a ser feito, até mesmo como parte do teste de eliminar possíveis fontes naturais, é o da tendência histórica.

As concentrações de bismuto-214 são acompanhadas diariamente pela Universidade Marie Skłodowska, e a série histórica destas medições está disponível no site da universidade. Eis aqui um "print" (captura de tela) da série histórica de 2023.


O bismuto-214 está em vermelho.

Os dois spikes mais à direita, dias 15 e 17 de maio, ocorrem logo após o ataque a Khmelnytskyi; o segundo spike é menos intenso que o primeiro. Entretanto, observe-se que há diversos spikes, alguns até mais pronunciados, em datas anteriores, por exemplo próximos a 25/02.

Ora, não houve nenhum ataque semelhante nesta época, então é altamente provável que algum outro evento tenha sido a causa deste aumento, que como se pode observar pelo gráfico não é exatamente incomum. Além disso, houve apenas o ataque no dia 15, então por quê houve dois spikes d concentração de bismuto-214, com o segundo sendo menos intenso que o primeiro?

O que pode ter acontecido?

Este link da Universidade, publicado já no dia 15, traz as explicações:

"O aumento da intensidade da radiação observado em 15 de maio de 2023 é um fenômeno natural causado pelas chuvas. O isótopo Bi-214 (formado como resultado do decaimento do gás radônio que sobe do solo) é interceptado por gotículas de água que caem, resultando em um aumento na intensidade da radiação perto da superfície do solo registrada pelo MR. Esse fenômeno sempre acompanhou a humanidade, e o aumento da intensidade da radiação resultante não é significativo para a saúde.

Aumento da intensidade da radiação - explicação

Por que os níveis de radioatividade variam muito? Qual é a fonte do bismuto radioativo?

Grandes flutuações no nível de radioatividade são causadas principalmente por mudanças no conteúdo de um dos componentes naturais - Bi-214. Este núcleo vem do decaimento do U-238. O urânio é um componente natural do solo e da ganga, que é um contaminante do carvão queimado em grandes quantidades. O isótopo Bi-214 é encontrado no ar na forma de aerossóis e poeira. Sua concentração depende de muitos fatores, incluindo: localização de suas fontes locais, direção do vento, precipitação. Na fase inicial da precipitação, os aerossóis e a poeira são levados pelas gotas de chuva e depositados na tampa do detector. Então o número de contagens aumenta. Na fase seguinte, após a lavagem das impurezas, o número de contagens diminui. As mudanças na radioatividade do Bi-214 estão correlacionadas com as condições climáticas locais.

Devido às chuvas previstas, esperamos outro aumento no dia 17 de maio. Provavelmente será menor, porque o ar clareou ontem, mas depende de muitos fatores, por exemplo, saturação de água no solo, direção do vento, etc." (grifos nossos)

Ou seja, a presença natural, mais os efeitos causados pela chuva, explicam não só o primeiro spike, mas também o segundo, de menor intensidade.

CONCLUSÃO

Como de costume, o sensacionalismo é muito frequente em discussões relacionadas a diversos assuntos, especialmente em guerras.

Em relação ao aumento supostamente anormal de bismuto-214 na Polônia, há uma explicação perfeitamente plausível de que se trata de um fenômeno natural, portanto é prematuro afirmar que o fenômeno seja "prova incontestável" da suposta presença de munições de DU em Khmelnytskyi.


*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)

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