quinta-feira, 19 de junho de 2025

Atlântico Sul: O Alerta Ignorado e a Urgência de um Protagonismo Naval Brasileiro

Por muito tempo, o Atlântico Sul foi tratado pelo Brasil como um espaço de paz permanente, distante de conflitos e fora do radar das grandes disputas geopolíticas mundiais. Essa percepção, confortável e politicamente conveniente, hoje já não se sustenta diante da realidade. Uma análise recente e incisiva de Michael D. Purzycki, analista militar norte-americano com passagens pela Marinha, pelo USMC e pelo Exército dos EUA, escancara o que muitos estrategistas brasileiros ainda relutam em admitir: o Atlântico Sul tornou-se um espaço de disputa estratégica real, com múltiplos atores internacionais operando, investindo e se preparando para eventuais cenários de crise.

O alerta de Purzycki, embora escrito com um olhar centrado nos interesses dos Estados Unidos e seus aliados, funciona como um diagnóstico quase cirúrgico de uma realidade da qual o Brasil não pode mais fugir. O analista destaca, de forma objetiva e sem rodeios, que Washington já enxerga o Atlântico Sul como um eixo geopolítico que exige atenção, presença militar e políticas de dissuasão. E, ao expor as fragilidades britânicas, os movimentos chineses e russos e a instabilidade política na região, Purzycki implicitamente lança uma pergunta ao Brasil: onde vocês estão nesse tabuleiro?

Essa é a pergunta que nós, como nação, não podemos mais adiar.

O Atlântico Sul hoje, já não é uma zona de silêncio estratégico. A presença crescente de potências extrarregionais é um reflexo direto da sua importância para o fluxo global de comércio, energia e dados. Mais de 95% do comércio exterior brasileiro passa por essas águas. É também por ali que correm cabos submarinos que conectam o Brasil ao restante do mundo. E, não menos relevante, é onde se concentram reservas energéticas fundamentais para a segurança econômica nacional, incluindo o pré-sal.

A análise de Purzycki usa como exemplo emblemático a Guerra das Malvinas de 1982. Embora o conflito já tenha mais de quatro décadas, suas lições permanecem atuais. A capacidade britânica de projetar força a mais de 12 mil quilômetros de casa, a rapidez da resposta, a importância da logística naval e o custo político de decisões de defesa mal planejadas são pontos que continuam ecoando no cenário contemporâneo. Purzycki lembra, com razão, que o atual estado da Royal Navy é muito menos robusto do que era naquela época, o que reforça a imprevisibilidade de um eventual novo conflito na região.

O que torna o alerta de Purzycki ainda mais pertinente ao Brasil é justamente o contraste entre a atenção que os Estados Unidos começam a dar ao Atlântico Sul e a paralisia estratégica brasileira. Enquanto Washington avalia reforçar sua presença naval nas Malvinas como uma forma de garantir liberdade de ação em cenários de crise, o Brasil parece se contentar com declarações diplomáticas esparsas e um poder naval insuficiente para cobrir minimamente sua própria Zona Econômica Exclusiva.

A situação da Marinha do Brasil é, para dizer o mínimo, preocupante. O Programa das Fragatas Classe Tamandaré avança, mas a passos lentos. As primeiras unidades só estarão plenamente operacionais dentro de quatro, ou cinco anos, e inicialmente o insuficiente número de quatro navios. As fragatas e corvetas atuais, majoritariamente da década de 1980, enfrentam desgaste e obsolescência. O NAM Atlântico, adquirido em 2018, é uma conquista importante, mas sua capacidade real está limitada pela falta de escoltas modernas, por deficiências na aviação naval embarcada e pela ausência de uma força anfíbia compatível.

No campo submarino, o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) é um divisor de águas para a indústria de defesa nacional, mas os atrasos na entrega do submarino de propulsão nuclear, são motivo de preocupação. Sem uma força submarina numericamente relevante e tecnologicamente atualizada, a capacidade de dissuasão brasileira no Atlântico Sul permanece abaixo do aceitável para um país com as nossas dimensões e responsabilidades.

O problema, entretanto, não é apenas material. O Brasil carece de uma cultura estratégica madura quando o assunto é defesa marítima. Há um descompasso entre a importância econômica da nossa Amazônia Azul e o nível de prioridade que o tema recebe nas esferas políticas e orçamentárias. O país mantém, há décadas, um gasto com defesa na casa de 1,2% do PIB, muito abaixo do que investem países com aspirações semelhantes de liderança regional, isso sem contar os sucessivos cortes, contingenciamentos e a imprevisibilidade orçamentária.

Enquanto isso, a China avança. Pequim entende o valor estratégico do Atlântico Sul. Investe em portos, financia infraestrutura, estreita laços políticos e econômicos com Argentina, Brasil e diversos países da costa ocidental africana. A recusa argentina em permitir a atracação de um navio da Guarda Costeira americana em 2021 é apenas a face visível de uma política externa chinesa que se move de forma gradual, mas extremamente calculada.

A Rússia, por sua vez, tem buscado estreitar relações com a África do Sul. Os exercícios navais conjuntos entre Rússia, China e África do Sul, são um recado claro: Moscou deseja manter um pé na região, mesmo que de forma simbólica por enquanto. Essa triangulação geopolítica reforça a tese de Purzycki de que o Atlântico Sul não é mais um flanco secundário.

Do ponto de vista norte-americano, manter aliados como Brasil e Argentina próximos, por meio de vendas de equipamentos militares e acordos de cooperação, é uma maneira de garantir influência e capacidade de intervenção. Purzycki sugere, inclusive, uma política de “balanceamento de influência”, com os EUA fornecendo aeronaves de vigilância tanto para Buenos Aires quanto para Brasília. A recente venda de aeronaves P-3 da Noruega para a Argentina e o interesse brasileiro no P-8 Poseidon vão nessa direção.

Mas o alerta vai além. O analista norte-americano propõe até mesmo que os Estados Unidos considerem estabelecer uma presença naval permanente nas Malvinas, com destroyers de mísseis guiados. Isso não apenas serviria como um dissuasor a possíveis aventuras argentinas, mas também reforçaria a capacidade de resposta americana a crises em outros pontos do planeta. Para o Brasil, essa possibilidade deveria soar como um alarme.

Estamos diante de um movimento claro de aumento de presença militar extrarregional no Atlântico Sul. E o Brasil, ao não ampliar rapidamente sua capacidade de defesa, se coloca numa posição delicada: ou se tornará um espectador irrelevante das decisões que moldarão a segurança marítima da região, ou corre o risco de ser arrastado, como mero peão, por interesses de potências externas.

Minha opinião é que o Brasil precisa reagir. E essa reação não pode se limitar a discursos em foros internacionais ou a participações diplomáticas protocolares. É necessário um plano de ação concreto e de longo prazo, que inclua aumento consistente do orçamento de defesa, aceleração de programas estratégicos da Marinha, fortalecimento da indústria nacional de defesa, revitalização da aviação de patrulha marítima, incremento da força de submarinos e, principalmente, uma mudança cultural na forma como o país enxerga sua segurança marítima e a importância do investimento em defesa.

Não se trata de adotar uma política belicista ou expansionista. Trata-se de garantir que o Brasil tenha os meios para proteger suas riquezas, seus interesses e sua soberania. Trata-se de assegurar que, em qualquer futuro arranjo de segurança no Atlântico Sul, o Brasil seja ouvido, e respeitado, não apenas por sua diplomacia, mas pela credibilidade do seu poder naval.

Os próximos anos serão decisivos. A janela de oportunidade para o Brasil reforçar sua capacidade de projeção de poder está se fechando rapidamente. As escolhas feitas agora determinarão se o país será um ator relevante nas decisões de segurança marítima ou apenas mais uma peça periférica no jogo das grandes potências.

O alerta de Michael D. Purzycki é claro. Resta saber se teremos a sabedoria e a coragem de ouvi-lo, e mais importante, de agir.


Por Angelo Nicolaci


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