terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Dom Pedro II, 200 anos: PARTE III – O IMPÉRIO COMO PROJETO DE ESTADO: EDUCAÇÃO, CIÊNCIA, DEFESA E SOBERANIA

Mais do que um monarca culto, Dom Pedro II foi o grande arquiteto de uma ideia de Estado. Seu governo não se limitou à administração do presente: ele operava com uma rara consciência do futuro. Em um século marcado por transições violentas entre absolutismos decadentes e repúblicas instáveis, o Brasil consolidava, sob sua liderança, uma notável continuidade institucional, jurídica, territorial e estratégica.

Foi esse senso de permanência e visão de longo prazo que diferenciou profundamente o Brasil imperial das demais nações da América Latina. Enquanto antigas colônias espanholas mergulhavam em ciclos quase permanentes de guerras civis, caudilhismo, fragmentação territorial e rupturas institucionais, o Brasil manteve-se uno, estável, funcional e progressivamente mais estruturado.

México, Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru e Venezuela atravessaram sucessivas guerras internas, golpes de Estado, mudanças bruscas de regime e crises de legitimidade. O Brasil, ao contrário, preservou sua unidade física e política ao longo de quase meio século de Segundo Reinado. Isso não foi consequência do acaso ou de simples sorte histórica: foi o resultado direto de uma construção institucional cuidadosamente sustentada em quatro pilares fundamentais: ordem constitucional, profissionalização do Estado, educação como instrumento de poder e soberania territorial inegociável.

A Constituição de 1824, preservada durante todo o Segundo Reinado, foi uma das mais duradouras do século XIX. Diferentemente da instabilidade normativa que caracterizaria o período republicano, Dom Pedro II governou dentro dos limites constitucionais, respeitou o Parlamento e compreendeu o Poder Moderador como mecanismo de equilíbrio entre forças políticas — não como instrumento de tirania. Esse arranjo, frequentemente mal interpretado ao longo do tempo, garantiu estabilidade institucional, evitou rupturas e impediu que o país oscilasse entre autoritarismo e anarquia.

Paralelamente, o Estado imperial se profissionalizava. Foram criadas, fortalecidas e consolidadas instituições técnicas, científicas e culturais que projetaram o Brasil como referência regional: o Observatório Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Escola Politécnica, a Academia Imperial de Belas Artes, além do fortalecimento do ensino técnico-militar e das escolas de engenharia e medicina. Dom Pedro II compreendia algo que apenas no século XX se tornaria consenso entre as grandes potências: conhecimento não é luxo, é poder estratégico.

Ele financiava pesquisadores, mantinha contato direto com cientistas do mais alto nível, como Louis Pasteur, Charles Darwin, Victor Hugo, Graham Bell e outros grandes nomes do pensamento universal. Mais do que um mecenas, era um participante ativo do debate intelectual, acompanhava descobertas, estimulava pesquisas e ajudava a inserir o Brasil em uma rede internacional de ciência e inovação.

Sob seu comando, o Brasil foi uma das primeiras nações a adotar e expandir o telégrafo, a fotografia, a navegação a vapor em larga escala, a malha ferroviária e os primeiros experimentos com eletricidade. Essas iniciativas não eram decisões meramente técnicas ou administrativas: eram escolhas claramente geopolíticas. Dom Pedro II compreendia que quem domina a tecnologia, domina o próprio destino.

No campo militar, essa mentalidade se materializou em um dos processos mais consistentes de fortalecimento do poder nacional já vistos na história brasileira. A Marinha Imperial tornou-se a mais poderosa do hemisfério sul e uma das mais relevantes do mundo naquele contexto, especialmente em capacidade fluvial, logística e de projeção regional. O Arsenal de Marinha, os estaleiros, as fundições e estruturas de manutenção tornaram o Brasil progressivamente menos dependente do exterior.

Durante a Guerra do Paraguai, o Império demonstrou não apenas força militar, mas capacidade logística, industrial, organizacional e estratégica em uma escala incompatível com a condição de “país periférico” que tantas vezes tentaram atribuir-lhe. O conflito, apesar de trágico, revelou ao mundo a existência de uma potência regional sólida, coordenada e funcional.

Mais importante ainda: sob o Império, as Forças Armadas estavam subordinadas ao Estado, e não à política partidária ou a interesses individuais. A hierarquia, a disciplina e a noção de serviço à Nação eram princípios estruturantes. Esse vínculo institucional – e não ideológico – foi fundamental para a estabilidade do país e para a preservação de sua soberania. Foi exatamente esse equilíbrio que começou a ruir após a Proclamação da República.

Com a queda do Império em 1889, o Brasil não perdeu apenas seu imperador. Perdeu seu projeto de longo prazo.

A República nasceu de um golpe militar sem participação popular efetiva, rompeu a continuidade institucional e inaugurou um ciclo de improviso político, disputas personalistas, instabilidade jurídica e rupturas sucessivas da ordem constitucional. Em poucas décadas, o país conheceria revoltas, insurreições, estados de sítio, intervenções militares, ditaduras e uma crônica incapacidade de planejar o futuro de forma contínua.

O que antes era política de Estado transformou-se em política de governo: curta, volátil, condicionada a ciclos eleitorais e interesses imediatos. A máquina pública, que no Império buscava a meritocracia técnica e a estabilidade funcional, passou a ser dominada pelo clientelismo, pelo fisiologismo e pela lógica da troca de favores. Projetos estruturantes foram interrompidos, a indústria nacional perdeu impulso estratégico e a noção de soberania de longo prazo foi progressivamente diluída ao longo do século XX.

Ao analisar esse processo com frieza histórica, a conclusão é inevitável: o Brasil não perdeu o rumo por falta de território, recursos naturais ou população. Perdeu o rumo porque rompeu, de forma abrupta, com a própria linha de continuidade histórica e desarticulou o modelo de Estado concebido e construído durante o reinado de Dom Pedro II.

O imperador pensava em décadas. A República passou a pensar em mandatos.

Dom Pedro II governava com visão de civilização. Muitos de seus sucessores governaram sob pressões eleitorais, interesses conjunturais, influências externas e crises constantes.

É exatamente nesse contraste que sua figura cresce, em pleno século XXI, como referência estratégica. Em um mundo marcado pela multipolaridade, por disputas tecnológicas, guerra híbrida, soberania digital e corrida por recursos, a mentalidade de Estado de Dom Pedro II não soa como passado, mas como horizonte.

O Brasil que ele imaginou era educado, soberano, tecnológico, respeitado e capaz de influenciar o cenário global sem submissão e sem isolamento. Um país sustentado não apenas por riquezas naturais, mas por conhecimento, planejamento, indústria, ciência e visão estratégica.

Essa ideia de Brasil não morreu com ele. Apenas foi interrompida.

E talvez esteja, ainda hoje, à nossa frente.

Na próxima e última parte desta série, analisaremos a pergunta que inevitavelmente surge diante desses fatos:

E se o projeto de D. Pedro II não tivesse sido interrompido? Onde o Brasil estaria hoje econômica, tecnológica, militar e geopoliticamente?


por Angelo Nicolaci


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