O céu sobre as montanhas italianas estava cortado pelo rugido ensurdecedor de dois P-47 Thunderbolt da Força Aérea Brasileira em 27 de janeiro de 1945. Entre nuvens e picos gelados, avançavam com precisão e coragem. No comando, o Tenente Luiz Lopes Dornelles, líder da esquadrilha. Em sua Ala, voando em formação, o jovem Aspirante Aviador da Reserva Convocado / BO-71 Raimundo da Costa Canário, com apenas 18 anos, demonstrava já coragem e habilidade de veterano.
Eles estavam em uma missão de caça livre, quando contornando um penhasco, Dornelles avistou a ameaça: uma coluna inimiga avançava pela estrada abaixo. Entre caminhões e veículos, duas silhuetas imponentes eram inconfundíveis: os temidos carros de combate Tiger alemães. Dornelles comunicou pelo rádio: “Canário, você avistou os Tigers alemães?”
Sem hesitar, Canário manobrou o P-47, alinhando a coluna inimiga na mira. Dornelles alertou: “Canário, cuidado com o fogo antiaéreo!”
Mas a adrenalina do combate tomou conta do jovem piloto. Ele acelerou o Thunderbolt, mergulhando sobre a coluna inimiga. O rugido ensurdecedor dos motores dominava o vale, enquanto centenas de projéteis ricocheteavam na fuselagem, batendo como cascalho metálico.
Com calma e precisão, Canário acionou os foguetes do P-47, seguido pelas oito metralhadoras .50, varrendo a coluna inimiga. Caminhões e veículos explodiam em chamas, enquanto o terror se espalhava pelo vale. Voando baixo, ele liberou duas bombas de 500 libras, atingindo diretamente os Tigers. Subindo rapidamente, desviou dos disparos que zuniam perigosamente próximos à fuselagem, mantendo controle absoluto.
Rastros verdes cortaram o céu, um canhão antiaéreo de 20 mm alemão abriu fogo furioso, disparando rajadas letais. Canário manobrou junto a um penhasco, desviando à milímetros da morte, enquanto Dornelles, firme, gritou pelo rádio:“Eu te cubro, garoto!”
O líder mergulhou e destruiu a posição inimiga com rajadas de metralhadora e liberando duas bombas de 500 libras, silenciando o canhão e permitindo que Canário retomasse sua posição.
Sobrevoando os destroços fumegantes, Canário e Dornelles avistaram outro Tiger em fuga. Dornelles se posicionou e disparou seus foguetes, que imobilizaram o gigante, e Canário completou o ataque final com sua última rajada de foguetes, destruindo o Tiger e espalhando fumaça e fogo sobre o vale.
Após a destruição da coluna e dos três Tigers, os brasileiros avistaram um veículo semi-lagarta blindado, tentando escapar. Dornelles se lançou ao ataque primeiro, cortando árvores e abrindo caminho com disparo de suas metralhadoras .50, porém, o semi-lagarta conseguiu escapar com sorte. Mas Canário estava com o veículo alemão em sua mira e seguiu firme voando baixo e alinhado com seu alvo, pressionando o gatilho fez com que as quatro metralhadoras .50 em cada asa disparassem ferozmente, rasgando a blindagem do inimigo. Um disparo atingiu a munição interna, provocando uma explosão colossal, encerrando a perseguição.
Mas o preço da vitória surgiu imediatamente. Ao mergulhar baixo, Canário colidiu com a chaminé de uma fábrica, arrancando um terço da asa direita. O P-47 girou, a fuselagem rangendo, instrumentos oscilando. Instintivamente, Canário puxou o manche e ajustou o leme, recuperando o controle da aeronave enquanto o motor ainda rugia saudável. O rádio estava danificado: ele podia ouvir Dornelles, mas não podia ser ouvido.

Mas ainda havia outro desafio, no retorno à base, duas aeronaves surgiram rapidamente à frente, mergulhando sobre os Thunderbolts brasileiros. Dornelles, acreditando que eram inimigos, orientou Canário a manter o curso e manobrou para atacar. Canário, sem poder avisar, apenas se manteve no curso. Antes que pudesse disparar contra as aeronaves, Dornelles percebeu que eram aliados, tratavam-se de dois Spitfires britânicos e interrompeu imediatamente a investida, realizando uma manobra evasiva para sinalizar sua identidade. Mas os britânicos não perceberam e ainda dispararam, atingindo principalmente a cauda do P-47 de Canário, que girou com os impactos. Com precisão e sangue frio, ele ajustou manche e leme, mantendo o Thunderbolt estável. Só depois os Spitfires perceberam o erro, passaram próximos balançando as asas em pedido de desculpas e se afastaram.

Finalmente, Canário avistou a base e iniciou o pouso. Mas antes de tocar o solo, a torre o colocou em padrão de espera, informando que estavam recebendo outro pouso de emergência. Mesmo com uma asa parcialmente destruída e rádio inoperante, calculou cada ajuste com precisão, mantendo sangue frio, permaneceu em espera até que liberaram o pouso. Canário com maestria conseguiu tocar a pista com segurança, encerrando a missão heroica.
A trajetória de Canário não foi isenta de perigos. Durante sua 14ª missão, em 15 de fevereiro de 1945, foi abatido por fogo antiaéreo, caindo de pára-quedas na “terra de ninguém”, no front da FEB. Resgatado por uma patrulha de pracinhas do 11º RI, foi resgatado no mesmo dia para a Base de Pisa. Já na manhã seguinte, cedo, estava de volta ao cockpit, pronto para cumprir nova missão.
Raimundo da Costa Canário, piloto de combate da Esquadrilha Amarela, completou 50 missões de guerra. Sua primeira missão foi em 20 de janeiro de 1945, e sua última em 1º de maio de 1945.
É emocionante poder contar a história de nossos verdadeiros heróis, sentir a coragem e o heroísmo que cruzaram os céus da Itália em nome do Brasil. Mas é doloroso perceber como essas histórias são relegadas ao esquecimento em nosso próprio país. Enquanto outras nações transformam feitos de bravura em filmes épicos, celebrando o orgulho e a memória de seus heróis, aqui, nossa própria história é ignorada: nossos pracinhas, nossos pilotos, nossos combatentes, símbolos de coragem, honra e sacrifício, permanecem à margem da cultura, da mídia e até da própria história ensinada em nossas escolas.
É um desrespeito histórico que silencia gerações que poderiam se inspirar, e é um chamado urgente para que o Brasil aprenda a valorizar seus verdadeiros heróis e seus valores, para que a memória daqueles que deram tudo pelo país seja preservada, contada e celebrada como merece. Que histórias como a de Raimundo da Costa Canário, Luiz Lopes Dornelles e todos que integraram a FEB e a nossa Força Aérea durante a luta contra o nazifacismo, não sejam apenas páginas de arquivo, mas exemplos vivos de coragem, resiliência e amor à pátria.
"A Cobra Fumou e continua fumando" essa é a força e o espírito indomável de nossos heróis da FEB, que enfrentaram o perigo com bravura e nunca recuaram. E assim, em homenagem a todos esses bravos pilotos e pracinhas, deixamos registrado o lema que os guiava nos céus e nas missões de combate:
"A Cobra vai Fumar"
“Senta Púa!”
por Angelo Nicolaci
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