sábado, 15 de novembro de 2025

República: conquista legítima ou golpe? Uma reflexão 136 anos depois

Há 136 anos, em 15 de novembro de 1889, a República foi proclamada no Brasil. Mais de um século depois, permanece uma pergunta incômoda e necessária: a República foi realmente uma conquista popular ou um golpe articulado por uma elite insatisfeita?

O distanciamento histórico muitas vezes não ajuda o brasileiro. Pelo contrário, a memória coletiva já frágil, acaba sendo moldada por versões simplificadas ensinadas nas escolas, que pouco exploram as nuances políticas e sociais que antecederam o fim do Império. A maioria dos brasileiros desconhece o contexto real que levou o Marechal Deodoro da Fonseca a proclamar a República, ato que não refletia um clamor popular, mas interesses específicos de grupos influentes que se opunham ao rumo reformista do Imperador Dom Pedro II, um estadista com visão social, política e geopolítica muito à frente de seu tempo.

A década decisiva e os interesses contrariados

Entre os diversos fatores que alimentaram a insatisfação, dois se destacam. O primeiro foi o fim da escravidão. A abolição, assinada em 1888 pela Princesa Isabel, foi um marco civilizatório, mas desagradou profundamente os setores escravistas, que perderam uma fonte de riqueza construída sobre a exploração humana. O segundo elemento, menos lembrado, foi a iminência de uma reforma agrária discutida no entorno do Imperador, que confrontava diretamente os latifundiários.

Essas tensões, somadas ao desgaste de interesses econômicos e políticos regionais, criaram o caldo que alimentou a conspiração republicana. Contudo, apesar dos esforços dos republicanos, suas ideias não tinham apelo popular. Prova disso é que, nas eleições de 1884, apenas três republicanos foram eleitos para a Câmara dos Deputados, um retrato claro do isolamento da causa republicana diante de um povo que, em geral, nutria apreço pelo Império e pelo monarca.

Um golpe articulado e executado sem o povo

Sem apoio das urnas ou das ruas, setores republicanos recorreram à solução que restava: um golpe militar. Para isso, precisavam de uma figura de autoridade que legitimasse o movimento. O alvo foi justamente o Marechal Deodoro da Fonseca, um homem que, ironicamente, era monarquista convicto e amigo pessoal de Dom Pedro II.

A manipulação foi intensa. No dia 14 de novembro de 1889, conspiradores espalharam boatos de que Deodoro e Benjamin Constant seriam presos. No dia seguinte, inflamado pelas intrigas, Deodoro marchou e depôs o presidente do Conselho de Ministros, Visconde de Ouro Preto. Era o início do golpe que criaria a República.

Dom Pedro II, fiel ao seu caráter, recusou qualquer reação violenta. Aceitou o exílio e embarcou para a Europa, onde morreria dois anos depois. Um detalhe pouco citado: o novo governo retirou 5 mil contos de réis do Tesouro para indenizar a família imperial, valor prontamente recusado pelo Imperador, que manteve sua dignidade até o fim.

República sem povo, Constituição elitista

Mais uma vez, o povo brasileiro foi ignorado. Não houve plebiscito, participação popular, consulta pública ou debate nacional. A República nasceu como um acordo entre elites provincianas, que rapidamente se tornaram defensores irrestritos do novo regime, não por convicção democrática, mas por conveniência.

A primeira Constituição republicana, elaborada em 1891, reforçou esse caráter excludente. Conservadora, oligárquica e distante dos ideais democráticos, ela consolidou um modelo de poder restrito às oligarquias estaduais, deixando a população à margem das decisões fundamentais do Estado.

A dívida social que gerou a desigualdade urbana

Um ponto fundamental ignorado pelo discurso oficial é que as primeiras favelas brasileiras surgiram no imediato pós-Proclamação da República, fruto direto da quebra da promessa republicana de reforma agrária, uma das pautas defendidas durante o Império. Sem acesso à terra ou a políticas públicas consistentes, milhares foram empurrados para ocupações improvisadas, especialmente no Rio de Janeiro. Essa raiz histórica ajuda a explicar, ainda hoje, parte da crise urbana e de segurança que assola a cidade no século XXI.

Uma herança que ainda pesa

Desde sua origem, a República brasileira foi moldada pelos interesses de elites políticas e econômicas. E, infelizmente, essa lógica de conservação de privilégios e distanciamento do povo ainda se manifesta em 2025, especialmente quando observamos a persistência da corrupção, a fragilidade da representatividade democrática e a dificuldade do país em realizar reformas estruturais de longo prazo.

A República, portanto, embora consolidada, nasceu de um processo que pouco teve de democrático. Carrega consigo a marca de um ato político que representou muito mais os anseios de uma elite do que a vontade genuína da nação.


Por Angelo Nicolaci 

.


GBN Defense – A informação começa aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário