Há 90 anos, em 13 de novembro de 1935, nascia José Alberto Albano do Amarante, militar, físico e engenheiro que se tornaria um dos maiores nomes da pesquisa nuclear no Brasil. Sua obra, marcada por ousadia científica e capacidade de articulação política, foi determinante para que o país avançasse no domínio do ciclo do combustível nuclear, um tema sensível em plena Guerra Fria, quando ciência e geopolítica se entrelaçavam de maneira explosiva.
A morte repentina do oficial, em 1981, aos 45 anos, permanece envolta em questionamentos. Mas antes de se transformar em um dos episódios mais misteriosos da história nuclear brasileira, Amarante deixou um legado decisivo.
As primeiras bases do programa nuclear brasileiro
A trajetória do programa nuclear do Brasil começa ainda nos anos 1950, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). Sob liderança do almirante Álvaro Alberto, o país buscava autonomia tecnológica em um cenário global marcado pela competição entre superpotências.
Em 1953, Brasil e Alemanha firmaram um acordo secreto para a aquisição de três ultracentrífugas destinadas ao enriquecimento de urânio. O processo acabou travado por pressões externas, especialmente dos Estados Unidos, que viam com cautela qualquer iniciativa nuclear fora de seu eixo de influência.
A criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) impulsionou o processo, culminando na construção da usina de Angra 1 em 1972. Em 1975, um ambicioso acordo Brasil-Alemanha previa oito reatores nucleares e transferência tecnológica, uma parceria que gerou tensões geopolíticas. Washington atuou para limitar a colaboração, temendo que países em desenvolvimento adquirissem capacidade dual, isto é, com possíveis aplicações civis e militares.
A recusa brasileira em assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1968, reforçou suspeitas externas.
O surgimento do Programa Nuclear Paralelo
Diante de obstáculos diplomáticos, o governo brasileiro decidiu seguir por um caminho autônomo: o Programa Nuclear Paralelo (PNP), conduzido de forma reservada pelos três ramos das Forças Armadas, pela CNEN e pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN).
Cada Força desenvolvia uma rota tecnológica própria:
* Marinha — Projeto Ciclone: enriquecimento por ultracentrifugação, base do futuro programa de propulsão nuclear naval.
* Exército — Projeto Atlântico: foco em plutônio e reatores de grafite.
* Aeronáutica — Projeto Solimões: desenvolvimento do enriquecimento de urânio por laser.
Era um projeto ambicioso, que buscava tanto a segurança energética quanto o domínio pleno das etapas do ciclo do combustível nuclear.
Foi nesse contexto que emergiu a figura singular de José Alberto Amarante.
O cientista que ousou ir além
Natural de Campo Grande (MS), Amarante ingressou muito jovem na Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Em 1966, formou-se em Engenharia Eletrônica pelo ITA com destaque acadêmico, e, anos depois, concluiu mestrado no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e doutorado em Física pela Unicamp.
Já no Instituto de Atividades Espaciais (IAE), atual Instituto de Aeronáutica e Espaço, liderou um grupo que iniciaria pesquisas pioneiras de separação isotópica a laser, uma tecnologia de fronteira mundial, dominada por poucos países.
A proposta era revolucionária: criar um método nacional, eficiente e de custo inferior às técnicas importadas. O projeto tinha potencial para garantir ao Brasil total autonomia no enriquecimento de urânio, algo que países industrializados tentavam evitar por receio de proliferação nuclear.
O trabalho de Amarante ganhou projeção internacional. Seu grupo desenvolveu lasers de vapor de cobre com aplicações médicas e industriais, e sua liderança ajudou a criar o Instituto de Estudos Avançados (IEAv), hoje uma das principais instituições de pesquisa do país.
Além da produção científica, Amarante era considerado um hábil articulador. Ele ajudou a formular termos técnicos do acordo nuclear com a Alemanha em 1975 e consolidou redes de apoio dentro e fora das Forças Armadas.
Geopolítica, parcerias e pressões externas
Nos bastidores da Guerra Fria, o avanço do programa nuclear brasileiro atraía olhares atentos. O Brasil havia estabelecido uma cooperação com o Iraque para intercâmbio tecnológico e fornecimento de “yellow cake”, recebendo petróleo e recursos em contrapartida.
Essa cooperação gerava inquietação em diversos países. No Oriente Médio, programas nucleares civis eram acompanhados de perto por potências regionais e pelos Estados Unidos. Em 1981, por exemplo, Israel decidiu neutralizar preventivamente o reator Osirak, no Iraque, numa operação que repercutiu globalmente.
Nesse ambiente tenso, era natural que cientistas e programas sensíveis se tornassem alvo de monitoramento internacional, algo comum na disputa tecnológica da época.
Amarante, segundo relatos de colegas, dizia desconfiar que estava sendo seguido durante viagens ao Rio e a São Paulo. Porém, não há confirmação oficial de qualquer operação estrangeira direcionada a ele.
A morte repentina
Em setembro de 1981, Amarante foi internado às pressas com um quadro de mal-estar súbito. Os exames apontaram uma leucemia aguda extremamente agressiva. Em apenas dez dias, o oficial não resistiu.
A rapidez da doença chocou familiares e médicos. A Aeronáutica abriu apurações internas e buscou esclarecer as circunstâncias, mas nunca houve conclusão definitiva.
Na época, surgiram especulações sobre possível contaminação química ou radioativa, levantadas principalmente por familiares e colegas. No entanto, nenhuma investigação oficial apontou responsáveis, e o caso permanece sem conclusão.
O personagem enigmático: Samuel Giliad
Durante as apurações conduzidas pela Aeronáutica e posteriormente relatadas pela imprensa, principalmente em reportagem da Folha de S. Paulo, surgiu o nome de um cidadão israelense de origem polonesa, identificado como Samuel Giliad (ou Guesten Zang), que vivia em São José dos Campos desde 1979 e atuava como diretor do Hotel Eldorado.
Segundo relatos da época, Samuel demonstrava interesse por assuntos militares, mantinha contato recorrente com oficiais, promovia eventos no hotel e circulava em ambientes frequentados por pesquisadores do CTA.
Alguns investigadores o consideraram uma pessoa de interesse, especialmente por coincidências de agenda e comportamento. Contudo, nunca houve comprovação oficial de participação em atividades de inteligência ou de qualquer envolvimento com a morte de Amarante. A presença dele permanece como uma peça enigmática na narrativa, mais associada às percepções e suspeitas do período do que a fatos conclusivos.
Pouco após a morte do cientista, Samuel deixou a cidade. A imprensa internacional, por sua vez, publicou matérias sobre o programa nuclear paralelo brasileiro, mas sem estabelecer vínculos diretos com indivíduos ou países.
Um legado científico e um enigma histórico
Quase meio século depois, José Alberto Amarante segue como figura central na história da ciência brasileira. Seu trabalho abriu caminho para pesquisas em lasers, contribuiu para a soberania tecnológica do país e teve impacto duradouro na capacitação do IEAv e na autonomia buscada pelo setor de defesa.
Sua morte permanece envolta em versões divergentes, reflexo de um período em que ciência, política e espionagem se cruzavam de forma intensa. O que é certo, e historicamente comprovado, é seu papel fundamental no avanço científico do Brasil e seu protagonismo em uma das fases mais estratégicas do programa nuclear nacional.
O enigma em torno de sua trajetória não diminui o tamanho da sua contribuição. Pelo contrário: reforça a importância de compreender como a busca por autonomia tecnológica pode esbarrar em interesses globais, pressões externas e disputas silenciosas que moldaram o século XX.
GBN Defense - A informação começa aqui


.jpg)


0 comentários:
Postar um comentário