quinta-feira, 10 de julho de 2025

Macedônia do Norte: A Pequena Nação que Redesenha o Papel dos Exércitos na OTAN

Enquanto os debates sobre o fornecimento de armamentos à Ucrânia ainda paralisam algumas das maiores potências militares da OTAN, uma pequena nação dos Balcãs tomou uma decisão ousada, que atraiu olhares atentos de analistas militares de todo o mundo. A Macedônia do Norte, membro da Aliança Atlântica desde 2020, transferiu para o front ucraniano toda a sua frota de carros de combate T-72, abrindo mão de seu principal ativo blindado. Contudo, o que, à primeira vista, poderia parecer um ato de sacrifício ou de solidariedade, na verdade, foi uma jogada estratégica cuidadosamente planejada.

Em vez de buscar substituir seus carros de combate por modelos equivalentes ou mais modernos, o país iniciou uma profunda reformulação de suas forças armadas, voltada à mobilidade, à tecnologia e à adaptação às exigências do campo de batalha moderno. A decisão de Skopje não representa apenas uma doação simbólica, mas sim a aposta em um modelo de defesa inteiramente novo, um que pode inclusive inspirar outras nações de pequeno porte dentro da OTAN.

O cerne dessa mudança está na substituição de plataformas blindadas pesadas por veículos leves e altamente móveis. A Macedônia do Norte baseará suas operações nos veículos táticos 4x4 JLTV (Joint Light Tactical Vehicle), de origem americana, e nos veículos blindados de transporte de tropas Stryker 8x8, reconhecidos por sua flexibilidade e mobilidade em terreno variado. Além disso, drones de múltiplas capacidades ocuparão um papel central na nova doutrina militar, com funções que vão desde a vigilância e reconhecimento até ataques de precisão, operando como uma extensão dos meios terrestres.

Essa força móvel será reforçada por sistemas de defesa aérea portáteis como os mísseis franceses Mistral, com planos em andamento para aquisição de um moderno sistema de defesa aérea de médio alcance. A meta é simples e objetiva: construir uma força armada pequena, mas com alta capacidade de resposta, capaz de atuar com eficiência em ambiente urbano, terrenos montanhosos e operações conjuntas com os aliados da OTAN.

Essa mudança estrutural não ocorre de forma isolada. Em julho deste ano, a Macedônia do Norte deve assinar um acordo de defesa de longo prazo com o Reino Unido, com forte apoio dos Estados Unidos. Esse pacto prevê uma década de modernização das forças armadas macedônias, incluindo investimentos significativos em equipamentos, treinamento e interoperabilidade com as forças aliadas. Além disso, o país vem fortalecendo suas parcerias com Montenegro e Eslovênia, buscando criar um novo polo de estabilidade e cooperação nos Balcãs Ocidentais, região historicamente marcada por tensões e conflitos.

Apesar de seu orçamento modesto US$ 388,3 milhões em 2025, a Macedônia do Norte tem impressionado os demais membros da OTAN. Desde 2024, o país já destina 2,2% de seu PIB à defesa, superando a meta mínima da Aliança, enquanto muitas nações europeias ainda não conseguem atingir esse patamar. Mais surpreendente ainda é a meta recém-anunciada de alcançar até 5% do PIB em investimentos de defesa nos próximos anos, o que colocaria a Macedônia do Norte entre os países mais comprometidos com a segurança coletiva da OTAN.

Analistas de defesa veem nessa abordagem uma alternativa interessante para pequenos estados-membros da Aliança Atlântica. Em vez de tentar imitar as forças armadas das grandes potências, com seus exércitos mecanizados e arsenais caros, a Macedônia do Norte aposta em um conceito mais realista e adaptado à sua realidade geográfica e econômica. O foco em mobilidade, vigilância e interoperabilidade permite ao país atuar como um importante reforço às operações coletivas da OTAN, sem arcar com os altos custos de uma força convencional tradicional.

Esse movimento reflete uma tendência crescente entre países da região, que estão deixando para trás os equipamentos herdados da era do Pacto de Varsóvia e investindo em sistemas ocidentais modernos. Um exemplo recente foi a República Tcheca, que entregou seus últimos carros de combate T-72M1 à Ucrânia e iniciou a transição para os carros de combate Leopard 2, de origem alemã.

O pano de fundo para essa mudança de paradigma é a guerra na Ucrânia, que se tornou o maior laboratório militar dos tempos recentes. O conflito revelou a vulnerabilidade de blindados pesados frente a armas portáteis de alta precisão e drones de baixo custo. A eficácia dos drones ucranianos, tanto para vigilância como para ataque, mudou radicalmente as regras do jogo. Unidades pequenas e móveis, equipadas com mísseis antitanque e drones de reconhecimento, têm demonstrado capacidade de deter, ou mesmo destruir, formações mecanizadas muito mais robustas.

O campo de batalha moderno exige cada vez mais forças armadas ágeis, com capacidade de dispersão e comunicação eficiente. A supremacia não está mais necessariamente no volume de equipamentos pesados, mas na capacidade de obter, compartilhar e agir com base em informações em tempo real. A guerra eletrônica também ocupa um papel central, com o uso maciço de sistemas de bloqueio, interferência e guerra cibernética. Além disso, o custo-benefício das operações tem sido reavaliado. Em diversos casos, drones de poucos milhares de dólares têm conseguido neutralizar plataformas que custam milhões.

A guerra na Ucrânia ainda trouxe à tona outro ponto crucial: a necessidade de integração entre as capacidades militares e civis, especialmente no que diz respeito às comunicações e ao uso de inteligência artificial. Sistemas como o Starlink, utilizados pelos ucranianos para garantir a conectividade, evidenciam como tecnologias comerciais podem ser rapidamente adaptadas para o campo de batalha.

Frente a esse cenário, a Macedônia do Norte surge como um exemplo pragmático e realista de como forças armadas de pequeno porte podem se manter relevantes. A combinação de mobilidade, tecnologia e integração com aliados permite que o país compense a ausência de grandes arsenais com eficiência operacional e flexibilidade estratégica.

Mais do que uma simples reestruturação militar, a estratégia de Skopje representa um novo paradigma para a defesa coletiva. Em vez de buscar supremacia pelo número, a Macedônia do Norte aposta na inteligência, na velocidade e na capacidade de adaptação. É um teste em tempo real para a OTAN, que poderá, nos próximos anos, observar se esse modelo compacto, mas tecnologicamente avançado, pode se tornar referência entre seus membros.

A lição que emerge dessa transformação é clara: no teatro de operações moderno, o tamanho das forças armadas não é mais a medida definitiva de sua eficácia. O que importa, cada vez mais, é a capacidade de adaptação, de operar em rede e de empregar tecnologias emergentes com agilidade e precisão. Nesse contexto, a Macedônia do Norte não apenas redesenha seu papel regional, mas também lança um sinal importante para toda a Aliança Atlântica: a guerra do século XXI pertence aos exércitos que conseguirem se reinventar.

Diante dos desafios expostos pelo conflito ucraniano, a decisão de abandonar os carros de combate e investir em veículos leves, drones e defesa aérea portátil não é apenas uma alternativa, mas possivelmente um vislumbre do futuro das guerras. As grandes potências continuarão a manter seus arsenais volumosos, mas os pequenos países da OTAN podem encontrar nessa abordagem um caminho viável para garantir sua segurança e, ao mesmo tempo, contribuir de forma relevante para a defesa coletiva.

Ao final, a Macedônia do Norte antes vista como um ator periférico no cenário militar europeu, assume uma posição central no debate sobre o futuro das operações militares. Com um modelo que alia realismo orçamentário, compromisso político e visão estratégica, o pequeno país dos Balcãs pode muito bem ter antecipado o que muitos ainda resistem em aceitar: no campo de batalha do século XXI, agilidade, tecnologia e integração podem valer muito mais do que o peso dos canhões.


por Angelo Nicolaci


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